Aprender a viver sem você

Zelinha, meu amor

Ontem acendi uma vela, coloquei uma música bem linda para tocar e fiquei por horas observando a chama do fogo se consumir, pensando em você. Venho repetindo esse ritual desde a sua partida, na esperança de aquietar meu coração e conseguir acreditar que simplesmente você não está mais aqui entre nós.

Você me conhece muito bem e sabe o quanto lido bem com a morte. Não tenho medo de morrer e quando penso sobre isso, sinto de verdade que cada um tem um caminho a percorrer e assim como chegamos, um dia temos que partir. Uma coisa não existe sem a outra. Não há merecimento, apego ou ilusão que nos segure nessa dimensão quando chegou nossa hora de atravessar o rio.

Mas há poucos dias, quando nos falamos pelo telefone, você estava bem. Confiante de sua recuperação, fazendo planos, rindo como sempre de alguma coisa que tinha te acontecido no dia. E de repente, de repente mesmo, recebemos a notícia de sua partida.

Acho que esse ritual de olhar para a vela e aceitar o inaceitável é um profundo pedido que minha alma anda fazendo a Deus, para tentar acreditar que você se foi.

Sabe qual foi a primeira coisa que me passou pela cabeça quando soube da sua morte?

Que eu não ia saber viver sem você. Que eu ia precisar com urgência reaprender a existir sem seu amor diário, sem sua preocupação e afeto, sem seus telefonemas de domingo que me davam tanto chão. Não sei viver sem seu perfume de lavanda, sem suas orações, sua fé, suas piadas, suas histórias. Sem sua forma de ver a vida com tanta graça e sua voz atendendo o celular dizendo: Zélia Meira falando!

E seu macarrão gratinado, seu cozido, seu bobó de camarão, seu bolo de chocolate com côco, seu cuscuz, sua gelatina rosa. Seu chá preto com leite. Ah Zelinha… ainda bem que você me apresentou o coentro. Eu não teria tido a mesma existência sem ter experimentado coentro no feijão.

Sabe que nesses últimos dias de tanta dor, vem acontecendo uma coisa estranha comigo: eu falo com você em pensamento o tempo todo. Converso mesmo, tipo doida. Esses dias, quando fui pela primeira vez à sua casa sem você, pensei em fritar uns cogumelos Paris no shoyu para a Clarinha almoçar. E eu estava sozinha na cozinha, meio perdida, sem saber onde estavam as panelas. Então, eu perguntei: Zélia, onde estão as frigideiras? Na mesma hora ouvi você dizer: “nessa gaveta ô doidinha, esqueceu?” Ah é. Posso pegar essa?  – era a mais linda de todas – você demorou para responder mas disse: “pode”. Deus me livre de pegar a panela errada. Ou o pano de prato errado, ou a colher de pau errada. Com você, cada coisinha na cozinha tinha uma função específica e eu aprendi a respeitar isso como lei divina. De repente, Flavinha chegou na cozinha e falou: “xiiii, essa frigideira? Toma cuidado, hein? Era a frigideira que a mamãe mais amava. Não deixava ninguém usar”. Daí eu entendi porque você tinha demorado para responder. Danada. Mas eu respondi com propriedade: “Olha Vinha, eu perguntei antes e ela me autorizou!”

Choramos e rimos. Como cada coisa que fizemos nesses últimos dez dias. Tudo nos faz chorar e rir. Chorar pela saudade insuportável que já sentimos de você. Rir pela gratidão que sentimos por termos feito parte da sua história.

Zélia Cardoso Meira, talvez a melhor pessoa que eu já tenha conhecido nesta vida.

Ontem depois de acender a vela tive uma idéia genial: vou fazer um livro sobre você. Vamos! A família toda! Passar a limpo aquelas anotações que você vinha rabiscando desde a pandemia sobre sua família. Reunir fotos, receitas, causos. Tudo que possa ficar registrado para que as próximas gerações saibam quem foi você minha querida.  Promete me ajudar daí?

O que achou?