Camille Claudel e eu temos algo muito profundo em comum: há sempre algo de ausente que nos atormenta.
Ela foi uma escultora francesa genial, que enlouqueceu de amor e morreu bem velhinha num hospício depois de longos trinta anos de abandono.
Eu sou uma professora de teatro, escritora, brasileira, mãe de duas filhas que mora num condado distante em Niterói.
Nossas realidades jamais poderiam ser comparadas. Mas ainda sim, eu sinto que há entre nós algo muito profundo que nos une: a esquizofrenia da ausência.
Muitas neuroses explicam a identidade e a vida de pessoas que habitam esse mundo. Essa neurose que eu denominei de “esquizofrenia da ausência” nada mais é do que uma insatisfação crônica do que se vive no presente. Confesso que me sinto envergonhada por compartilhar isso. Justo eu, a fervorosa defensora da filosofia transformadora do “poder do agora”. Sim. Não há nada mais libertador do que compreender que é no presente que a vida está. Que não há nada no passado que possa ser transformado e que o futuro é uma ilusão que nem aconteceu ainda. Sim. Mesmo sabendo de tudo isso racionalmente, eu ainda sofro da esquizofrenia da ausência e eu vou explicar por que.
Eu desejei desesperadamente entrar de férias. No fim do ano passado estava exaurida, exausta, entupida. E ficava, lá nos últimos instantes dos dias letivos, delirando, sonhando, planejando as férias que iam me salvar daquela sensação de sufocamento.
Ok.
Minhas férias estão chegando ao fim. Mas há semanas eu estou desesperadamente desejando a volta às aulas. Exaurida, exausta, entupida. Com a mesma sensação de sufocamento, só que por outros motivos.
É.
É preciso coragem para se confessar uma coisa dessas. Mas é a mais pura verdade. E o pior, é uma insatisfação que parece estar sempre à espreita na minha vida tentando se manifestar.
No verão, me queixo do calor. Esbravejo, suo como uma condenada e fico o tempo todo desejando o inverno. No inverno, fico cansada do frio, morro de saudade da praia e fico o tempo todo desejando o verão.
No fim do ano cortei meus cabelos curtos porque estava saturada da minha juba de leão. Agora de cabelos curtos, estou saturada da cor dos meus cabelos.
Quando viajo por exemplo. Passo meses planejando a viagem, curtindo tudo que quero fazer, os lugares que quero conhecer. Mas depois de um tempo viajando, já estou morrendo de saudade da minha casa, da minha cama e do meu feijão.
É uma eterna sensação de esvaziamento. Uma melancolia de uma incompletude que eu não consigo explicar.
E não é só isso, sabe? Eu queria me livrar desse sentimento doído que eu sinto todas as vezes que vejo uma foto da Grécia. Ou uma foto de Bora Bora. Fica lá uma impressão esquisita que eu nunca vou conseguir realizar todas as coisas que eu sonho nessa vida. E o pior, vem uma nostalgia no coração de todas as coisas que eu nunca vivi. Como é que pode?
Estranho né.
De vez em quando eu penso no que terá passado na cabeça de Camille Claudel naqueles trinta anos que ela passou no hospício. Pobre criatura.
Graças a Deus faço terapia e acho que vou conseguir me livrar do pinel nessa vida. Mas mesmo assim, mesmo no caminho do autoconhecimento, mesmo escrevendo para me salvar, mesmo sabendo da força que existe no poder do agora, mesmo sabendo que agradecer é o melhor caminho para compreender a verdadeira abundância, mesmo sabendo disso tudo… lá… bem no fundo do meu peito, ainda há sempre algo de ausente que me atormenta.
Talvez isso tenha um nome: humanidade.
Super te entendo! Tenho essa lacuna tb! 😘
Aqui estou eu. Se isso te confortar… Não és a única! E ainda bem que vc compartilha o que sente e escreve, Flor, poque só assim posso nominar o que me atormenta: sofro de “esquizofrenia da ausência”. E ainda não sei se escaparei do pinel nesta breve encarnação. kkkkkk 😉 Te amo Ti. Tanto tanto. Essa distância física me angustia, mas essa proximidade que tuas palavras proporcionam… Ah conforto! <3
Amei o que escreveu e descreveu…fui lendo e me encontrando em suas palavras, cheguei a sentir um breve conforto!! Não estou só…
Parabéns! Bjs