Eu passei praticamente a vida toda resistindo a eles.
Na adolescência não sabia que eles existiam. Mas se soubesse com certeza teria me rendido. Naquela época eu não fazia ideia do que tinha, mas o que tinha, era bem sofrido.
No período da faculdade, presenciei um assalto a um carro-forte, onde todos os policiais foram metralhados na minha frente. Daquele dia em diante, não só sofri de ansiedade como desenvolvi uma síndrome de pânico dificílima.
Depois veio a gravidez, que apesar de ter sido a mais esplêndida experiência da minha existência, me levou diretamente à uma depressão pós-parto.
Aí veio a separação, quando eu me vi sozinha no mundo com duas meninas para criar. Era uma menina cuidando de duas meninas.
Mas a vida foi correndo. Como um rio que corre depressa, apesar das pedras e galhos que encontra pela frente. E com muito amor da família e dos amigos, eu acabei conseguindo vencer um a um dos desafios que a vida me trouxe.
Até chegar a pandemia.
Quando a gente celebrou o ano novo de 2019 para 2020 não fazia ideia do que nos esperava pela frente. Mas a verdade é que um trator passou na vida de cada um. E apesar de me achar bem forte durante todo o processo, 2021 chegou me trazendo outro presente de grego: pressão alta.
E é aquela coisa de sempre: a alma a gente até consegue enganar, mas o corpo não. E como uma panela de pressão prestes a explodir, meu corpo foi dando indício que ia pifar.
Procurei um cardiologista. Fiz um monte de exames. Por incrível que pareça, o coração e as artérias estavam bem. Mas algo dentro de mim pulsava como uma bomba relógio. Foi quando ele falou: você não vai morrer de infarto, mas eu queria te alertar que ansiedade também mata.
E me prescreveu aquilo que eu tinha passado a vida fugindo: antidepressivos.
Titubeei.
Poxa. Passei a vida sobrevivendo a todos os tsunamis que a vida tinha me trazido! Será possível que agora eu não ia conseguir segurar a onda?
Mas essa dúvida encobria um medo enorme. E se eu começar a tomar esse troço e nunca mais conseguir me livrar disso?
Luto tão bravamente contra tantas adicções. Dizer sim a essa coisinha milagrosa nessa altura do campeonato, me parecia jogar a toalha antes da hora.
Conversei com algumas pessoas, pesquisei um monte na internet. Meditei sobre o assunto e o veredicto final foi me render. E já que eu ia começar o tratamento, passei a ver a coisinha como um amigo que estava entrando na minha vida para me dar o colo que eu precisava. Sem dinheiro para fazer terapia, sem perspectiva de mudança de governo, sem conseguir controlar o sangue que fervia de nervoso, eu realmente não tinha escolha.
E agora, passados dois meses de medicação, uma coisa estranhíssima está acontecendo. Não é ruim nem bom. É só estranho. Tenho sentido a vida como se tivesse sido anestesiada. As coisas me afetam, mas não profundamente. Eu choro, mas sem me despedaçar. Eu sofro, mas sem querer cortar os pulsos. Eu sinto, mas não me desespero.
Será que isso é bom?
A imagem que me vem à cabeça é de me ver sentada, num trem em movimento, olhando a vida passar pela janela. E eu não sei se eu tô gostando disso, gente. Tá esquisito.
Se essa anestesia me poupar de sofrimento, tudo bem. Mas e se ela me poupar de mim mesma? Me poupar de ser eu, com todas as esquisitices que me habitam? E se eu não conseguir mais sentir como sentia? E se eu não conseguir mais escrever?
Pronto. Pirei.
Vou ligar para minha terapeuta.
O que eu achei? E dá pra achar algo depois de ler sobre a existência de tamanha sombra rondando a alma da minha tão amada escritora, artista de muitos instrumentos, semeadora de luz na vida de tantas e tantas pessoas, inspiração pra todos nós?
Taí…. não sei dizer o que achei mas sei dizer que estou me sentindo com a alma em perigo.