Eu preciso ir além

estrada

Outro dia eu tava lavando louça quando uma frase invadiu minha cabeça:

Eu preciso ir além.

A frase entrou e foi direto para um lugar bem fundo de mim e encontrou lá dentro um eco profundo de aflição e verdade.

Eu preciso ir além.

Além da montanha, além da mesmice dos dias, além do que se vê apenas com os olhos.

Foi bem forte.

Eu sei que a vida habita no simples do dia-a-dia. E que depende de cada um de nós resignificar esse cotidiano.

Mas eu senti que essa invasão de pensamento tinha um porquê.

Como um chamado de uma alma ansiosa que precisa muito ser ouvida.

Um dia eu realmente vou precisar ir além.

Além do que eu planejei, além do que eu sonhei, além do que eu sequer imaginei.

E vou precisar arranjar tempo para ampliar meus horizontes. Ampliar minha consciência. Ter tempo para ler um livro inteiro. Ter tempo para digerir tudo que apreendo do mundo. Ter tempo para criar tudo aquilo que me transborda. Ter tempo para fazer arte. Escrever meus textos. Tempo para meditar, tempo para nadar sem tempo. Tempo para ser. Simplesmente ter tempo para ser.

Um dia eu vou conseguir ir além.

E vou conseguir me desprender um pouco das tarefas mundanas e me dedicar somente às realizações divinas. Aquelas que a gente sente que nasceu para fazer. Para tentar transformar o olhar. Para tentar transformar as pessoas. Para quem sabe, tentar transformar o mundo.

Um dia esse dia há de chegar.

E aí sim eu vou me acalmar. E me sentir realizada. E vou sentir que a vida finalmente fez sentido. E que o mundo pela primeira vez não pareceu tão surreal.

Um dia esse dia há de chegar.

Ou porque consegui um esquema mágico de não ter tantas demandas que me afoguem no dia-a-dia.

Ou porque envelheci e tive a chance de me aposentar.

Ou simplesmente porque desencarnei.

Não importa.

O que importa, é que um dia eu realmente vou precisar ir além.

Além do que eu planejei, além do que eu sonhei, além do que eu sequer um dia eu imaginei.

 

Fragilidade Urbana

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Uma vez a cada quinze dias preciso sair do Condado onde vivo para atravessar a cidade, o mar e outro tanto da cidade vizinha, para chegar à Tijuca, onde fica minha terapia. Confesso que me sinto uma hobbit corajosa quando saio em busca dessa aventura. A Tijuca parece um lugar completamente diferente de onde vivo, moro e trabalho em Pendotiba. Mas a trajetória até lá é que me impressiona, porque de alguma forma me mostra – como um raio X – o tamanho da minha fragilidade urbana.

A cidade grande me espanta. Todas as vezes que salto da barca e dou de cara com a Praça XV, fico chocada. São milhares e milhares de pessoas apressadíssimas, correndo, atrasadas, ocupadas, falando no celular, falando sozinhas. Elas não enxergam as outras pessoas, não parecem estar presentes no momento presente nem tampouco presentes no espaço onde estão. Elas correm aflitas para o futuro próximo de seus empregos, seus escritórios e seus compromissos. Há uma pressa opressora no ar. E o cenário não ajuda em nada. As ruas estão sempre imundas e em obras. Camelôs gritam para vender suas mercadorias. Cachorros latem para conseguir sua comida. Executivos correm atrás do sucesso. Funcionários correm atrás de bater seu ponto. E os mendigos… bem, os mendigos não correm para lugar nenhum. Eles não existem para a essa cidade. Não fazem parte do cartão postal.

Eu olho ao redor e me sinto totalmente fora do contexto. Uma peça com defeito que não se encaixa no quebra-cabeça. Um peixe fora d’água. O Neo de Matrix quando descobre que a Matrix é uma Matrix.

Não sei se sou eu que tenho essa extra sensibilidade irritante ou se é mesmo a rua que tem cheiros demais, buracos demais, barulhos demais. É uma poluição sonora, visual. Um excesso de energias diversas, contraditórias e desequilibradas. São pombos, pedras, placas, avisos luminosos, cartazes, jornaleiros, árvores secas e abandonadas, pessoas nas ruas dormindo abandonadas, bueiros, buracos, cuspes, pingos de ar condicionados, cocô de cachorro, cocô de gente, pichações, lixo… meu Deus… a quantidade de lixo que tem pelas ruas é uma coisa muito surreal. Um caos absoluto. Eu olho para esse mundo e não consigo acreditar que as pessoas não se afetem com tudo isso. Será que elas se acostumaram com a coisa ou nunca chegaram a perceber o cenário de ficção científica que estão inseridas?

São raros os momentos que eu consigo respirar nesse mundo. Raros, mas existem. E quando acontecem, são como tomar um fôlego, depois de muito, muito tempo sem respirar. Uma alegria instantânea. Uma brisa no rosto. Um carinhozinho na alma. Acontecem quando encontro um artista de rua – como aquele moço com vilolino que vi ontem em frente ao Paço Imperial. Gente! Que momento sublime foi aquele. Eu fiquei parada diante dele, derretendo por dentro de emoção. E ele tocou aquela melodia triste e me olhou nos olhos e durante alguns segundos eu não me senti mais sozinha. Foi incrível. Assim como quando dou a sorte de cruzar o olhar com um senhor de terno e gravata, cheiroso e arrumado e ele me cumprimenta com um sorriso e um sonoro “bom dia, senhorita”. Ou quando percebo uma florzinha nascendo solitária no meio da rua, no meio do cimento, no meio do caos cinzento. Esses momentos, são momentos importantíssimos para mim. Porque entendo que de alguma forma, há dentro de todos nós, desertos e oásis. E só depende de nós qual cenário valorizar. Se o cenário da luz ou o cenário da sombra. Só depende de nós.

Mãezinha

varal

Um texto de Clara Meira

“É um dia ordinário, comum. Mais precisamente uma segunda. Minha mãe está cansada. É um dia relativamente quente. Me pego a observar esse ser que me segurou durante nove meses dentro de si. Está sentada sobre o nosso sofá cinza com um olhar mais perdido do que bote no mar. Me pergunto o que pensa aquela cabecinha mirabolante. Ela se levanta pois sabe que precisa cumprir suas tarefas diárias (as quais ela mesmo se impõe). Anda com passos leves e ligeiros até chegar à maquina de lavar onde tira as roupas lavadas de dentro. As traz para o sala junto do varal. Vai pendurando com muita leveza. Dá uma parada para desfrutar do cheirinho de roupa lavada que ela tanto ama. Ela sorri e junto dela eu sorrio discretamente para baixo. Ela está linda. Usa uma blusa rosa, um short preto e um coque mal feito. Respira profundamente de cansada. Mas parece tão feliz, tão serena. Me percebe sorrindo e conversamos um pouco. Acaba de estender a roupa e senta comigo, acompanhada de uma maçã descascada (a qual eu tento pegar uma fazendo-a gargalhar). Tão plena. Rimos no nosso gato Zeca dormindo engraçado. Essa é a mulher que cuida de duas filhas, dois gatos, uma casa e um relacionamento. Esta é a mulher que carregou duas crianças em seu ventre. Que passou dezoito horas em trabalho de parto para ter minha irmã. Que tenta nos manter distantes dos desastres do mundo, que lida com todos os problemas de uma forma adulta. E que mesmo assim nos ama, nos cuida, com cada célula de seu corpo. Então eu simplesmente digo: – como te amo.”

 

 

A Esquizofrenia da Ausência

Escultura de Camille Claudel

Escultura de Camille Claudel

Camille Claudel e eu temos algo muito profundo em comum: há sempre algo de ausente que nos atormenta.

Ela foi uma escultora francesa genial, que enlouqueceu de amor e morreu bem velhinha num hospício depois de longos trinta anos de abandono.

Eu sou uma professora de teatro, escritora, brasileira, mãe de duas filhas que mora num condado distante em Niterói.

Nossas realidades jamais poderiam ser comparadas. Mas ainda sim, eu sinto que há entre nós algo muito profundo que nos une: a esquizofrenia da ausência.

Muitas neuroses explicam a identidade e a vida de pessoas que habitam esse mundo. Essa neurose que eu denominei de “esquizofrenia da ausência” nada mais é do que uma insatisfação crônica do que se vive no presente. Confesso que me sinto envergonhada por compartilhar isso. Justo eu, a fervorosa defensora da filosofia transformadora do “poder do agora”. Sim. Não há nada mais libertador do que compreender que é no presente que a vida está. Que não há nada no passado que possa ser transformado e que o futuro é uma ilusão que nem aconteceu ainda. Sim. Mesmo sabendo de tudo isso racionalmente, eu ainda sofro da esquizofrenia da ausência e eu vou explicar por que.

Eu desejei desesperadamente entrar de férias. No fim do ano passado estava exaurida, exausta, entupida. E ficava, lá nos últimos instantes dos dias letivos, delirando, sonhando, planejando as férias que iam me salvar daquela sensação de sufocamento.

Ok.

Minhas férias estão chegando ao fim. Mas há semanas eu estou desesperadamente desejando a volta às aulas. Exaurida, exausta, entupida. Com a mesma sensação de sufocamento, só que por outros motivos.

É.

É preciso coragem para se confessar uma coisa dessas. Mas é a mais pura verdade. E o pior, é uma insatisfação que parece estar sempre à espreita na minha vida tentando se manifestar.

No verão, me queixo do calor. Esbravejo, suo como uma condenada e fico o tempo todo desejando o inverno. No inverno, fico cansada do frio, morro de saudade da praia e fico o tempo todo desejando o verão.

No fim do ano cortei meus cabelos curtos porque estava saturada da minha juba de leão. Agora de cabelos curtos, estou saturada da cor dos meus cabelos.

Quando viajo por exemplo. Passo meses planejando a viagem, curtindo tudo que quero fazer, os lugares que quero conhecer. Mas depois de um tempo viajando, já estou morrendo de saudade da minha casa, da minha cama e do meu feijão.

É uma eterna sensação de esvaziamento. Uma melancolia de uma incompletude que eu não consigo explicar.

E não é só isso, sabe? Eu queria me livrar desse sentimento doído que eu sinto todas as vezes que vejo uma foto da Grécia. Ou uma foto de Bora Bora. Fica lá uma impressão esquisita que eu nunca vou conseguir realizar todas as coisas que eu sonho nessa vida. E o pior, vem uma nostalgia no coração de todas as coisas que eu nunca vivi. Como é que pode?

Estranho né.

De vez em quando eu penso no que terá passado na cabeça de Camille Claudel naqueles trinta anos que ela passou no hospício. Pobre criatura.

Graças a Deus faço terapia e acho que vou conseguir me livrar do pinel nessa vida. Mas mesmo assim, mesmo no caminho do autoconhecimento, mesmo escrevendo para me salvar, mesmo sabendo da força que existe no poder do agora, mesmo sabendo que agradecer é o melhor caminho para compreender a verdadeira abundância, mesmo sabendo disso tudo… lá… bem no fundo do meu peito, ainda há sempre algo de ausente que me atormenta.

Talvez isso tenha um nome: humanidade.

 

 

Os sons da alma

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De todas as memórias afetivas que eu guardo no meu coração, talvez uma das mais preciosas e celestiais seja a lembrança do apito do trem que passava nas madrugadas em Joinville.

(clique aqui para ouvir o que eu ouvia)

Todas as noites, ele passava a mesma hora, no mesmo silêncio da cidade adormecida. E eu esperava por ele. Não sei porquê. Mas algo em mim fazia sentido quando aquele trem passava. Eu morava num bairro distante, numa parte da cidade que estava no extremo oposto à estação que o trem passava. Mas mesmo assim eu conseguia ouvi-lo com uma impressionante nitidez. Todas as noites. Eu repetia a mesma cena. Saia da cama em silêncio e ia até a varanda, de camisola, esperar por ele. Perdi a conta de quantas estrelas contei e quantos desejos desejei em estrelas cadentes ao esperar por aquele trem.

A vida é estranha e maravilhosa. E nela habitam tantos sentimentos, tantas experiências e tantas impressões que às vezes, fica difícil de explicar. Deve ser por isso que inventaram a poesia. Para explicar as coisas inexplicáveis. E deve ser por isso que eu vejo poesia em tudo. Porque há coisas demais no mundo que são indescritíveis e inenarráveis.

Sim. Eu vejo poesia em quase tudo. Mas nem sempre ela se traduz em palavra. A poesia as vezes pode ser simplesmente um estado de ser. Uma forma de ver. Eu via tanta poesia naquele apito de trem. Porque via pessoas partindo. Pessoas chegando. Via um imenso fantasma de ferro atravessando o mundo como quem busca o próprio destino. Havia algo mágico naquele som. E eu não precisava explicar. Só precisava me permitir sentir o que sentia.

Nunca mais esqueci aquela experiência.

Eu tenho uma coisa com o som das coisas. Eu fico mexida quando um sino toca. Quando ouço uma onda se quebrar na beira da praia. Quando o vento chia forte, ou quando o próprio vento faz barulhinho nas folhas das árvores. Eu fico mexida com ouço trovoada, daquelas fortes que dão medo. E desmaio de amor com o som da chuva. Me emocionam os barulhos na natureza. Todos eles. Tipo sapo coaxando. Grilo grilando. Galo cocorocando. Mas também gosto do som de gente. Gente assoviando. Gente cantarolando. Gente gargalhando.

Se eu pudesse juntar minhas memórias afetivas num só lugar, eu gostaria que fosse numa trilha sonora, onde tudo aquilo que ouvi e senti do mundo pudesse se condensar num única música. Uma canção que me fizesse lembrar as melhores e mais profundas experiências que eu pude viver. Só com os sons da minha alma. Para ouvir nas estrelas o dia em que eu não estivesse mais aqui.

Que lindo seria.

 

 

A Jornada do Herói

Menina e o barco

Arte de Beatriz CarbonMade

Não.

Eu não concluí a Jornada do Herói.

Não voltei do processo mais forte.

Não entendi tudo que pretendia entender.

Não passei pelas etapas que um herói deve passar.

Não iluminei todas as sombras que desejei iluminar.

Não cheguei nem perto de desatar os nós que precisava tanto desatar.

A vida geralmente não é aquilo que a gente planeja. A vida é o que precisa ser. Ou aquilo que a gente suporta viver.

Mas de todas as experiências que passei nesses poucos dias, naquela linda casa cravada no coração da montanha, talvez uma das mais significativas tenha sido justamente respeitar os limites da minha dor e ter voltado à civilização antes que minha alma se despedaçasse. É preciso muita coragem para se olhar do avesso. Mas com o tempo aprendi que nem todas as experiências precisam ser vividas com dor. Porque eu também aprendi que o amor cura feridas. Que acolher os meus sentimentos, por mais contraditórios que sejam, também cura as minhas feridas. E que ser verdadeira comigo mesma, sempre, também vai curar as minhas feridas.

Estou há alguns dias recolhida no meu ninho e esse tempo foi extraordinário para me fazer entender o quão heroína eu fui, em todo o processo, desde o início até o fim. Heroína por ter tido coragem de ir, heroína por ter tido coragem de partir. Heroína por assumir que minha jornada era mais curta do que a dos outros heróis. Heroína por ter passado aquelas noites em claro chorando dores tão antigas. Heroína por não ter me envergonhado dessas dores. Heroína por ter pedido ajuda. Heroína por ter aceitado ajuda. E, sobretudo, heroína por não esconder isso de ninguém. Principalmente, de mim mesma.

Herói é aquele que tem coragem de viver, mesmo que por dentro sinta muito medo da vida. É aquele que enfrenta grandes perigos, mas também enfrenta pequenos desafios no dia-a-dia que podem ser perigosamente enlouquecedores. Herói é aquele que caminha com a verdade. É aquele que não desiste. Que insiste. Que permanece vivo. Que se refaz a cada manhã. Que encontra a saída dos labirintos, que se desespera com a fragilidade da vida mas que se supera apesar da efemeridade de sua existência.

Não. Eu não concluí a Jornada do Herói. Mas concluo minha vida todos os dias, a cada noite que anoitece e eu não desisto de viver.

Eu agradeço a todos que de alguma forma, me proporcionaram essa curta e intensa história de cura. De camada em camada, vou seguindo pela vida, resgatando cada pedacinho da minha alma que foi perdida.

Eu agradeço. Eu agradeço. Eu agradeço. Eu agradeço.

A Coragem do Herói

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A vida tem seus mistérios.

E quando a gente menos espera, recebe um chamado da alma para transformar todas as coisas que pareciam sólidas e imutáveis como uma grande rocha.

Depois de muito relutar, hoje parto para uma grande aventura. Um profundo encontro comigo mesma. Passarei oito dias imersa num retiro espiritual chamado “A Jornada do Herói”. Longe de todas as tecnologias, mergulhada na natureza, longe de tudo aquilo que estou acostumada, mergulhada dentro de mim mesma. As malas estão prontas.

O convite surgiu no ano passado. De uma amiga muito querida, num almoço despretensioso de domingo. Na primeira vez que ouvi falar do curso, meus olhos brilharam como se fosse uma coisa impossível de vivenciar. Milhões de obstáculos pareciam se transpor àquele sonho de estar imersa em mim mesma. Mas a vida é mágica. E quando o chamado da alma é verdadeiro, ela dá um jeito de desatar todos os nós.

Eu sei que a coisa não vai ser fácil. Que todo mundo que já passou pelo processo diz que a coisa não é simples. Que o encontro com a nossa sombra às vezes pode ser assustador. Que o processo de sair da zona de conforto é desesperador para o ego. Mas eu me sinto pronta para partir. Pronta para enfrentar os meus demônios, sejam eles quais forem.

Na verdade o que sinto aqui no fundo do meu coração é uma profunda saudade de mim. De uma Tatiana que eu não encontro há muito tempo. Seja onde for que eu vá encontrá-la, eu tenho certeza que o encontro será de amor. E paz. E renascimento.

Até a volta, queridos leitores.

Pouca gente sabe

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Pouca gente sabe de coisas que só a gente sabe. Não é questão de segredo. É questão de intimidade.

Pouca gente sabe,
que eu perdi um neném entre a Clara e a Catarina e que de vez em quando eu sonho com ele.

Que eu encontro uma paz profunda e silenciosa no fundo da piscina.

Que os meus sonhos são como filme e eles estão todos registrados num caderno de sonhos que eu tenho desde os quinze anos.

E que eu acordo de hora em hora durante a noite, todas as noites da minha vida.

Pouca gente sabe,
que eu tenho uma paixão inexplicável por trens e trilhos enferrujados de trem.

Que eu já quase morri afogada em Ipanema e quase morri engasgada com uma azeitona.

Que eu sinto um prazer estranhíssimo espremendo cravo.

Que eu sou a louca por bolinhas e que se pudesse só me vestia delas.

E que eu tenho mania de falar comigo mesma em inglês.

Pouca gente sabe,
que um dos maiores sonhos da minha vida é voar de balão.

Que eu tenho medo do escuro porque no escuro que eu vejo muitas coisas.

Que eu como tomate todos os dias porque eu sou louca por tomate.

E que geralmente eu converso com as comidas que preparo.

Pouca gente sabe,
que eu tenho um olfato tão apurado que sinto a chuva chegar muitos antes dela pingar.

Que eu penso na morte todos os dias e isso me faz sentir muito viva.

Que eu assistiria dois filmes por dia se pudesse.

Que eu viajaria pelo mundo inteiro se pudesse.

É.

Pouca gente sabe que quase sempre eu me pego pensando em como pouca gente sabe das coisas estranhas que a gente faz.

Uma carta quântica

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Na dimensão quântica do meu ser, essa noite, eu recebi uma carta. Uma carta, escrita por mim mesma, com a incrível data de 27 de abril de 2063. O dia em que eu supostamente estaria fazendo noventa anos de idade. Eu reconheci minha letra. A caligrafia, apesar de trêmula, era minha. O meu jeito de fazer o “M”. O meu jeito de falar. O meu jeito de escrever.

Talvez eu não consiga descrever aqui a emoção que senti na hora. Passei algumas horas caminhando em silêncio depois de recebê-la. E agora, só o que desejo é compartilhá-la com vocês, no desejo profundo de eternizar esse momento:

“Tati, minha querida e adorável Tati

Hoje é o dia do nosso aniversário de 90 anos. A casa está cheia e movimentada como a gente gosta. Há flores para todos os lados. Música, incensos, velas perfumadas. Clara e Catarina estão aqui com os nossos maravilhosos genros e netos. Você não imagina que mulheres incríveis que elas se tornaram. E os nossos netos! Tenho tanto orgulho do que fazem pelo mundo. Na verdade, estão todos aqui minha querida. Nossos sobrinhos amados, Joaquim e Victor. Nossa irmã Nenela, nosso irmão Gabriel. Toda a nossa imensa e maravilhosa família. Nossos amigos que permaneceram ao nosso lado, a vida toda. Sinto falta da mamãe e do papai. Sinto falta de todos aqueles que já partiram, mas sei que em breve eu poderei estar junto a todos aqueles que já atravessaram o rio. Sinto que a minha passagem se aproxima e me sinto tão feliz por isso.

Vivemos tão intensamente todos esses anos. Amamos tanto e com tanta força, fizemos tantos amigos. Realizamos o sonho de conhecer o mundo através dos nossos livros. Sabe quantos títulos temos publicado pelo mundo? Mais de cem, minha querida. Por isso te digo, não há o que temer. Você precisa continuar confiando no que é em essência e naquilo que pode dizer ao mundo através do filtro do seu coração.

Daqui desta minha dimensão, de vez em quando, eu posso te observar sabia? Na verdade faço isso desde que Clara nasceu. Ela veio ao mundo e de alguma forma abriu – com sua enorme capacidade espiritual – a janela que nos separava entre as muitas camadas energéticas que existem entre nós. É difícil te explicar como. Mas você vai ver que daqui a alguns anos a humanidade vai compreender as fendas no tempo e as infinitas possibilidades que temos de viajar entre as dimensões.

Muita coisa ainda acontecerá ao nosso planeta. Você ainda vai testemunhar algumas guerras e ver surgir uma nova Era para o que chamamos de Novo Mundo. Muitas coisas mudarão. Mas a sua capacidade de amar e olhar o mundo com esperança permanecerá. E é isso que nos salvará no futuro. Sua imensa e infinita capacidade de amar.

O que quero que saiba, é que todo o esforço que fez para ser o que sou hoje, valeu a pena. Sei o quanto a vida é difícil e estranha para você. Sei o quanto se esforça para estar nesse mundo, sei o quanto sofre para se adaptar a esta encarnação, mas acredite. Tudo terá valido a pena. Até mesmo o sofrimento que passará algumas vezes. Até ele terá sido importante para a nossa história.

Então, aqui eu me despeço. Preciso descer. Estão todos a minha espera lá embaixo para cantarmos parabéns. Que os anjos possam fazer essa carta chegar até você e que ela possa te encher o coração de força.

Orgulhe-se minha querida. Sua vida será repleta de sentido e propósito. Por isso, continue a escrever. Sua escrita mudará a vida de muitas pessoas.

E obrigada por me deixar existir. Cuide-se bem. Coma menos carne, medite mais e durma pelo menos oito horas por dia. Pare de se preocupar com sua saúde e insista nas aulas de dança de salão que quer tanto fazer.

Eu te amo.

Beijos com todo o amor e verdade,

Tatiana”

O Looping da Ladainha

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Esse ano o Natal aqui em casa foi diferente.

Tivemos a tradicional troca de presentes – aquele momento mágico da noite que todo mundo volta a ser criança – mas junto dela eu tive a ideia de propor uma novidade para galera, dando uma sacolinha a mais de presente para cada um.

Na verdade, dentro da sacolinha misteriosa, tinham dois presentes. Duas propostas de prática espiritual para o ano novo: o Potinho da Gratidão e a pulseirinha mágica das reclamações.

A primeira é fácil e bonita de fazer. Junto de um potinho com tampa, vinha um bloquinho colorido e uma caneta para todo mundo escrever e colecionar os melhores momentos vividos em 2016. Foi uma ideia copiada do Facebook, mas achei tão simples e tão carregado de poesia que resolvi fazer um potinho para cada um da família. O pessoal adorou. Já a segunda proposta… Uau.

A tal da “pulseirinha mágica” foi um rebuliço. Há meses atrás eu já tinha recebido o desafio da minha amiga de Joinville, aquela que eu amo e é a minha dentista preferida – mas tinha desistido nos primeiros dias depois de surtar por descobrir minha total incompetência de realizar a tal tarefa.

Mas com a chegada do fim do ano – e a percepção de todos os erros que eu tinha cometido nesse mesmo ano – achei que era uma boa hora de tentar de novo o desafio e carregar todo mundo que eu amo pro mesmo barco que eu, onde as grandes oportunidades de crescimento estão escondidas atrás das grandes superações.

Bom, a prática da pulseirinha em si é muito fácil de fazer. Você coloca a pulseira num braço. E todas as vezes que reclamar, muda a pulseirinha de braço. Para minha família, eu distribui um monte de elásticos coloridos, porque são fáceis de tirar e porque eu já sabia de antemão que isso ia acontecer muito mais vezes do que eles podiam imaginar. Na verdade, o tipo de pulseirinha que você vai escolher não importa – cada um vai poder usar o modelo que quiser. O que acontece é que a tal pulseira vai se transformar num retrato de quem você é. E é aí que mora o perigo. Porque parece uma coisa fácil né. Mas não é. Se a gente for honesto com o processo, vai ficar chocado com a quantidade de vezes que reclama de tudo, o tempo todo.

Mas por que eu inventei de fazer isso com a minha pobre família? Porque eu acredito profundamente no poder que está por trás das nossas sombras. No que pode acontecer de mágico quando a gente muda o jeito de ver as coisas. E a gente só muda o jeito de ver as coisas, quando tem coragem de colocar uma lupa nas coisas que esconde.

A gente está habituado a reclamar. Habituado a ser chato.  Habituado a nunca estar satisfeito com nada. Habituado a olhar as coisas de um jeito negativo. Habituado a julgar a tudo e a todos. E cara, isso é uma energia péssima e totalmente voltada para o lado negro da Força. Na reclamação a vida não flui, não tem espaço, não tem luz, não tem para onde se expandir. Porque a reclamação é uma energia estagnada, repetitiva e muito, muito ingrata.

Na noite de Natal, na hora que a proposta foi apresentada, todo mundo achou muito engraçado. Divertido. Depois de uma hora, todo mundo já tinha trocado a pulseirinha de braço umas dez vezes cada um. E olha que a gente estava numa noite de festa, tranquila e alegre. Imagina numa segunda-feira de manhã, nesse calor que tem feito, no trânsito, indo para o trabalho? Todo mundo saiu da minha casa meio bolado. E eu fiquei feliz por isso.

Talvez a maior sacação dessa prática espiritual não seja a intenção de cura do vício de reclamar, mas nos fazer perceber o quão repetitivos e dramáticos podemos ser na vida. Claro que muitas vezes fazemos a coisa de uma forma inconsciente. Pelo hábito da coisa. Por ignorar a potência negativa da coisa. E por isso mesmo, devemos nos perdoar. E rir desse nosso jeito pentelho de ser. Porque só o humor vai poder nos salvar da raiva que sentiremos de nós mesmos. Foi assim comigo na primeira vez. Eu senti tanta raiva e vergonha de mim mesma que desisti de tentar não reclamar.

Mas dessa vez, eu encontrei uma outra forma de ver a coisa.  Porque passei a me observar de longe. E entender que para sair do looping da ladainha é preciso, antes de mais nada, ter muita paciência com a gente mesmo. Se a intenção é mudar a forma de ver, é preciso antes mudar a forma de ser. E essa mudança é possível. Com a pulseirinha no braço, o mecanismo de conscientização vai evoluindo aos poucos. Depois de passar algumas horas sem mudar a pulseira de lado, seu sistema de reclamação começa a ficar em alerta. E antes mesmo de abrir a boca para reclamar de algo, a consciência pára e se pergunta: será mesmo que eu preciso reclamar disso agora? Será que não dá para respirar fundo e tentar transformar o que está me incomodando sem colocar a boca no trombone?

Gandhi costumava dizer que “não existe um caminho para a paz, porque a paz é o caminho”. Eu não quero mais me preocupar com o resultado do processo. E sim, como vou viver o processo. Não importa quantas horas eu vou conseguir ficar sem reclamar. O que eu quero é sentir o sabor dessa alegria de estar ao menos tentando ser uma pessoa melhor. E curtir essa felicidade que é tomar posse de algo tão simples e tão poderoso.

Desejo para o próximo ano que outras pessoas possam aceitar esse desafio e que elas possam afinar seu próprio jeito de olhar para a vida. E perceber o tamanho de espaço que se estabelece para outras coisas incríveis acontecerem, quando paramos de reclamar da vida e simplesmente agradecemos as enormes e incomensuráveis bênçãos que recebemos todos os dias.

Que o Potinho da Gratidão possa contabilizá-las e que o ano de 2016 seja um ano de novos e transformadores padrões de comportamento.

Nossas almas agradecem. E os nossos amigos também!

Feliz ano novo, pessoal!

P.S. Mickaela Lindermann, minha irmã, obrigada mais uma vez por me ajudar a ser uma pessoa melhor. Eu te amo!