A trilha sonora da alma

O que é que acontece quando a gente no meio do dia, no meio de um dia comum, encontra uma coisa sem querer que fala de um lugar muito, muito profundo da sua alma?

Fica em choque.

Foi isso que aconteceu comigo na semana passada, quando buscando uma música no Youtube, eu me deparei com um disco de um pianista italiano chamado Ludovico Einaudi.

Eu estava me preparando para escrever.

Quando “Seven Days Walking” apareceu como sugestão, eu reconheci o nome dele, de um presente que tinha ganhado há muito tempo do meu amigo querido – Jo, que só me dá presentes extraordinários. Presentes para alma. E eu já tinha amado o piano lindo que ele tocava. Mas naquele dia, quando eu dei play na primeira música do disco, o tempo parou.

Eu não sei se todo mundo sente assim, mas eu sinto que cada alma tem uma trilha sonora. Uma música que representa o que a gente é, no mais íntimo do nosso ser. Uma música que toca e fala por você. Por seus sentimentos, por seus silêncios, por sua voz que nem sempre tem palavra para descrever o que passa a sua existência. Uma música que te representa no universo. Aquela que pode ser tocada quando você desencarnar e finalmente encontra o Criador.

Eu cliquei na música “Low Mist Var.1 (Day 1)” eu parei de respirar. 

Fechei os olhos e senti uma emoção vindo de lá do centro do meu ser. Não sei dizer se a coisa vinha do peito, do coração, do imaginário que é imaginar a vastidão do que eu sou por dentro. Sei que ela vinha de um lugar muito fundo, muito íntimo. E conforme a música foi tocando, meus olhos foram transbordando a emoção de me reconhecer em algo que estava do lado de fora. Como se uma sinapse tivesse sido feita. Igual aquele rabinho mágico cheio de fiozinhos que as criaturas azuis de “Avatar” conectavam com a Árvore da Vida.

Olha, é muito difícil descrever o que senti naquele dia. Só sei que fui tomada por algo tão forte que chorei por algum tempo agradecendo para alguém ou alguma coisa que eu nem sabia quem era.

Experiências sensoriais assim, são para mim, a confirmação do divino em nós.

Algo que vivemos e ninguém mais pode mensurar a magnitude da vivência, a não ser você mesmo.

Fui pesquisar, claro, sobre essa obra de Einaudi e qual não foi a minha emoção quando descobri que em janeiro de 2018 ele estava recolhido nos Alpes (olha isso) e quase todos os dias ia caminhar, sempre seguindo mais ou menos a mesma trilha. Num dia, em meio a uma forte nevasca, “seus pensamentos foram vagando livres tempestade adentro, onde todas as formas, despidas pelo frio, perdiam seus contornos e cores”, e isso permitiu que ele construísse um “labirinto musical” presente nas músicas.

Uau…

“Seven Days Walking” é um conjunto de sete álbuns que foram lançados num intervalo de sete meses a começar pelo primeiro volume, “Day One”. Em toda a obra, Ludovico Einaudi está ao piano, Frederico Mecozzi no violino e viola e Redi Hasa no violoncelo.  

Se alguém desejar passar por essa experiência sensorial extraordinária, é só entrar nesse link:

Para fechar esse texto só queria dizer que o mar, as ondas que quebram na areia, o vento, as folhas que dançam com o vento e tudo que habita a natureza também fazem parte da trilha sonora da minha alma. E que um dia, eu hei de encontrar uma forma de caminhar pelos labirintos da minha mente e escrever o livro que minha alma tanto anseia.

Quem sabe uns dias recolhida nos Alpes pode ajudar. Não custa sonhar. : )

Aqui mais um link para o trailer que explica um pouco mais sobre o projeto “Seven Days Walking” e seu processo criativo. Emocionante e belíssimo. Aproveitem!

Para onde eu quero ir

Ah… falar sobre onde eu ainda quero ir nessa vida é fácil.

É quase como fechar os olhos e fazer planos com o prêmio de uma loteria. Vivo fazendo isso, mesmo sem nunca jogar.

Numa das cenas que eu mais amo de “Comer, Rezar e Amar”, a personagem do filme conta a história de um homem que vivia na igreja pedindo ao santo para ganhar na loteria. Todos os dias ele fazia o mesmo pedido pro santo: “me ajuda a ganhar na loteria, me ajuda a ganhar na loteria”. Um dia o santo se irritou, abriu os olhos e disse para ele: “te ajudo, mas compra um bilhete, compra um bilhete.”

Essa história me toca muito porque não adianta você sonhar desesperadamente com alguma coisa se não faz por onde essa coisa chegar até você.

Passei boa parte da minha vida vivendo no modo pipa.

Modo pipa é aquela pessoa que vive voando, dispersa e solta como uma pipa, com os pensamentos lá longe. Sonha com a vida, tem um milhão de ideias e projetos e não realiza nenhum porquê não tem nada de concreto que a faça realizar nenhuma das coisas que vive sonhando. É alguém que não tem pé no chão, nem raiz que nutra seus sonhos.

Foi preciso muito tempo de terapia para eu conseguir enxergar que esse modo de ser, apesar de romântico e poético, não me servia para nada no mundo real. Claro que também tinha a questão da minha enorme dificuldade com o mundo real. Até porque realidade, convenhamos, é algo bem subjetivo. Difícil colocar todo mundo numa mesma camada de compreensão do todo, até porque isso envolve infinitas perspectivas. Mas simplificando, a verdade é que eu entendi muito bem entendido que para realizar os sonhos, eu precisava fazer minha parte.

Então hoje, quando eu sonho com todas as coisas que ainda quero fazer, todas elas partem do pressuposto que eu vou ter ralado para caramba para chegar lá. Mas enfim.

Depois do sonho de ser mãe, o maior sonho da minha vida ainda é conhecer o mundo. Eu já tive a sorte de sair do Brasil algumas vezes na minha juventude, mas agora o sonho é ver o mundo da perspectiva dessa Tatiana mais velha. Mais cascuda. É uma gana por conhecer pessoas, lugares e culturas que me façam apreender o mundo da forma mais expandida possível. É o desejo profundo de viver experiências que só vou poder viver se atravessar fronteiras.

Então, o plano é um dia desses conseguir o emprego dos sonhos: conseguir alguém que me pague para escrever sobre as viagens que vou fazer. Gente! Isso existe! Tem gente que ganha dinheiro com coisas inacreditáveis. Essa gente deve ter feito coisas muito boas em outras vidas para merecer esse trabalho não? Por exemplo: gente que ganha para experimentar as comidas do mundo. Sério, que pessoa é essa que tem esse emprego? A reencarnação de alguém muito especial, com certeza.

Mas meu plano é comprar um motorhome e sair pelo mundo vivendo, observando, integrando e escrevendo. Olha para isso, gente! Não é um sonho incrível?

Para qualquer lugar que eu vá no meu futuro, eu só peço uma coisa pro meu santo: que seja sempre com meu caderno, minha caneta e essa curiosidade infinita que me provoca a vida. Quero ficar velhinha e sentir que o mundo ainda me espanta. E deixar alguns livros para os meus netos saberem quem eu fui e como senti a existência. Não é pedir muito, é?

Onde estou

Se alguém me perguntasse “onde estou” há mais ou menos um ano atrás, eu saberia responder perfeitamente. Contaria da minha aventura de morar em Niterói há mais de 15 anos e ter me mudado para uma casa com céu no Bosque de Pendotiba. Falaria da missão de ser educadora e professora de teatro na Escola Nossa, do desafio e da alegria de ser mãe de duas meninas incríveis que transformaram completamente minha vida desde que chegaram. Contaria desse meu namorado companheiro com quem divido a vida há oito anos, e do filho dele que surgiu para mim como um presente. Falaria do meu sonho de ser escritora e da gratidão que sinto pela família que ganhei e os amigos que conquistei ao longo da estrada. Enfim!

Há um ano atrás eu sabia exatamente onde estava.

Mas hoje, um ano depois que as nossas vidas foram tomadas por essa pandemia e essa doença que ninguém conseguiu decodificar ainda, eu confesso que estou mais perdida do que jamais estive.

A sensação que eu tenho é que essa doença veio para virar a gente do avesso e colocar à prova tudo o que somos desde que nascemos.  

Então, responder “onde estou” hoje significa assumir que acordo de manhã e a primeira coisa que faço é recalcular a rota diante das notícias, para que o fim do dia chegue ao mínimo planejado.

Nunca fomos tão desafiados. Testados. Beliscados pelo destino.

Nunca tivemos tanta certeza de como não dá para ter certeza de nada.

Então, seu eu me pergunto “onde estou” hoje, posso responder pelas próximas 24 horas no máximo.

Estou aqui na minha casa, agradecendo quando acordo saudável e com a notícia que minha família e amigos também acordaram saudáveis. O resto do dia eu sigo tentando fazer tudo. Tentando dar a melhor aula online possível, tentando fazer um almoço nutritivo para gente, tentando dar conta das infinitas atividades domésticas que eu não tenho cabeça nenhuma para fazer. A tarde sigo tentando fazer alguma coisa de útil pela minha saúde emocional, depois tento dar uma boa aula presencial para os alunos que, como eu, estão se aventurando a estar na escola presencialmente. Depois passo no supermercado, tento pensar num lanche divertido, depois chego em casa, tento tomar um banho para tentar relaxar, depois tento escrever um pouco para tentar colocar para fora tudo que estou sentindo e depois vou para cama, tentar dormir. Mas essa tentativa tem sido a mais frustrada de todas.

Nunca tive tanta insônia como agora.

Então, é isso. No meu texto de hoje sobre “onde estou” o resumo é que estou tentando desesperadamente sobreviver a esse tsunami que virou nossa existência.

Alguns dias com sucesso nas tentativas, outros muito frustrada por só ter conseguido acordar/viver e voltar a dormir, sem nenhum acontecimento mais emocionante ou louvável para compartilhar. Mas é isso, pessoal. Tempos de guerra.

Amanhã é um novo dia. Eu vou seguir tentando. Quem sabe nas minhas próximas 24 horas tudo pode mudar. Sigamos… fortes! Não há nada que possa nos ajudar mais do que a esperança de acreditar que dias melhores virão.

Tô me agarrando nisso, gente. Aho!

De onde eu vim

Há um tempo atrás um senhor veio fazer um serviço elétrico aqui em casa. Era muito simpático e falante. Conversamos sobre muitas coisas e ele era tão querido, que lhe ofereci um cafezinho com pão e manteiga. Era fim da tarde. Os finais de tarde pedem um café com pão quentinho. Quando terminou, disse assim:

– Me desculpe perguntar, mas a senhora é mineira?

Eu respondi surpresa:

– Sim! Como é que o senhor adivinhou?

– A senhora tem todo jeitinho de mineira. Inda mais depois desse cafézim com pão que a senhora me serviu, isso é coisa de mineiro.

Eu sorri. E pensei comigo como voltar a Minas era um dos sonhos que eu ainda não tinha realizado nessa vida.

Eu nasci em Belo Horizonte. Mas saí de lá pequenininha, com três meses de idade. Mas pelo visto, Minas continuava a existir em mim de um jeito ou de outro.

Minha infância passei quase toda em Teresópolis no meio do mato e isso deve ter sido outra coisa que formou meu jeito de ser.

Crescer na terra faz a gente ser de um jeito bem diferente de quem cresceu na cidade grande.

Mas a grande verdade mesmo da minha história, da minha origem, é que essa sensação de inadequação no mundo sempre me acompanhou. Desde que me entendo por gente. Foi preciso muito tempo de terapia e uma compreensão maior da espiritualidade, para eu finalmente entender que tinha vindo lá de cima, lá do povo das estrelas e que por isso o mundo me parecia tão incompreensível. Isso existe sabia gente? Tem muita gente que anda por aí que não é daqui.

Bom, isso explicou muita coisa sobre a minha trajetória de vida. Uma delas é essa busca frenética e apaixonada por decodificar o ser humano e esse lugar esdrúxulo que coabitamos chamado Planeta Terra. Passei a vida flertando com a arte, mas foi na escrita que eu encontrei meu caminho, minha melhor e mais afiada ferramenta para estar aqui.

De onde eu vim não existe maldade. Não existe dinheiro, nem ganância, nem esse monte de sombra que esse mundo aqui tem. Mas tá beleza. Eu já entendi que estou encarnada e que ainda tenho um monte de coisa para fazer. Uma delas é voltar a Minas. Qualquer hora eu chego lá…

DesEsperança

Hoje acordei muito triste pelas notícias que correm nesse nosso Brasil.

Não há como estar bem com a situação desesperadora que vivemos.

Por mais que eu tente, não estou conseguindo trazer leveza ou poesia para um momento tão crítico e chocante.

Tento, tento, mas não consigo entender de que são feitas essas outras pessoas que coabitam o mesmo espaço e tempo que eu.

Se há dois anos eu me choquei com a ruptura que vivia o país que nos dividiu nas urnas, hoje tenho a mesma sensação quando saio nas ruas e vejo pessoas sem máscaras, lotando barzinhos e vivendo suas vidas como se nada fosse, como se não estivéssemos na pior fase da pior pandemia que a nossa geração já viveu.

Eu não consigo me conformar, não consigo entender. Não consigo aceitar que falte tanta empatia e compaixão à tantas pessoas.

Me lembro que quando fiz a formação em Constelação Familiar (prática terapêutica que busca resolver conflitos familiares através de gerações) uma das coisas que mais me marcou foi uma fala do Bert Hellinger (criador da técnica) sobre o Brasil. Ele costumava dizer que para sermos um país próspero e saudável, precisaríamos constelar infinitamente tudo que fizemos de mal aos nossos antepassados. Que sem essa ação de “limpeza” e cura sistêmica, o Brasil nunca iria para frente. Tudo que fizemos aos nossos indígenas, tudo que fizemos aos negros escravizados ao longo de séculos… será que hoje vivemos essa cegueira coletiva por um retrocesso energético de todo mal que já derramamos em nossa terra?

Quando nosso atual presidente foi eleito, meu susto foi tão grande que eu fiquei em choque por semanas. Liguei para minha terapeuta e pedi se peloamordedeus ela tinha como me dar uma explicação simplificada sobre essa loucura que estávamos vivendo. Foi quando ela disse com sua tradicional calma e clareza: “O Brasil merece esse presidente. O povo vai precisar passar por essa provação para entender quem é e o que fez.”

Uau.

Depois disso eu fui tentando sobreviver. Fui fazendo o meu melhor aqui no micro da minha existência. Mas quando a pandemia chegou dividindo de novo o nosso país em dois tipos de brasileiros, volto a me perguntar por que diabos eu tinha que encarnar aqui. Caramba. Por que não nasci na Nova Zelândia?

Tá. Eu já sei a resposta. Porque nós temos trabalho a fazer aqui… Mas que loucura.

Eu sei.

Eu já sei o que a minha consciência vai falar: agradece. Agradece Tatiana. Agradece sua saúde, a sua consciência. Agradece sua casa, seu alimento e sua chance de lutar todos os dias. Agradece não ter perdido ninguém da sua família para essa doença. Agradece estar viva e poder lutar.

Já tenho a palavra Coragem tatuada em mim.

Acho que tá na hora de tatuar a palavra Esperança.

Um voto de silêncio

Querido leitor,

Gostaria muito que esse texto pudesse começar com uma lenta e profunda respiração.

Que a gente pudesse parar por um segundo e encher o pulmão de ar.

Juntos.

(…)

Tenho pensado muito no silêncio.

Desejado o silêncio como jamais desejei.

Um bocadinho de quietude, assim, só um bocadinho.

Drummond dizia que “a vida necessita de pausas”.

Hoje eu acordei querendo muito dar um abraço no Drummond.

Um longo e silencioso abraço.

(…)

Eu não sei se estou envelhecendo,

ou se é o mundo mesmo que anda desesperadamente barulhento.

Não sei se sou só eu que sinto isso,

mas sei que tem dias que não paro de pensar em como seria fazer um voto de silêncio,

desses que a gente faz em retiros espirituais

e ganha o direito de simplesmente não dizer nada.

(…)

Eu não sei se é esse mundo de hoje lotado de informações.

Se são os celulares, as redes sociais, a internet.

Ou essa enxurrada de barulhos e imagens que vem de todos os lados.

Ou se é essa nossa ansiedade que grita com a gente o tempo todo.

Ou se é a TV, os multicanais do mundo inteiro nas nossas salas, os noticiários.

Ou a dor no coração que nos causam os noticiários.

(…)

Eu sei que nunca desejei tanto o silêncio.

Ficar ouvindo só as coisas orgânicas do mundo:

A chuva, o vento, as ondas do mar, a conversinha dos passarinhos de manhã.

As cigarras no fim do dia. Ô meu Deus.

Como seria bom ter a chance de só escutar essa orquestra da Terra por um tempo.

Sem dizer nada.

(…)

Dizem que a meditação me ajudaria muito nesse sentido.

Mas a meditação é uma outra luta na minha vida ocidental cheia de ruídos.

Eu a desejo profundamente, mas raramente consigo me encontrar com ela.

Dessas coisas que a gente faz contra a gente mesmo e passa a vida tentando mudar.

Mas enfim. Isso é assunto para um outro texto.

(…)

Agradeço esse espaço de palavras que me permitem falar sem falar.

Sem essa expressão, com certeza, já teria enlouquecido.

Deve ser por isso que amo tanto as palavras escritas.

Porque elas falam por mim, em silêncio.

Eu não sei se você me entende leitor…

Mas o desejo do silêncio

é só um grito desesperado por paz.

Minha alma Golfinho

Sugestão sensorial: ler ouvindo essa canção…

Foi numa jornada com tambor que eu conheci meu Golfinho pela primeira vez.

Eu ainda era uma novata no xamanismo, mas já tinha bagagem suficiente para ir em busca do meu animal de poder. Os animais de poder são como um alter ego. Nosso duplo numa outra dimensão de existência. Eles são como animais guardiões que nos trazem seus talentos, sua medicina e sabedoria.

É bem difícil de explicar a magnitude dessa experiência, mas eu queria muito tentar. Porque no dia que eu conheci o meu Golfinho, senti uma mudança muito intensa acontecer dentro de mim. Como um divisor das minhas águas internas. Literalmente.

A jornada em si é bem simples. Primeiro buscamos uma posição confortável para deitar, depois colocamos uma venda nos olhos, algum pano que possa bloquear a luz do dia. Isso facilita muito a conexão com a jornada, porque nos separa de alguma forma do mundo externo. Em seguida nos conectamos com a respiração, relaxando o corpo, tentando “nos desligar” dos problemas cotidianos. E assim que o tambor começa a tocar, como as batidas do coração, entramos no processo.

Um tempo depois o tambor acelera, então procuramos um lugar da natureza internamente. Estando nesse lugar, saímos em busca de um portal. Uma fenda, uma caverna, um buraco na terra, ou numa árvore, ou mergulhamos num oceano ou num lago tranquilo. Tudo vai depender da experiência de cada um. O objetivo é entrar nesse lugar, para sair em outro. Como se de fato atravessássemos um portal. Então, chegando a essa nova dimensão, chamamos por nossos mestres e guias espirituais. E nos permitimos viver o que tiver que acontecer.

Eu costumava dizer nas partilhas que não acreditava que coisas tão incríveis pudessem acontecer nas jornadas para mim. Que o enredo era tão perfeito que parecia um filme. E sempre duvidava da veracidade da coisa. “Eu estou inventando, não é possível”. Demorei muito para aceitar que por mais que estivesse inventando, a invenção era minha e de mais ninguém. E que o vivido tinha significados simbólicos tão transformadores, que eu demorava mesmo para compreender e assimilar.

Uma viagem absolutamente curativa, regenerante e mágica.

No dia que conheci meu Golfinho estava em busca do meu animal de poder e o nosso encontro foi tão forte que eu mal pude acreditar. Mergulhei num oceano profundo e quando vi, ele se apresentou numa nitidez impressionante. Perguntei se ele era o meu animal de poder. Ele confirmou numa dança alegre e comunicativa. Em seguida fez um gesto como se estivesse me chamando. Então colei meu corpo junto ao dele e por muito tempo, nadamos por águas quietas em silêncio. Talvez tenha sido uma das coisas mais belas que já vivi. E desde então, quando preciso, o acesso. Algumas vezes levo questões, perguntas. Que são respondidas de diferentes formas. Outras vezes, o encontro acontece para simplesmente descansar a alma.

Só vivenciando para conseguir compreender a profundidade da vivência. Como eu queria que as pessoas pudessem passar por isso um dia. Acessar mundos internos nunca desvendados e entrar em contato com sua mais profunda essência.

Mas é isso. A jornada termina quando o tambor passa a ser tocado num ritmo diferente. Primeiro mais lento, depois um toque rápido para que cada pessoa possa entender que é hora de finalizar sua história. E ainda ter tempo de agradecer a todos os seres que se manifestaram (sim, muitos animais e seres podem surgir) e retornar a um estado mais consciente, fechando os portais que foram abertos.

Uau.

Pensando bem, não tenho certeza de que essa vivência seja para qualquer um. É preciso se desvencilhar de preconceitos e julgamentos. Transformar as dúvidas em curiosidade. E parar de se questionar demais sobre o que é certo ou errado. Caminhos como esse precisam de entrega para serem vividos por inteiro. Entrega e coragem. Hoje não consigo mais me imaginar vivendo sem essa dimensão. Não posso e nem quero estar encarnada nesse mundo doido, sem estes lugares de cura e autoconhecimento.

Ao longo da minha existência, ganhei muitos presentes da vida que não consigo mensurar o valor. Descobrir esse Golfinho em mim, foi um deles. Um encontro de almas. Umas das coisas mais incríveis que vivi até agora. Mas para completar a benção, ando de novo sonhando com uma coisa que quando acontecer, vou ter um treco: nadar com um golfinho de verdade. Lá em Fernando de Noronha. Já pensaram? Não ia ser nada mal hein?

Um dia eu ainda chego lá.

O lindo vazio que nos habita

“A arte é o vazio que a gente entendeu.”
Clarice Lispector

Há muito tempo, uma amiga querida me emprestou um livro e disse assim:

– Essa história é incrível, Tati. Leia para as meninas. Elas vão amar!

O livro chamava-se “O Coração de Corali”.

Cheguei em casa e antes de dormir nos acomodamos entre os travesseiros, cobertinhas e abajur e comecei a leitura. Sempre amei esse ritual de ler para as meninas antes de dormir. Sentia que construía nele uma egrégora de segurança para enviá-las ao mundo dos sonhos. Uma mente inundada de boas histórias viaja para lugares maravilhosos durante o sono.

Pois bem. A história ia muito bem quando lá pela metade do livro comecei a sentir um aperto na garganta pela emoção do enredo. Segui. Dali a pouco, formou um nó. Mais uma página e a glote começou a fechar. A voz foi ficando embargada, embargada, quando vi estava aos prantos. Chorando alto, sem conseguir me controlar. As meninas, de olhos arregalados, perguntavam desesperadas:

– Mãe, o que está acontecendo? Tá tudo bem com você? Mãe!

Foi um fiasco. Eu chorava e ria porque não queria preocupá-las, mas sabia que precisava rir porque aquela cena era no mínimo tragicômica. Mas o sentimento era tão profundo, tão avassalador, que só o que consegui fazer foi tentar disfarçar a sensação de ter sido tragada para dentro do livro.

Tá. Deixa eu explicar. “O Coração de Corali” fala de uma menina que um dia descobre que tem um grande buraco em seu coração e que por mais que todos tentassem preenchê-lo, ela nunca deixava de sentir aquele buraco. Até que um dia ela descobre que a tia sentia o mesmo que ela. Que as duas sofriam da mesma coisa. E então a tia passa a ensinar Corali a preencher esse buraco.

Como explicar para as meninas que depois de trinta e tantos anos de vida, alguém finalmente tinha conseguido traduzir o que eu sentia num simples livro de poucas páginas e ilustrações?

Essa história ficou marcada em mim por muitos anos.

Qual não foi a minha surpresa quando dia desses entro na Livraria da Travessa aqui de Niterói e me deparo com um outro livro (infanto-juvenil) com uma menininha na capa com um enorme buraco no meio, escrito VAZIO.

Não, aquela menina não era a Corali. Era a Julia. Uma outra história de uma outra menina que também tinha descoberto um enorme buraco dentro dela, mas com uma enorme diferença. Depois de tentar colocar mil coisas lá dentro, lutar para tentar tapar o buraco, ela simplesmente entrou naquilo que não conseguia preencher. Nem compreender.

Ok. Imaginem a cena. Eu estava sozinha na livraria e de novo senti a garganta apertar. Pensei: “Pronto. Vou ter um treco aqui e agora.” Mas me controlei. Peguei o livro, sentei numa poltroninha e entrei lá dentro da história. Da história e dentro do buraco da menina Julia. E foi incrível.

A grande diferença dos dois livros, é que em “Corali” eu tomei consciência do buraco. Mas no “Vazio”, eu estava aprendendo a curar o buraco. Na história ela toma coragem de entrar nessa dimensão sombria dentro dela e descobre que lá dentro, havia um universo inteiro de possibilidades. E que a partir dele, um novo mundo podia ser construído. Inclusive novos laços, através dos buracos que os outros também tem.

Sim, eu chorei no meio da Livraria da Travessa. Mas chorei aquele choro bom de cura, de sentido. De repente, naquele momento eu tinha entendido um pouco mais da minha trajetória, da minha alma, dos meus buracos e vazios e tudo aquilo que eu a vida toda, intuitivamente, tinha construído para ser.

Lembrei de ainda ser pequena e perguntar para minha mãe:

– Mãe, que dor é essa que me aperta o peito e eu não consigo explicar?

Ela respondia:

– É a dor do vazio existencial.

Algo ali se concluía. Foi um dos momentos mais bonitos da minha vida.

Agradeço por tudo que vivi até hoje para chegar aonde estou. Agradeço minha trajetória, minhas cicatrizes, agradeço minha amiga Rogéria por me trazer Corali, agradeço Corali por me ajudar a entender uma parte dos meus buracos e finalmente, agradeço Anna Llenas por me trazer Julia e essa possibilidade de perceber o vazio que nos habita com essa linda expansão de consciência.

Eu vejo amor

Foi uma cena simples.

Um pai e uma filha se despediam no portão de embarque do aeroporto.

Ela chorava muito, ele tentava se segurar. A mãe ao lado se emocionava ao ver os dois abraçados.

Ela já era uma moça adulta, mas naquele instante, parecia uma menina pequenininha se despedindo de um grande herói. Quando finalmente conseguiram se desgrudar, a esposa o abraçou e eu percebi que ela também chorava.  Ele entregou seu cartão de embarque com o coração despedaçado, a mãe abraçou a filha e a acolheu da melhor forma que pôde.

Ele atravessou o portão, voltou a olhar para trás e ao olhar para as duas, tentou brincar fazendo um gesto de tirar o coração do peito e jogar para elas. Elas de longe, seguraram o coração. Ele finalmente entrou e as duas se abraçaram.

Eu, que já tinha embarcado minhas duas pequenas para a casa do pai, desmontei ali mesmo com aquela cena linda de amor. Não sei se mais alguém acompanhou aquele momento, mas eu segui tomando meu café com o coração tomado de gratidão.

Eu vejo amor em quase todos os lugares.

Queria que a vida tivesse mais momentos assim. Esses fragmentos de tempo carregados de sentimentos genuínos e profundos. A humanidade, em sua melhor versão. Como é bonito testemunhar a vida assim. Bonito e verdadeiro.

Eu vejo amor em muitos lugares. Vejo amor nessa despedida. Vejo amor na moça que me serviu o café com um sorriso imenso e gratuito. Vejo amor no taxista que me levou de volta para casa contando do nascimento de sua filha. Vejo amor quando vejo alguém ajudando a senhorinha a atravessar na Praia de Icaraí. Vejo amor na dona do cachorro dando água para ele num potinho no calçadão. Vejo amor no rapaz que dá moedas para o artista de rua que soprou fogo nesse calor de 40º. Eu vejo amor na moça de patins, dançando de fone. Vejo amor no rapaz que acaba de piscar para ela.

Há amor em muitos lugares. A gente só precisa estar com os olhos da alma bem abertos para perceber.

Ânsia por natureza

Nos últimos anos eu tenho sofrido de um mal terrível.

Uma ânsia desesperada pela natureza. É um sentimento tão forte que chega a me dar uma dor no peito. Mas eu sei que essa sofreguidão pelo verde vem de lá dos recôncavos da minha infância.

Durante os meus primeiros anos de vida morei numa casa em Teresópolis cercada de mato por todos os lados. O Solar do Aveiro ficava bem no meio de um vale e parecia um pouco com o Condado dos Hobbits de Senhor dos Anéis. Aquele lugar perfeito onde a vida parecia ter sido feita só para as partes felizes de um filme bom.

Minha relação com a natureza era visceral. Eu e ela éramos um só organismo. Andava pelos morros e riachos como se tivesse nascido daquela própria terra. Não tinha medo dos bichos, vivia entre vagalumes e borboletas e sapos como se eles fossem meus melhores amigos. Colecionava flores, frutinhas e folhas como se elas fossem um tesouro perdido. Sempre fui louca pela infinidade de verdes e texturas que as folhas escondem. Até hoje isso me emociona. Adorava fazer arte com elas! Era minha brincadeira preferida. No final, jogava tudo nas panelinhas e fazia uma sopa nutritiva e colorida para as bonecas. Tive uma infância mágica. Nada do que possa ter acontecido de ruim naqueles anos, pode apagar as lembranças do que fui naqueles tempos. Minha potência estava toda ali. Misturada a uma poesia que eu nem sabia que existia, mas já fazia parte do mais profundo do meu ser. 

Se eu pudesse resumir minha existência num único instante, voltaria à varanda da minha casa no Vale São Fernando, nos finais de tarde que caiam as tempestades mais lindas de verão. E eu ficava por horas a fio, ouvindo minha avó Luzia tocar piano, enquanto via a chuva e os trovões caírem nas colinas do Vale. Se minha vida tivesse terminado ali, eu teria sido imensamente feliz.

Mas a verdade é que eu cresci e precisei me mudar para a cidade grande. Dessas coisas que acontecem nas nossas histórias e a gente não tem como escapar. Meu destino me levou para a cidade do Rio de Janeiro, depois me trouxe para Niterói e é aqui que tenho vivido desde então. Nesse centro urbano esquisitíssimo que abriga ruas, calçadas, bueiros, prédios, postes, fios, lixo. Pessoas andando de um lado para o outro, morrendo de pressa e angústia por não poder mais existir com nenhuma calma. Morando em seus apartamentos apertadíssimos sem nenhuma árvore ou a lembrança de qualquer coisa boa que um dia foi chamado de natureza. Nossa. Eu nunca me acostumei com a cidade. Não vejo nenhum sentido nos grandes centros urbanos. O gás carbônico, os ônibus, os carros, as buzinas, o trânsito, a poluição visual, a sujeira, a pressa mal educada das pessoas e seus compromissos importantíssimos que as tornam meio cegas, meio robôs. Alguém me diz se é possível encontrar equilíbrio num lugar que foi totalmente atropelado pelo cinza e pela urgência cosmopolita de existir?

É, eu preciso encontrar um jeito de voltar pro mato. Preciso parar de chorar quando ouço os passarinhos no Youtube. Ou quando passo por uma floricultura. Ou quando chove. Ou quando depois da chuva, um arco-íris aparece no céu.  Isso não tem mais sentido nenhum. Assim como virar essa velhinha rabugenta que só reclama das coisas. Isso também não tá nada bom.

Outro dia fui ver o mar. Taí uma coisa que tem sido bem terapêutica para mim. Passar um tempo conversando com a minha Avó Oceano tem me feito muito bem. Ela tem aconselhado a buscar de volta um lugar no mato para morar. Uma casinha de madeira onde eu possa escrever e existir sem pressa. Um lugar que eu possa plantar umas coisas para comer, ouvir os grilos a noite, um galo cantar no nascer do dia. Um lugar onde eu possa voltar a conversar com sapos e vagalumes. Onde o ar seja fresco e as coisas do mundo não me maltratem tanto mais. Um lugar onde o tempo volte a correr no tempo que as coisas têm. Eu preciso fazer isso por mim e por essa lembrança doce do que já fui um dia. A “Tatianinha” que mora em mim vai adorar. É dentro dela que eu quero envelhecer. Dentro dela, integrada à natureza, como um musguinho verde que cresceu num tronco de árvore e vai permanecer ali até o fim dos tempos. Que o Grande Espírito me permita partir assim…