Já perdi a conta da quantidade de vezes que fui acusada de alienação.
Já perdi a conta da quantidade de vezes de ver gente bufando o absurdo da minha postura de não ler jornal.
Já perdi a conta da quantidade de vezes que tirei gente do sério simplesmente por fazer a escolha de não querer saber das notícias cruéis do mundo.
No início, eu me sentia envergonhada. Escondia de todo mundo essa escolha bizarra de ir no contrafluxo do mundo enlouquecido de informações e me desculpava constrangida por não saber do menino que matou outros vinte na escola. Pedia desculpas pela minha ignorância e disfarçava essa minha opção maluca de vida.
Mas com o tempo, eu me fortaleci. Compreendi em profundidade o que era a sombra do mundo e o que fazia parte da cultura do medo. Entrei de cabeça no estudo e na vivência da minha jornada espiritual. Saí de grupos do Facebook que me alertavam sobre os perigos da cidade, saí de fininho das conversas que sangravam, aprendi a dizer para o motorista de táxi que não me contasse os casos de assalto da região, aprendi a defender minha escolha de vida com orgulho e ver nela todo o sentido que eu buscava. É impressionante como a gente acha que não, mas a gente pode escolher em que frequência do mundo quer viver.
Mas mesmo com todo o cuidado, todo o filtro e toda a tentativa de escapar da dor que o mundo me causa, um dia, uma fotografia gruda na minha retina e não me deixa respirar. A fotografia de um menino morto na beira da praia entra em mim e me toma por inteiro. Me doem os ossos. Me dói o estômago. Me dói a alma. Tento desesperadamente entender o contexto, ler as notícias atrasadas. Me sinto culpada pela impotência, sou bombardeada de mensagens no whatsapp de amigos em sofrimento como eu e penso: quando é meu deus, que a humanidade vai parar de ser como é?
Muito já foi dito sobre essa história essa semana. E o Efeito Aylan Kurdi é real. Depois da morte do menino sírio, algumas coisas já se transformaram na Europa. De alguma forma, essa dor que o mundo sentiu fez mover energias profundas que precisavam desesperadamente ser transformadas.
Mas aqui dentro de mim, dentro desse meu pequeno universo que habito, o que eu queria dizer com esse texto essa semana, era que desde o dia que aquela imagem foi divulgada para o mundo, antes de dormir, eu não consigo fazer outra coisa que não seja imaginar colocar o pequeno Aylan no colo e cantar para ele uma canção de ninar. Rezo para que ele, sua mãe e seu irmão encontrem luz no Caminho Azul e compreendam que a humanidade ainda vai precisar de muito, muito tempo para se transformar. Não consigo imaginar mais nada que eu possa fazer por essa história nesse momento.
O mundo não me cabe. Mas como Aylan pode não caber?
Lindo texto! Perfeito com você conseguiu entrar em nossas mentes e corações…e transformar em palavras o que muitos pensam e sentem. Bj grande!