Aprender a viver sem você

Zelinha, meu amor

Ontem acendi uma vela, coloquei uma música bem linda para tocar e fiquei por horas observando a chama do fogo se consumir, pensando em você. Venho repetindo esse ritual desde a sua partida, na esperança de aquietar meu coração e conseguir acreditar que simplesmente você não está mais aqui entre nós.

Você me conhece muito bem e sabe o quanto lido bem com a morte. Não tenho medo de morrer e quando penso sobre isso, sinto de verdade que cada um tem um caminho a percorrer e assim como chegamos, um dia temos que partir. Uma coisa não existe sem a outra. Não há merecimento, apego ou ilusão que nos segure nessa dimensão quando chegou nossa hora de atravessar o rio.

Mas há poucos dias, quando nos falamos pelo telefone, você estava bem. Confiante de sua recuperação, fazendo planos, rindo como sempre de alguma coisa que tinha te acontecido no dia. E de repente, de repente mesmo, recebemos a notícia de sua partida.

Acho que esse ritual de olhar para a vela e aceitar o inaceitável é um profundo pedido que minha alma anda fazendo a Deus, para tentar acreditar que você se foi.

Sabe qual foi a primeira coisa que me passou pela cabeça quando soube da sua morte?

Que eu não ia saber viver sem você. Que eu ia precisar com urgência reaprender a existir sem seu amor diário, sem sua preocupação e afeto, sem seus telefonemas de domingo que me davam tanto chão. Não sei viver sem seu perfume de lavanda, sem suas orações, sua fé, suas piadas, suas histórias. Sem sua forma de ver a vida com tanta graça e sua voz atendendo o celular dizendo: Zélia Meira falando!

E seu macarrão gratinado, seu cozido, seu bobó de camarão, seu bolo de chocolate com côco, seu cuscuz, sua gelatina rosa. Seu chá preto com leite. Ah Zelinha… ainda bem que você me apresentou o coentro. Eu não teria tido a mesma existência sem ter experimentado coentro no feijão.

Sabe que nesses últimos dias de tanta dor, vem acontecendo uma coisa estranha comigo: eu falo com você em pensamento o tempo todo. Converso mesmo, tipo doida. Esses dias, quando fui pela primeira vez à sua casa sem você, pensei em fritar uns cogumelos Paris no shoyu para a Clarinha almoçar. E eu estava sozinha na cozinha, meio perdida, sem saber onde estavam as panelas. Então, eu perguntei: Zélia, onde estão as frigideiras? Na mesma hora ouvi você dizer: “nessa gaveta ô doidinha, esqueceu?” Ah é. Posso pegar essa?  – era a mais linda de todas – você demorou para responder mas disse: “pode”. Deus me livre de pegar a panela errada. Ou o pano de prato errado, ou a colher de pau errada. Com você, cada coisinha na cozinha tinha uma função específica e eu aprendi a respeitar isso como lei divina. De repente, Flavinha chegou na cozinha e falou: “xiiii, essa frigideira? Toma cuidado, hein? Era a frigideira que a mamãe mais amava. Não deixava ninguém usar”. Daí eu entendi porque você tinha demorado para responder. Danada. Mas eu respondi com propriedade: “Olha Vinha, eu perguntei antes e ela me autorizou!”

Choramos e rimos. Como cada coisa que fizemos nesses últimos dez dias. Tudo nos faz chorar e rir. Chorar pela saudade insuportável que já sentimos de você. Rir pela gratidão que sentimos por termos feito parte da sua história.

Zélia Cardoso Meira, talvez a melhor pessoa que eu já tenha conhecido nesta vida.

Ontem depois de acender a vela tive uma idéia genial: vou fazer um livro sobre você. Vamos! A família toda! Passar a limpo aquelas anotações que você vinha rabiscando desde a pandemia sobre sua família. Reunir fotos, receitas, causos. Tudo que possa ficar registrado para que as próximas gerações saibam quem foi você minha querida.  Promete me ajudar daí?

Sobre sequelas

A Covid chegou na minha casa exatamente 2 anos e 2 meses depois do início da pandemia.

Foram muitos meses sentindo um medo profundo e ao mesmo tempo essa benção dos Deuses por ter sido poupada da visita desse fantasma demoníaco do século XXI.

Mas ele chegou fraco e raquítico em nossos corpos, onde já habitavam fortes e ferozes, os nossos guerreiros Astra e Pfizer, protegendo firmemente nossas células e plaquetas.

Mas ainda assim ele chegou. Trazendo sua identidade e o peso de uma tragédia mundial nas costas.

Foram 10 dias de um mal estar esquisito, uma espécie de gripe com gosto amargo de morte. Eu cheguei a sentir uma falta de ar no peito que me levou à emergência do Niterói D’Or. Mas a falta de ar não era falta de ar: era o tal do motoqueiro fantasma que tinha levado meus amigos e amigos de tantos amigos. O vilão que destroçou um milhão de famílias pelo mundo, que exauriu nossos médicos, que nos fez envelhecer 20 anos em 2.

Já conto mais de 15 dias desde o meu primeiro sintoma e agora o que mais me impressiona são as tais das sequelas que esse desgraçado me deixou.

Não perdi o paladar nem o olfato e dou graças a Deus por isso, sendo a taurina que sou. Mas ficou no corpo um cansaço absurdo, ancestral, pesado e confuso. E o que eu achei que era uma dor muscular de uma velhinha de 95 anos com artrite e artrose, ontem descobri que era o início de uma herpes zoster na perna. Meu Deus.

Parece que tem sido comum essa catapora evoluída se desenvolver no pós-covid, mas vamos combinar, que provação divina esse outro vírus agora atacando meus nervos. Literalmente.

Sei que estou com a imunidade baixa. Exausta. E que as coisas da vida não andam nada coloridas. Mas caramba, fui no dicionário buscar o significado da palavra “sequela” e descobri que ela é a própria metáfora da vida. 

“Uma alteração anatômica e funcional permanente sendo causada por uma doença ou um acidente”. Ou, a vida, como ela é.

Sequelas são cicatrizes. Aquilo que nos deixam marcas profundas. No fundo no fundo, a vida nada mais é do que uma coleção pitoresca de sequelas.

Porque viver deixa sequelas.
Arriscar-se deixa sequelas.
Amar deixa sequelas.
Escolhas – acertadas ou não – deixam sequelas.
Envelhecer deixa sequelas.

E eu confesso que estou exausta dessa luta da vida que parece não dar trégua desde aquele fatídico março de 2020.

Nunca deixei de ter esperança de que dias melhores viriam. Mas caramba. O que é que falta para gente viver esse ano?

Eleições?

Ah é.

Então… câmbio final, desligo. Volto em 2023. Se alguém perguntar por mim, diz que fui atrás do conselho de Manoel de Barros:

“Quando meus olhos estão sujos de civilização, cresce por dentro deles um desejo de árvores e aves”

WAR

Demorei 48 anos para jogar a minha primeira partida de War.

Desde os tempos de jogadora inveterada de jogos de tabuleiro, War nunca foi minha escolha. Não via sentido nenhum no tal jogo malévolo e estrategista de conquista de territórios a qualquer preço.

Mas a galerinha estava aqui em casa num domingo de preguiça e o War foi o mais votado. Então me rendi. Literalmente.

Mas ontem, com essa invasão na Ucrânia, foi impossível não fazer uma analogia com todas as coisas que senti e pensei durante a partida.

Sempre gostei de história e geografia. Na época da escola, eram as únicas matérias que eu suportava assistir nas manhãs sonolentas da minha adolescência. Elas e literatura, claro.

Mas ontem, quando acordei com a notícia da invasão na Ucrânia, passei o resto do dia grudada com os olhos na Globo News, tentando desesperadamente entender o que se passava naquele lugar tão distante e tão próximo ao meu coração. Que parte das aulas eu perdi para não conseguir entender isso tudo que anda acontecendo no mundo?

É possível entender as motivações da guerra sem julgar as criaturas que estão no poder?

Como pode a humanidade, depois de dois anos de uma pandemia surreal, agora ter que passar por isso?

Onde é, na nossa mais profunda consciência de existência, que habita essa ânsia por poder?

Desde que o mundo é mundo essa insanidade assola as mentes humanas. Dê poder a alguém e você saberá quem é essa criatura de verdade.

Durante a partida, observava meus companheiros de jogo, mas só conseguia pensar em Hitler, Mussolini, Napoleão Bonaparte. Até em Pink e o Cérebro eu lembrei com aquele fatídico final de cada episódio:

– Cérebro, o que vamos fazer amanhã?

– O que fazemos todos os dias: tentar conquistar o mundo.

Ah gente, esse mundo não é o meu. Eu já tinha entrado numa crise existencial jogando Banco Imobiliário. Essa coisa de mensurar o sucesso por tudo que você conquistou “comprando” ou “adquirindo” não é para mim. Mas enquanto o pessoal se digladiava pelos territórios do mundo, eu seguia refletindo sobre a vida.  

Quando eu era pequena, amava jogar na Janteca da minha Vó (Janteca = cômodo da casa de Terê onde ficava a sala de jantar junto à biblioteca) o jogo “Ladrões no Bosque”. Eram simples fazendeiros tentando levar as economias de suas fazendas ao banco da cidade. Mas a jornada era perigosa já que existiam ladrões por todo o bosque. Também amava jogar Detetive, me sentindo a Senhorita Rosa, suspeita de matar no Salão de Jogos, mas no fundo apaixonada pelo Coronel Mostarda, sonhando intrigas e crimes na cozinha, entre facas e candelabros.

Jogos de tabuleiro na minha adolescência eram um campo de imaginação absoluta.  Não só pelo jogo ou para tentar ganhar, mas para viver a experiência na nossa imaginação. Por isso nunca joguei War. Qual a graça da guerra?

A equipe da Globo News é danada. Aprendi muito ontem sobre as questões geopolíticas em relação à Ucrânia e Rússia e OTAN. Mas Clara também me explicou um monte de coisas que eu não sabia. Ela tenta me explicar que toda a história tem dois lados. E que não é possível julgar sem conhecer profundamente a história de um povo. Que filha mais esperta! E assim, passei o dia tentando entender essa loucura que tá acontecendo desde ontem. Um quebra-cabeça complexo e muito mais sério que a gente aqui pode supor. As guerras sempre judiaram do mundo. Mas agora, uma terceira guerra mundial não maltrataria a humanidade. Aniquilaria com ela.

Fico com a reflexão de Mujica, ex-presidente do Uruguai, que recebi ontem pelo WhatsApp, que me emocionou muito:

“Não será possível, de alguma forma, melhorar um pouco o termo medieval da nossa humanidade? Será possível que a humanidade do futuro nos permita abandonar os orçamentos militares, a loucura da guerra? Será possível que não possamos diminuir um pouco a parcela do egoísmo? Não será possível recriar uma humanidade um pouco melhor? Porque afinal qual o sentido do avanço tecnológico se do ponto de vista dos conteúdos da vida humana, permanecemos estagnados, polidos pelo egoísmo, com uma enorme falta de empatia por quem nos acompanha na vida, onde seguimos prisioneiros de uma civilização que eternamente confunde ser com ter? Qual o sentido do engasgamento que estamos sentindo, com o que pode ou não pode passar na Ucrânia?”

Engasgamento. Essa foi uma metáfora perfeita definida por Mujica do que senti na manhã de ontem quando liguei a TV.

Mas com toda sinceridade que habita meu coração: se o que passamos na pandemia não transformou nossa forma de pensar, isso significa que ainda estamos muito longe de sairmos da pré-história. Com a desvantagem que hoje não lutamos mais com lanças e pedras, mas sim, com armas nucleares devastadoras que destruiria toda a humanidade em segundos.

É. Talvez fosse o caso de começar tudo de novo.  Para ver se dessa vez a gente consegue ser um pouco menos medíocre.

Anestesia

Eu passei praticamente a vida toda resistindo a eles.

Na adolescência não sabia que eles existiam. Mas se soubesse com certeza teria me rendido. Naquela época eu não fazia ideia do que tinha, mas o que tinha, era bem sofrido.

No período da faculdade, presenciei um assalto a um carro-forte, onde todos os policiais foram metralhados na minha frente. Daquele dia em diante, não só sofri de ansiedade como desenvolvi uma síndrome de pânico dificílima.

Depois veio a gravidez, que apesar de ter sido a mais esplêndida experiência da minha existência, me levou diretamente à uma depressão pós-parto.

Aí veio a separação, quando eu me vi sozinha no mundo com duas meninas para criar. Era uma menina cuidando de duas meninas.

Mas a vida foi correndo. Como um rio que corre depressa, apesar das pedras e galhos que encontra pela frente. E com muito amor da família e dos amigos, eu acabei conseguindo vencer um a um dos desafios que a vida me trouxe.

Até chegar a pandemia.

Quando a gente celebrou o ano novo de 2019 para 2020 não fazia ideia do que nos esperava pela frente. Mas a verdade é que um trator passou na vida de cada um. E apesar de me achar bem forte durante todo o processo, 2021 chegou me trazendo outro presente de grego: pressão alta.

E é aquela coisa de sempre: a alma a gente até consegue enganar, mas o corpo não. E como uma panela de pressão prestes a explodir, meu corpo foi dando indício que ia pifar.

Procurei um cardiologista. Fiz um monte de exames. Por incrível que pareça, o coração e as artérias estavam bem. Mas algo dentro de mim pulsava como uma bomba relógio. Foi quando ele falou: você não vai morrer de infarto, mas eu queria te alertar que ansiedade também mata.

E me prescreveu aquilo que eu tinha passado a vida fugindo: antidepressivos.

Titubeei.

Poxa. Passei a vida sobrevivendo a todos os tsunamis que a vida tinha me trazido! Será possível que agora eu não ia conseguir segurar a onda?

Mas essa dúvida encobria um medo enorme. E se eu começar a tomar esse troço e nunca mais conseguir me livrar disso?

Luto tão bravamente contra tantas adicções. Dizer sim a essa coisinha milagrosa nessa altura do campeonato, me parecia jogar a toalha antes da hora.

Conversei com algumas pessoas, pesquisei um monte na internet. Meditei sobre o assunto e o veredicto final foi me render. E já que eu ia começar o tratamento, passei a ver a coisinha como um amigo que estava entrando na minha vida para me dar o colo que eu precisava. Sem dinheiro para fazer terapia, sem perspectiva de mudança de governo, sem conseguir controlar o sangue que fervia de nervoso, eu realmente não tinha escolha.

E agora, passados dois meses de medicação, uma coisa estranhíssima está acontecendo. Não é ruim nem bom. É só estranho. Tenho sentido a vida como se tivesse sido anestesiada. As coisas me afetam, mas não profundamente. Eu choro, mas sem me despedaçar. Eu sofro, mas sem querer cortar os pulsos. Eu sinto, mas não me desespero.

Será que isso é bom?

A imagem que me vem à cabeça é de me ver sentada, num trem em movimento, olhando a vida passar pela janela. E eu não sei se eu tô gostando disso, gente. Tá esquisito.

Se essa anestesia me poupar de sofrimento, tudo bem. Mas e se ela me poupar de mim mesma? Me poupar de ser eu, com todas as esquisitices que me habitam? E se eu não conseguir mais sentir como sentia? E se eu não conseguir mais escrever?

Pronto. Pirei.

Vou ligar para minha terapeuta.

Maria das Dores

Quando eu era pequena, minha mãe me chamava de “Das Dô Saramandaia”.

Referência a uma novela da época, mas acho que o que ela gostava mesmo era de me chamar de Maria das Dores. Consigo imaginar o porquê. Tudo me doía. Segundo ela, cada dia era uma coisa diferente. Uma novela.

Para um corpo hiper ultra mega sensível, tudo dói mesmo. Tudo é um exagero, porque tudo é sentido no nível máximo que a sensibilidade pode sentir.

Cresci nesse molde de hipersensibilidade corpórea e isso sempre foi uma questão na minha vida. Tenho pavor de sentir dor. Pavor de passar por qualquer dor que me faça sofrer. Conclusão: sou uma adulta hoje viciada em analgésicos.

Demorei muito tempo para assumir essa adicção. Qualquer vício é vergonhoso e nos gera muita culpa. Mas de uns tempos para cá, ando com uma vontade infinita de colocar minhas dores para fora, para ver se dividindo, a coisa pesa menos.

Fico imaginando se não tem um monte de gente por aí com esse mesmo vício. Se a vida já era difícil com todos os desafios contemporâneos, imagina agora que a gente está passando pela pior crise sanitária dos últimos tempos.

Bom, eu não sei vocês, mas eu sinto dores de cabeça todos os dias. Já desconfiei de estar com Covid umas 17 vezes desde que a pandemia começou. Já senti tonturas, calafrios, enjoos, dores de garganta, febrículas e muitas, muitas dores no corpo nesse último ano.

Tá. Eu sei que muito próximo da loucura do vício em remédios, mora a hipocondria. E já que eu me propus a falar a verdade, devo confessar que em algum lugar em mim mora um Woody Allen compulsivo. Acho até que eu já escrevi sobre isso. Todo hipocondríaco se automedica. Isso é fato. Então, um bicho alimenta o outro.

Mas eu tenho medo disso. Resolvi escrever sobre isso, porque tenho medo de no final das contas, morrer de intoxicação medicamentosa. Difícil essa dicotomia né? Vocês acham que é fácil ser eu?

Mas voltando às dores, há uns anos fiquei sabendo de uma moça que foi internada com dores horríveis na barriga. Depois de examinar a paciente, o médico olhou para ela e disse: “não preciso fazer mais exames para descobrir o que você tem: seu problema é intoxicação com Neosaldina.”

Minha Nossa Senhora. Nem sei quantos anos passei tomando Neosaldina. No dia que soube disso parei. Passei a tomar Dorflex. Mas uma amiga falou que eu também preciso parar com o Dorflex porque o excesso de relaxante muscular faz mal para o corpo. Me indicou Doril DC.

Parece piada, eu sei. Mas eu não tô achando mais nenhuma graça.

Agradeço muito a sensibilidade que me habita. É através dela que absorvo o mundo e posso escrever. É através dela que apreendo coisas muito sutis que são difíceis de serem percebidas pelas pessoas. É pela sensibilidade que encontrei minha voz no mundo. Tudo isso faz parte da luz dessa qualidade. Mas na sombra dessa mesma característica que me representa, moram as dores na alma que me causam as injustiças. A crueldade do mundo me corta a pele e me faz sangrar como se o sangue saísse de mim de verdade. As maldades me torcem o estômago como um soco que a gente recebe sem se preparar. Sinto visceralmente as dores de tudo aquilo que está em desalinho do universo. Aqui. Nesse corpo que habito. Então, o que me dói não são as agruras que meu corpo tenta administrar do desequilíbrio de alguma coisa que comi de errado, ou as poucas horas que dormi, ou o mal jeito que dei na lombar. O que me dói são todas as coisas que sinto desse mundo que a gente está vivendo e que não tem analgésico que dê jeito.

Sim. Estou viciada em analgésicos. Em melatonina para dormir. Em sal de fruta para a queimação no estômago. Em Torsilax para o dor nas costas. Mas ainda não tomo calmantes nem antidepressivos. Sem absolutamente nenhum julgamento para quem precisa. Cada um sabe onde a vida lhe aperta. Mas quero buscar uma alternativa de cura para essa coisa que ficou tão clara de repente para mim.

A dor é um processo de alerta. Assim como a doença. Ela não é inimiga. Muito pelo contrário. É alguém que vem para te alertar que alguma coisa está muito errada com você. Quero olhar para isso de frente. Mesmo que me doa muito. Assumir o vício é o primeiro passo da cura.

Minha alma Golfinho

Sugestão sensorial: ler ouvindo essa canção…

Foi numa jornada com tambor que eu conheci meu Golfinho pela primeira vez.

Eu ainda era uma novata no xamanismo, mas já tinha bagagem suficiente para ir em busca do meu animal de poder. Os animais de poder são como um alter ego. Nosso duplo numa outra dimensão de existência. Eles são como animais guardiões que nos trazem seus talentos, sua medicina e sabedoria.

É bem difícil de explicar a magnitude dessa experiência, mas eu queria muito tentar. Porque no dia que eu conheci o meu Golfinho, senti uma mudança muito intensa acontecer dentro de mim. Como um divisor das minhas águas internas. Literalmente.

A jornada em si é bem simples. Primeiro buscamos uma posição confortável para deitar, depois colocamos uma venda nos olhos, algum pano que possa bloquear a luz do dia. Isso facilita muito a conexão com a jornada, porque nos separa de alguma forma do mundo externo. Em seguida nos conectamos com a respiração, relaxando o corpo, tentando “nos desligar” dos problemas cotidianos. E assim que o tambor começa a tocar, como as batidas do coração, entramos no processo.

Um tempo depois o tambor acelera, então procuramos um lugar da natureza internamente. Estando nesse lugar, saímos em busca de um portal. Uma fenda, uma caverna, um buraco na terra, ou numa árvore, ou mergulhamos num oceano ou num lago tranquilo. Tudo vai depender da experiência de cada um. O objetivo é entrar nesse lugar, para sair em outro. Como se de fato atravessássemos um portal. Então, chegando a essa nova dimensão, chamamos por nossos mestres e guias espirituais. E nos permitimos viver o que tiver que acontecer.

Eu costumava dizer nas partilhas que não acreditava que coisas tão incríveis pudessem acontecer nas jornadas para mim. Que o enredo era tão perfeito que parecia um filme. E sempre duvidava da veracidade da coisa. “Eu estou inventando, não é possível”. Demorei muito para aceitar que por mais que estivesse inventando, a invenção era minha e de mais ninguém. E que o vivido tinha significados simbólicos tão transformadores, que eu demorava mesmo para compreender e assimilar.

Uma viagem absolutamente curativa, regenerante e mágica.

No dia que conheci meu Golfinho estava em busca do meu animal de poder e o nosso encontro foi tão forte que eu mal pude acreditar. Mergulhei num oceano profundo e quando vi, ele se apresentou numa nitidez impressionante. Perguntei se ele era o meu animal de poder. Ele confirmou numa dança alegre e comunicativa. Em seguida fez um gesto como se estivesse me chamando. Então colei meu corpo junto ao dele e por muito tempo, nadamos por águas quietas em silêncio. Talvez tenha sido uma das coisas mais belas que já vivi. E desde então, quando preciso, o acesso. Algumas vezes levo questões, perguntas. Que são respondidas de diferentes formas. Outras vezes, o encontro acontece para simplesmente descansar a alma.

Só vivenciando para conseguir compreender a profundidade da vivência. Como eu queria que as pessoas pudessem passar por isso um dia. Acessar mundos internos nunca desvendados e entrar em contato com sua mais profunda essência.

Mas é isso. A jornada termina quando o tambor passa a ser tocado num ritmo diferente. Primeiro mais lento, depois um toque rápido para que cada pessoa possa entender que é hora de finalizar sua história. E ainda ter tempo de agradecer a todos os seres que se manifestaram (sim, muitos animais e seres podem surgir) e retornar a um estado mais consciente, fechando os portais que foram abertos.

Uau.

Pensando bem, não tenho certeza de que essa vivência seja para qualquer um. É preciso se desvencilhar de preconceitos e julgamentos. Transformar as dúvidas em curiosidade. E parar de se questionar demais sobre o que é certo ou errado. Caminhos como esse precisam de entrega para serem vividos por inteiro. Entrega e coragem. Hoje não consigo mais me imaginar vivendo sem essa dimensão. Não posso e nem quero estar encarnada nesse mundo doido, sem estes lugares de cura e autoconhecimento.

Ao longo da minha existência, ganhei muitos presentes da vida que não consigo mensurar o valor. Descobrir esse Golfinho em mim, foi um deles. Um encontro de almas. Umas das coisas mais incríveis que vivi até agora. Mas para completar a benção, ando de novo sonhando com uma coisa que quando acontecer, vou ter um treco: nadar com um golfinho de verdade. Lá em Fernando de Noronha. Já pensaram? Não ia ser nada mal hein?

Um dia eu ainda chego lá.

O lindo vazio que nos habita

“A arte é o vazio que a gente entendeu.”
Clarice Lispector

Há muito tempo, uma amiga querida me emprestou um livro e disse assim:

– Essa história é incrível, Tati. Leia para as meninas. Elas vão amar!

O livro chamava-se “O Coração de Corali”.

Cheguei em casa e antes de dormir nos acomodamos entre os travesseiros, cobertinhas e abajur e comecei a leitura. Sempre amei esse ritual de ler para as meninas antes de dormir. Sentia que construía nele uma egrégora de segurança para enviá-las ao mundo dos sonhos. Uma mente inundada de boas histórias viaja para lugares maravilhosos durante o sono.

Pois bem. A história ia muito bem quando lá pela metade do livro comecei a sentir um aperto na garganta pela emoção do enredo. Segui. Dali a pouco, formou um nó. Mais uma página e a glote começou a fechar. A voz foi ficando embargada, embargada, quando vi estava aos prantos. Chorando alto, sem conseguir me controlar. As meninas, de olhos arregalados, perguntavam desesperadas:

– Mãe, o que está acontecendo? Tá tudo bem com você? Mãe!

Foi um fiasco. Eu chorava e ria porque não queria preocupá-las, mas sabia que precisava rir porque aquela cena era no mínimo tragicômica. Mas o sentimento era tão profundo, tão avassalador, que só o que consegui fazer foi tentar disfarçar a sensação de ter sido tragada para dentro do livro.

Tá. Deixa eu explicar. “O Coração de Corali” fala de uma menina que um dia descobre que tem um grande buraco em seu coração e que por mais que todos tentassem preenchê-lo, ela nunca deixava de sentir aquele buraco. Até que um dia ela descobre que a tia sentia o mesmo que ela. Que as duas sofriam da mesma coisa. E então a tia passa a ensinar Corali a preencher esse buraco.

Como explicar para as meninas que depois de trinta e tantos anos de vida, alguém finalmente tinha conseguido traduzir o que eu sentia num simples livro de poucas páginas e ilustrações?

Essa história ficou marcada em mim por muitos anos.

Qual não foi a minha surpresa quando dia desses entro na Livraria da Travessa aqui de Niterói e me deparo com um outro livro (infanto-juvenil) com uma menininha na capa com um enorme buraco no meio, escrito VAZIO.

Não, aquela menina não era a Corali. Era a Julia. Uma outra história de uma outra menina que também tinha descoberto um enorme buraco dentro dela, mas com uma enorme diferença. Depois de tentar colocar mil coisas lá dentro, lutar para tentar tapar o buraco, ela simplesmente entrou naquilo que não conseguia preencher. Nem compreender.

Ok. Imaginem a cena. Eu estava sozinha na livraria e de novo senti a garganta apertar. Pensei: “Pronto. Vou ter um treco aqui e agora.” Mas me controlei. Peguei o livro, sentei numa poltroninha e entrei lá dentro da história. Da história e dentro do buraco da menina Julia. E foi incrível.

A grande diferença dos dois livros, é que em “Corali” eu tomei consciência do buraco. Mas no “Vazio”, eu estava aprendendo a curar o buraco. Na história ela toma coragem de entrar nessa dimensão sombria dentro dela e descobre que lá dentro, havia um universo inteiro de possibilidades. E que a partir dele, um novo mundo podia ser construído. Inclusive novos laços, através dos buracos que os outros também tem.

Sim, eu chorei no meio da Livraria da Travessa. Mas chorei aquele choro bom de cura, de sentido. De repente, naquele momento eu tinha entendido um pouco mais da minha trajetória, da minha alma, dos meus buracos e vazios e tudo aquilo que eu a vida toda, intuitivamente, tinha construído para ser.

Lembrei de ainda ser pequena e perguntar para minha mãe:

– Mãe, que dor é essa que me aperta o peito e eu não consigo explicar?

Ela respondia:

– É a dor do vazio existencial.

Algo ali se concluía. Foi um dos momentos mais bonitos da minha vida.

Agradeço por tudo que vivi até hoje para chegar aonde estou. Agradeço minha trajetória, minhas cicatrizes, agradeço minha amiga Rogéria por me trazer Corali, agradeço Corali por me ajudar a entender uma parte dos meus buracos e finalmente, agradeço Anna Llenas por me trazer Julia e essa possibilidade de perceber o vazio que nos habita com essa linda expansão de consciência.

Linha da Vida

Viver no presente tem sido uma das melhores estratégias de salvação para se viver o momento. Tenho escrito incansavelmente sobre isso. Mas outro dia fiz uma coisa extraordinária que me deu uma sensação de passar a vida a limpo.

Era um dever de casa da terapia, uma coisa simples, mas que acabou se transformando numa catarse para mim, tamanha foi a emoção que a coisa me tomou. Nunca imaginei que uma coisa tão sistemática pudesse me libertar e curar tanto, como da forma que aconteceu.

A tarefa era fazer uma linha da vida. Relembrar um punhado de vivências num papel, onde eu pudesse relembrar alguns trechos que eu considerasse importante da minha história. Mas eu achei que essa linha da vida merecia uma coisa mais teatral, então pendurei um barbante de ponta a ponta na minha sala e sai cortando uns quadradinhos de papel colorido para escrever o que eu lembrasse da minha jornada.

A coisa começou fácil. O primeiro papel é a data e o local do seu nascimento. Mas ao escrever esse primeiro papel, eu entrei como se fosse num túnel do tempo e renasci. Dali em diante, não consegui mais sair do looping de imaginar minha primeira casa, minhas primeiras experiências e tudo aquilo que eu lembrava como minha primeira infância. Me vi sentadinha na beira do rio em Teresópolis observando os girinos, me lembrei da minha paixão pelos vagalumes, meu jeito de estar na natureza como se ela fosse a minha casa. Fui escolhendo as cores do que ia escrever, de acordo com a emoção que aquela memória me trazia. Depois lembrei de uns medos e escrevi com a caneta branca num papel preto, para nunca mais esquecer que aquilo tudo que um dia tinha sido uma ferida profunda, tinha enfim cicatrizado dentro de mim.

Depois veio a adolescência, a lembrança de muitos amores, histórias impagáveis, coisas que estavam guardadas há anos em gavetas esquecidas, mas que eu me orgulhava demais de ter vivido. Perguntei para terapeuta se tinha limite de papeizinhos. Ela disse que não. Que eu registrasse tudo aquilo que achasse importante. Foi demais escrever sobre o primeiro beijo, a primeira transa, a primeira peça de teatro. Sobre os tropeços, as quedas vertiginosas, as tantas voltas que dei por cima. Fui tecendo minha vida naqueles papéis e quanto mais registrava, mais ia me orgulhando de tudo que já tinha passado. O nascimento das meninas, as onze mudanças em sete anos de casada. A perda de pessoas tão queridas. As crises existenciais, as descobertas de como sobreviver tantas vezes numa mesma vida.

Minha linha da vida ficou pronta e parecia uma obra de arte. Uma instalação digna de Bienal. Um varal lotado de cores, de vida, de papéis com buracos, papéis desenhados, papéis rasgados. Uns papéis pareciam tão felizes, outros tão tristes. Uma representação perfeita da própria vida. Sinto que um bocado de coisas sobre minha estrada eu só integrei depois de concluir essa tarefa. Que orgulho que eu fiquei daquela coisinha colorida! Fiquei semanas namorando aquele arco-íris existencial até ter coragem de guardar de novo numa caixa.

Queria muito que todo mundo pudesse ter a oportunidade (e a coragem) de viver isso uma vez que fosse. Uma chance de olhar para a própria vida como se ela fosse uma história de amor e fúria, de luta e glória, como os melhores roteiros dos melhores filmes, ou os livros mais extraordinários que um dia a gente já leu.

Viver no presente é sem dúvida um desafio diário. Mas olhar para o passado com acolhimento e amor e fazer disso poesia, pode ressignificar uma existência. Acreditem em mim.

A estranha consciência da morte

pódeestrela

Eu sempre fui uma pessoa esquisita. Fora dos padrões, fora do lugar. E sempre tive uma sensação muito profunda de inadequação no mundo.

Mas talvez uma das coisas que mais me faça sentir uma marciana nessa vida seja essa minha estranha consciência da morte.

Não tem nada a ver com morbidez. Ou qualquer outra esquizofrenia nefasta. É apenas uma estranha e absoluta certeza da minha finitude.

Não me lembro direito quando foi que essa sensação me arrebatou pela primeira vez.  Eu estava fazendo uma coisa qualquer, num lugar qualquer. E de repente, não mais que de repente, eu me descolei da cena e percebi que tudo aquilo, um dia, chegaria ao fim.

Me senti esvaziada. Olhei ao redor. Olhei pro céu. Respirei fundo. Como era possível um dia deixar de existir? Como era possível um dia ter que deixar isso tudo para trás?

Talvez esse tenha sido um dos momentos mais estranhos e solitários que eu já vivi. E mais significativos também. Como se o meu fim, muito antes de acontecer, me pudesse ter sido soprado no rosto e isso não tivesse vindo como maldição, mas como profunda benção divina. Claro que na hora foi meio assustador. Uma conscientização tão aguda assim da nossa não eternidade não é um troço fácil de viver. Foi quase como um tapa na cara. Um choque de realidade. Ou da não realidade. Sei lá.

Sei que isso voltou a acontecer muitas vezes. Mas depois, com o tempo, eu fui me acostumando àquela coisa que vinha de vez em quando. E quando a coisa vinha, eu acolhia como quem acolhe um filhotinho de qualquer espécie, com muito cuidado, amor e respeito.

Foi então que eu fui estudar espiritismo. Depois comecei a meditar. Comprei o “Livro Tibetano do Viver e do Morrer” (mas nunca li). Depois entrei na terapia. Descobri o xamanismo. Com o tempo, todo o processo foi perdendo peso e ganhando a leveza que precisava ganhar. E no final consegui transmutar a tal sensação de mau agouro numa profunda e abençoada consciência de estar viva.

Não é para todo mundo que eu posso contar essa história. As pessoas tem muita dificuldade de falar sobre a morte. Só o assunto provoca arrepios. E quando eu digo que quero ser cremada? As pessoas me olham com um olho arregalado, me achando uma criatura de outro mundo. “Como é que você pode pensar numa coisa dessas?” Ué gente. Eu acho bonito o ritual de jogar as cinzas de quem morreu num lugar bonito. Nunca vou esquecer o momento que joguei as cinzas da minha avó no Jardim Botânico. Foi uma das coisas mais bonitas que já vivi. Ela amava aquele lugar e pôde voltar para lá de alguma forma. Isso não é bonito? Inteiro? Verdadeiro? Por que a morte tem que ser um assunto tabu sempre? Por que a gente não pode nem falar sobre isso? Será que as pessoas não entendem que a gente está aqui só de passagem? Que somos seres espirituais, passando por uma experiência terrena? Será que as pessoas evitam o assunto porque não falando dele, ele passa a não existir?

Ah sei lá. Esses assuntos que a gente não pode nem tocar me fazem pensar sempre que são os que mais a gente precisava falar.

Talvez o único apertinho no coração que permaneça desse processo é quando a coisa vem e eu estou ao lado das meninas. Aí o meu coração contrai. Deve ser por esse amor desesperado que eu sinto por elas. Ou por essa coisa de ser mãe e achar que os filhos sempre precisarão da gente. Eu não tenho medo de morrer. Talvez tenha medo de sofrer para morrer. Mas da morte, não tenho medo nenhum. Muito pelo contrário. Imagino que voltar para as estrelas será um grande alívio no final das contas. Claro que viver é uma benção. Mas para mim não é fácil viver. Nunca foi. Nem mesmo quando eu era uma menina-fada e achava que a vida era um sonho.

Mas quando olho nos olhos dessas filhas que me escolheram para vir para cá, fica difícil de me imaginar fora daqui. Difícil me imaginar separada de corpo delas. Porque a separação só vai ser de corpo né. De energia – espiritualmente – eu nunca vou me separar delas. Um amor como o nosso, nem a morte pode romper.

Sim. Um dia eu vou morrer. E se Deus quiser, vou virar pó de estrela. Rezo muito para que quando eu já esteja nesse estado cintilante, Deus também possa me soprar no rosto, um estranho instante de consciência, só que ao invés da morte, seja da vida. E que esse sopro, me traga o hálito da Clara e da Catarina. Só para me dizer, que no final das contas, não importa em que dimensão a gente está. O que importa é o que a gente é. E acredita, esteja vivo ou não.

Velha Alma

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Por onde andas minha velha alma?

Escondida entre folhas em branco?

Espremida entre as horas perdidas desses dias vazios?

Por onde andas minha velha amiga?

Por que andas tão calada, tão ausente, tão desaparecida?

Amanheceres e anoiteceres têm passado e eu não tenho conseguido encontrar-te…

Nem no raio de sol que chega, nem no raio de sol que parte.

Por onde andas minha alma querida?

Andas esquecida de quem somos? Do que precisamos? Do que acordamos quando ainda sonhávamos juntas?

Tenho sentido tanto a tua falta em meus dias, em minhas noites.

Minhas madrugadas não fazem sentido sem tua presença.

Sem ti tenho andado esvaziada, exaurida, ressecada.

Não consigo escrever, não consigo sentir, não consigo viver.

Por onde andas minha alma velha?

Estás escondida? Ressentida? Adoecida?

Do que temes?

Tens preguiça? Estás perdida?

Andei buscando-te entre gavetas, recortes, figuras, livros velhos de poesia.

Em silêncios, lágrimas bobas, memórias esquecidas.

Nos abraços profundos, nas taças de vinho tinto, nas chamas das velas coloridas.

Mas não consigo encontrar-te em parte alguma.

Por onde andas minha alma ferida?

Diga-me: o que preciso fazer para que voltes a cantar em meu peito?

Para que me devolvas a esperança, o frescor dos dias, a alegria?

 

Venha, velha alma.

Venha de volta para mim.

Ajuda-me a nutrir tudo aquilo que somos nós.

Ajuda-me a ver de novo, a entender de novo, a sentir de novo.

Ajuda-me a escrever.

Ajuda-me a suportar.

Ajuda-me a crescer.

Traz-me de volta desse deserto que é viver sem você.