TPM só pode ter sido um mecanismo diabólico inventado por Deus. Um plano maquiavélico que Ele tinha em mente, para fazer a gente virar o mundo do avesso todo mês. Ele sabia que o mundo precisava disso. Que geralmente é no avesso que está o direito. E obviamente que Ele sabia também que só a mulher podia dar conta desse serviço.
Desde a adolescência até a velhice, nós mulheres somos induzidas mensalmente a fazermos um pequeno mergulho no abismo de nós mesmas. Somos violentamente conduzidas por uma orquestra afinada de hormônios que nos fazem viver a seu bel-prazer. Quando é o estrogênio que manda, ficamos poderosas. Lindas, exalando sensualidade, com a libido à flor da pele, felizes e bem dispostas. Uma beleza. A natureza quer que a gente procrie. E faz a gente arrepiar no calçadão. Depois que passa o período da ovulação e a natureza se dá conta de que não houve nada de novo no front, traz de presente o período das trevas. A progesterona manda e a gente chora. O tempo todo, por qualquer motivo. De divas passamos à categoria de trapinho velho. Ficamos tristes, sombrias e inchadas.
É real. A coisa toda é muito real. E o pior é que o assunto está para lá de batido. Todo mundo já falou sobre. Já discutiu sobre. E mesmo assim, a gente continua passando pela mesma história todo mês, sem descanso, sem pausa, se sentindo no mínimo injustiçada. Porque nada do que foi dito, nada do que foi escrito, aplaca a dor da incompreensão do nosso processo. Pelo menos, nos dias de hoje, nessa sociedade em que vivemos.
No tempo em que o homem vivia mais próximo da natureza e dos seus ciclos, a menstruação nas mulheres era coisa respeitada e reverenciada. Pela tradição indígena, por exemplo, uma mulher em seu ciclo lunar era considerada pela tribo, uma mulher em estado absoluto de graça. Ela tinha permissão de se recolher à Tenda da Lua e se isentar de todas as tarefas domésticas, como cozinhar e cuidar de seus filhos. O Tempo da Lua era considerado um tempo sagrado da mulher, quando ela recebia as honras por ser a Mãe da Energia Criativa. Durante esse ciclo ela deveria se libertar das energias antigas que seu corpo vinha carregando e se preparar para a religação com a fertilidade da Mãe Terra, aquela que ela seria portadora no próximo mês. Nossos ancestrais sabiam o quanto era importante dar espaço para que cada mulher pudesse se aprofundar em si mesma em seu espaço sagrado durante esse período. Afinal, eram elas as mães da tribo. Eram elas que davam continuidade à nação. Eram elas que abrigavam em seus ventres os sonhos de toda uma geração. Por isso, nada mais justo que em seu período de Lua, elas apenas descansassem.
Agora me digam, onde é que cabe essa coisa linda e respeitosa às mulheres hoje em dia? Se elas próprias estão tão distantes de sua sabedoria feminina? Hoje o que a mulher vive em seu período da Lua é um verdadeiro massacre da serra elétrica. Porque passa pelo processo tendo que disfarçar tudo o que sente. É um achatamento da sua natureza. Ela quer se recolher e não pode. Quer ficar quieta e não pode. É daí que nasce sua tristeza. Aquela que se transforma em melancolia. Até ultrapassar todos os limites e ver sua melancolia se transformar numa irritação profunda. Que não precisa de nada para virar uma raiva colossal do mundo e de todas as coisas vivas sobre ele. É complicado. Mas é verdade.
Nada do que vivemos é inventado. O que acontece é físico. Eu mesma vivi uma prova concreta disso no mês passado. Estava trabalhando num texto complexo e a coisa ia toda muito bem. De repente, um dia eu acordei e sentei para escrever. As palavras não se encaixavam. As idéias, que antes se concatenavam com tanta facilidade, agora tinham virado um grande mar de pensamentos confusos. Eu pensei: meu deus, o que é que tá acontecendo comigo? Olhei no calendário e batata. Tinha acabado de entrar no meu período pré-menstrual.
E os transtornos físicos que o corpo passa? A gente sofre e não reclama porque senão é chamada de fresca. Dor de cabeça. Indisposição. Inchaço. Cólica? Ah, isso é besteira! Toma um antiespasmódico e pára de reclamar! É igual gripe, todo mundo tem, é um horror mas ninguém respeita o mal-estar que se passa. Afinal de contas, é só uma gripe. Como assim é só uma gripe? Como assim é só uma TPM?
O Tempo da Lua é um desafio para a mulher. Todo mês ela entra em contato com o seu mundo interno porque os hormônios forçam esse contato. Eles manipulam essa necessidade para que a mulher, ao não fecundar nenhuma vida, possa ter a oportunidade de renovar a sua própria vida e regenerar seu corpo. É um rito de amadurecimento. Uma passagem que ela faz, todos os meses, pelo mais sombrio e profundo dela mesma. E é por isso que eu não entendo, mesmo com toda a dificuldade, o que faz uma mulher, um dia, resolver ir contra a sua natureza e não menstruar mais. Geralmente os motivos são sempre os mesmos: falta de paciência com o mal estar provocado pelo ciclo e nojo de seu próprio sangue. As mulheres que fazem isso assinam o divórcio com o seu feminino. E isso é uma pena. Porque ao se desconectarem de quem são, imediatamente condenam o mundo a um desequilíbrio energético colossal.
Por mais triste, confusa, inchada e irritada que eu fique, eu não abro mão de ser quem eu sou. Não abro mão de entrar em contato com essa força. E entender que é nesse período que eu vou ter a chance de ouro de ouvir o que meu corpo tem a dizer, o que as minhas sensações podem traduzir de mim mesma. É justamente nesse caldo de sangue que a minha sabedoria vai transmutar tudo aquilo que a minha consciência não conseguiu entender ao longo do mês.
Deus tinha mesmo um plano diabólico para nós mulheres, quando inventou a menstruação. Era justamente nos lembrar, mês a mês, que a força do mundo não está nas mãos de ninguém. Está no ventre das mulheres. Toda as vezes que ela decide ou não, fecundar o mundo. Ave Eva!