Demorei 48 anos para jogar a minha primeira partida de War.
Desde os tempos de jogadora inveterada de jogos de tabuleiro, War nunca foi minha escolha. Não via sentido nenhum no tal jogo malévolo e estrategista de conquista de territórios a qualquer preço.
Mas a galerinha estava aqui em casa num domingo de preguiça e o War foi o mais votado. Então me rendi. Literalmente.
Mas ontem, com essa invasão na Ucrânia, foi impossível não fazer uma analogia com todas as coisas que senti e pensei durante a partida.
Sempre gostei de história e geografia. Na época da escola, eram as únicas matérias que eu suportava assistir nas manhãs sonolentas da minha adolescência. Elas e literatura, claro.
Mas ontem, quando acordei com a notícia da invasão na Ucrânia, passei o resto do dia grudada com os olhos na Globo News, tentando desesperadamente entender o que se passava naquele lugar tão distante e tão próximo ao meu coração. Que parte das aulas eu perdi para não conseguir entender isso tudo que anda acontecendo no mundo?
É possível entender as motivações da guerra sem julgar as criaturas que estão no poder?
Como pode a humanidade, depois de dois anos de uma pandemia surreal, agora ter que passar por isso?
Onde é, na nossa mais profunda consciência de existência, que habita essa ânsia por poder?
Desde que o mundo é mundo essa insanidade assola as mentes humanas. Dê poder a alguém e você saberá quem é essa criatura de verdade.
Durante a partida, observava meus companheiros de jogo, mas só conseguia pensar em Hitler, Mussolini, Napoleão Bonaparte. Até em Pink e o Cérebro eu lembrei com aquele fatídico final de cada episódio:
– Cérebro, o que vamos fazer amanhã?
– O que fazemos todos os dias: tentar conquistar o mundo.
Ah gente, esse mundo não é o meu. Eu já tinha entrado numa crise existencial jogando Banco Imobiliário. Essa coisa de mensurar o sucesso por tudo que você conquistou “comprando” ou “adquirindo” não é para mim. Mas enquanto o pessoal se digladiava pelos territórios do mundo, eu seguia refletindo sobre a vida.
Quando eu era pequena, amava jogar na Janteca da minha Vó (Janteca = cômodo da casa de Terê onde ficava a sala de jantar junto à biblioteca) o jogo “Ladrões no Bosque”. Eram simples fazendeiros tentando levar as economias de suas fazendas ao banco da cidade. Mas a jornada era perigosa já que existiam ladrões por todo o bosque. Também amava jogar Detetive, me sentindo a Senhorita Rosa, suspeita de matar no Salão de Jogos, mas no fundo apaixonada pelo Coronel Mostarda, sonhando intrigas e crimes na cozinha, entre facas e candelabros.
Jogos de tabuleiro na minha adolescência eram um campo de imaginação absoluta. Não só pelo jogo ou para tentar ganhar, mas para viver a experiência na nossa imaginação. Por isso nunca joguei War. Qual a graça da guerra?
A equipe da Globo News é danada. Aprendi muito ontem sobre as questões geopolíticas em relação à Ucrânia e Rússia e OTAN. Mas Clara também me explicou um monte de coisas que eu não sabia. Ela tenta me explicar que toda a história tem dois lados. E que não é possível julgar sem conhecer profundamente a história de um povo. Que filha mais esperta! E assim, passei o dia tentando entender essa loucura que tá acontecendo desde ontem. Um quebra-cabeça complexo e muito mais sério que a gente aqui pode supor. As guerras sempre judiaram do mundo. Mas agora, uma terceira guerra mundial não maltrataria a humanidade. Aniquilaria com ela.
Fico com a reflexão de Mujica, ex-presidente do Uruguai, que recebi ontem pelo WhatsApp, que me emocionou muito:
“Não será possível, de alguma forma, melhorar um pouco o termo medieval da nossa humanidade? Será possível que a humanidade do futuro nos permita abandonar os orçamentos militares, a loucura da guerra? Será possível que não possamos diminuir um pouco a parcela do egoísmo? Não será possível recriar uma humanidade um pouco melhor? Porque afinal qual o sentido do avanço tecnológico se do ponto de vista dos conteúdos da vida humana, permanecemos estagnados, polidos pelo egoísmo, com uma enorme falta de empatia por quem nos acompanha na vida, onde seguimos prisioneiros de uma civilização que eternamente confunde ser com ter? Qual o sentido do engasgamento que estamos sentindo, com o que pode ou não pode passar na Ucrânia?”
Engasgamento. Essa foi uma metáfora perfeita definida por Mujica do que senti na manhã de ontem quando liguei a TV.
Mas com toda sinceridade que habita meu coração: se o que passamos na pandemia não transformou nossa forma de pensar, isso significa que ainda estamos muito longe de sairmos da pré-história. Com a desvantagem que hoje não lutamos mais com lanças e pedras, mas sim, com armas nucleares devastadoras que destruiria toda a humanidade em segundos.
É. Talvez fosse o caso de começar tudo de novo. Para ver se dessa vez a gente consegue ser um pouco menos medíocre.