Em busca do sentido perdido

Foto Gisele Magalhães

Foto Gisele Magalhães

Talvez exista algo mais denso do que o nosso próprio sangue. Algo mais profundo que a nossa humanidade. Algo mais vital do que o ar que a gente respira. É ter consciência para o que se vive. Que sentido encontramos para existir. Para estarmos aqui.

A vida é estranha e maravilhosa. Sempre costumo dizer isso. Mas têm momentos da minha caminhada, que nem mesmo com toda a paixão e gratidão por estar viva, eu não encontro direito o sentido para estar aqui. Existir com consciência é um desafio incomensurável.  Muitas vezes invejo os animais simplesmente por não poderem pensar. Eles são livres. Livres nesse mesmo planeta que habitamos e coexistimos. Nascemos, vivemos e morremos. Mas temos absoluta consciência de todo o processo e isso muda tudo. Apesar de tanta evolução, ainda acho muito estranho que tenhamos nos acostumado com isso. Basta olhar a coisa por uma perspectiva um pouco mais distanciada que vai ver que viver é uma coisa muito doida. Desde que o mundo é mundo. Imagina que vivemos nos tempos da caverna como primitivos há milhões e milhões de anos atrás?  Depois vivemos eras e eras de um tempo que nem sequer lembramos mais. Nos digladiamos na Idade Média, vivemos tempos sombrios em todas as guerras que nos enfiamos. E hoje?

Hoje vivemos um tempo onde a tecnologia e a globalização colocam uma lente de aumento no planeta e nos fazem sofrer barbaramente com a consciência de tudo que acontece ao redor da Terra. Não há coração que suporte assistir de perto toda a dor que o mundo passa. O mundo inteiro não cabe dentro de nós. Não deve caber. De vez em quando paro para pensar no futuro e acho ainda mais triste nos imaginar naquele mundinho hostil, úmido e em curto circuito de Blade Runner. Sei lá. O mundo parece ter se acostumado com tanto delírio. Se não fossem os loucos, os deprimidos e os artistas, eu poderia apostar que o mundo entrou num colapso de anestesia coletiva.

De tempos em tempos eu me perco. Aliás, eu passo mais tempo perdida do que achada. Mas a sensação da falta de sentido na vida é uma das coisas mais apavorantes que eu já senti. Hoje em dia existem muitos diagnósticos para esse vazio: depressão, pânico, ansiedade. No fundo é sempre a mesma coisa. O homem desconectado da sua essência mais profunda. Desconectado de si mesmo e seu propósito. Desconectado da divindade que habita dentro dele. Já li muito sobre isso, mas a teoria é sempre muito diferente da realidade e eu acredito que ninguém escolha por livre e espontânea vontade estar desconectado de si mesmo. Cara, isso foi acontecendo aos poucos com a humanidade por tudo que ela tem passado desde que o mundo é mundo, não? Sim. Mas e daí?

Daí que no ano passado – num dos surtos que tive quando perdi o mapa de onde estava – resolvi levar a sério essa coisa de vazio e entrei o mais fundo que pude no meu buraco. Escrevi, escrevi, escrevi. Num único caderno. Sem pensar em publicar. Sem mostrar para ninguém. Sem mentir, sem florear. Escrevia e me colava. Escrevia e me jogava fora. Escrevia e me passava a limpo. Foi um processo dolorido, esquisito, maravilhoso. Eu tinha descoberto um jeito de construir uma ponte do meu mundo interno para o mundo externo. Estava fazendo a coisa mais sincera e simples e profunda que já tinha feito. Quando terminei o caderno, tinha nas mãos uma fotografia da minha alma. E muitas pistas para descobrir finalmente, o que fazia e que não fazia sentido para mim. Foi uma catarse, mas valeu a pena.

Tenho pra mim que esse pode ser um bom mecanismo de salvação. Pesquisar e montar o próprio kit-sentido. Uma maletinha de primeiros socorros para quando a gente se perde. O meu não tá pronto, mas eu sigo construindo, dia a dia, os tijolinhos que sustentam a minha existência. Cada vez que eu descubro algo novo que faça sentido, um novo tijolo aparece. No lugar daquele vazio que fazia eco, agora tem um monte de Tatianas trabalhando muito para me transformar de geleca embrionária num ser cada vez mais forte, consistente e bonitão.

Talvez agora eu não me perca mais.

Porque todos os dias olho pro meu kit e reconheço de uma forma profunda e inexplicável o valor de cada uma daquelas coisas que estão ali: a maternidade, que me deu de presente duas filhas e a possibilidade de amar esse amor infinito que há dentro de mim e essa capacidade inata que temos de cuidar daqueles que fazem parte de nós. A natureza, que me ensina com sua beleza e força porque as árvores fazem sentido, e os prédios não. O xamanismo e seu fascinante caminho vermelho, que me fez entender com beleza e coerência que não existe um caminho para a espiritualidade, mas que a espiritualidade é o caminho. E por fim, a arte, que de alguma forma sempre me salvou nos momentos mais sombrios e que me mostra sempre a vida sob a lente mais generosa, ampliada e despretensiosa que pode existir.

Sentido. O dicionário Houaiss tem mais de vinte significados para a palavra sentido, mas nenhuma delas explica melhor o sentido da palavra do que o antigo provérbio xamânico que diz: “sinto, logo compreendo”.

Sinto a vida nas entranhas. Escrevo para compreendê-la. Que o Grande Espírito possa sempre me ajudar com essa missão. Hoje e todos os dias que restem da minha jornada por aqui. Aho!

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