“É melhor ser inteiro do que ser bom”
Carl Gustav Jung
E então, de repente, tudo escurece.
E onde havia luz, clareza e leveza, se transforma num quarto escuro, abafado e aflito. A vida é assim, eu sei. Dia e noite. Noite e dia. Luz e sombra. Mas a questão é que quando anoitece dentro da gente é assustador. Já passei por algumas crises de tristeza e depressão. Até de pânico já tive que me tratar. Porque a vida é assim, para quem está vivo. Uma montanha russa nada divertida de controvérsias emocionais. A gente vive porque respira. Porque acorda no dia seguinte mesmo que tenha tomado um calmante. Porque a realidade do lado de fora não respeita nosso sofrimento interno. Porque o sol nasce e não espera a esperança acordar. O mundo gira freneticamente e por mais que em algum momento a gente peça desesperadamente para o mundo parar, ele não pára.
Há uma linha muito tênue que divide a luz da escuridão. Mas para quem já atravessou essa divisa, sabe que do outro lado, há um lugar desconhecido e aterrorizante. Porque este lugar está, exatamente, dentro de cada um de nós. E é nessa sombra que mora tudo aquilo que desejamos guardar, esconder, fingir que não existe. Segundo Jung, a coisa que uma pessoa não tem desejo de ser. E por mais que tentemos usar de todos os subterfúgios externos possíveis, um dia, sem mais nem menos, tudo escurece. E o que havia estado escondido, aparece para nós como um bicho feroz, cheio de dentes afiados e um olhar demoníaco. E passamos a viver um pesadelo mesmo estando acordados. Dizem que quanto mais tentamos conter nossa sombra, mais negra e densa ela se torna.
Durante muito tempo da minha vida tentei driblar meus demônios. Quando a escuridão vinha, eu me escondia de mim mesma sem que ninguém percebesse, num lugar bem quieto e esperava de olhos fechados, o bicho cabeludo passar. Nunca me passou pela cabeça a possibilidade de acender uma vela sobre nenhuma característica nefasta minha que surgisse por ali. Fazer isso como? Com que armas? Com meu otimismo ridículo? Com essa minha fé desconfiada? É preciso coragem para viver. Mas é preciso muito mais do que coragem para enfrentar o que somos. E o pior, enfrentar o que há de mais vergonhoso em nós.
Na minha sombra habitam Tatianas imorais, Tatianas suicídas, Tatianas sem esperança, inflamadas de um rancor dolorido com a vida e com Deus. E a cada vez que anoitece e essas Tatianas surgem, eu choro sem parar, porque tenho muito medo de que um dia, elas tomem conta do que há de melhor e mais puro em mim.
Talvez tenha chegado a hora de acender as tais velas no subterrâneo da minha alma. Acender velas ou tecer palavras incandescentes que possam iluminar meu caminho. Essa coisa de escrever tem me enchido de uma coragem samuraica. Não sei de onde isso vem, mas é gigantesco. Draconiano. Estupendo. É com as palavras que quero enfrentar minha escuridão. Porque é com elas que posso sair inteira dessa caverna sombria que, tantas vezes, me obrigo involuntariamente a entrar. Porque por mais esclarecedor que seja o enfrentamento da sombra, é na luz que geramos vida. É na luz que se vive plenamente. É na luz que se amanhece por dentro.