Palavra coagulada

grilhao

Depois de tanto tempo, ela enferrujou.
As palavras estão endurecidas.
Está difícil escrever.
O que antes era fluido e orgânico, agora parece ter uma resistência preguiçosa.
As palavras estão coaguladas.
Estancadas pelo esquecimento.
Esvaziadas de sentido porque não puderam ser ouvidas.
Nem descritas, nem tampouco lapidadas.
Palavras se magoam facilmente.

Ela sofre.
Não queria que tivesse sido assim.
Sempre amou tanto cada uma de suas palavras.
Aquelas que lhe sopravam ideias.
Traduziam-lhe emoções.
Ela sofre por essa perda.
E faz um esforço enorme para ouvi-las.
E se esgota porque tudo parece escondido: palavras, frases, imagens, metáforas.

Vai ser preciso paciência.
Amor para acordar tanta palavra adormecida.
Cuidado para limpar a poeira.
Ternura para despertar os sentidos.
Obstinação para curar o ressentimento.
Para que as palavras acordem e voltem a fluir, ela vai precisar de calma.
E, sobretudo, perdoar-se pela ausência e impossibilidade.
As palavras entenderão se ela explicar.
Seu afastamento não foi por abandono.
Foi pela necessidade de sobreviver e de compreender o mundo.
Não esse que é feito de palavra e emoção, mas o outro, que é feito de ação e razão.

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