Linha da Vida

Viver no presente tem sido uma das melhores estratégias de salvação para se viver o momento. Tenho escrito incansavelmente sobre isso. Mas outro dia fiz uma coisa extraordinária que me deu uma sensação de passar a vida a limpo.

Era um dever de casa da terapia, uma coisa simples, mas que acabou se transformando numa catarse para mim, tamanha foi a emoção que a coisa me tomou. Nunca imaginei que uma coisa tão sistemática pudesse me libertar e curar tanto, como da forma que aconteceu.

A tarefa era fazer uma linha da vida. Relembrar um punhado de vivências num papel, onde eu pudesse relembrar alguns trechos que eu considerasse importante da minha história. Mas eu achei que essa linha da vida merecia uma coisa mais teatral, então pendurei um barbante de ponta a ponta na minha sala e sai cortando uns quadradinhos de papel colorido para escrever o que eu lembrasse da minha jornada.

A coisa começou fácil. O primeiro papel é a data e o local do seu nascimento. Mas ao escrever esse primeiro papel, eu entrei como se fosse num túnel do tempo e renasci. Dali em diante, não consegui mais sair do looping de imaginar minha primeira casa, minhas primeiras experiências e tudo aquilo que eu lembrava como minha primeira infância. Me vi sentadinha na beira do rio em Teresópolis observando os girinos, me lembrei da minha paixão pelos vagalumes, meu jeito de estar na natureza como se ela fosse a minha casa. Fui escolhendo as cores do que ia escrever, de acordo com a emoção que aquela memória me trazia. Depois lembrei de uns medos e escrevi com a caneta branca num papel preto, para nunca mais esquecer que aquilo tudo que um dia tinha sido uma ferida profunda, tinha enfim cicatrizado dentro de mim.

Depois veio a adolescência, a lembrança de muitos amores, histórias impagáveis, coisas que estavam guardadas há anos em gavetas esquecidas, mas que eu me orgulhava demais de ter vivido. Perguntei para terapeuta se tinha limite de papeizinhos. Ela disse que não. Que eu registrasse tudo aquilo que achasse importante. Foi demais escrever sobre o primeiro beijo, a primeira transa, a primeira peça de teatro. Sobre os tropeços, as quedas vertiginosas, as tantas voltas que dei por cima. Fui tecendo minha vida naqueles papéis e quanto mais registrava, mais ia me orgulhando de tudo que já tinha passado. O nascimento das meninas, as onze mudanças em sete anos de casada. A perda de pessoas tão queridas. As crises existenciais, as descobertas de como sobreviver tantas vezes numa mesma vida.

Minha linha da vida ficou pronta e parecia uma obra de arte. Uma instalação digna de Bienal. Um varal lotado de cores, de vida, de papéis com buracos, papéis desenhados, papéis rasgados. Uns papéis pareciam tão felizes, outros tão tristes. Uma representação perfeita da própria vida. Sinto que um bocado de coisas sobre minha estrada eu só integrei depois de concluir essa tarefa. Que orgulho que eu fiquei daquela coisinha colorida! Fiquei semanas namorando aquele arco-íris existencial até ter coragem de guardar de novo numa caixa.

Queria muito que todo mundo pudesse ter a oportunidade (e a coragem) de viver isso uma vez que fosse. Uma chance de olhar para a própria vida como se ela fosse uma história de amor e fúria, de luta e glória, como os melhores roteiros dos melhores filmes, ou os livros mais extraordinários que um dia a gente já leu.

Viver no presente é sem dúvida um desafio diário. Mas olhar para o passado com acolhimento e amor e fazer disso poesia, pode ressignificar uma existência. Acreditem em mim.

2 pensou em “Linha da Vida

  1. é mágica a forma que você ressignifica as coisas. ainda mais quando transforma em arte. que honra poder te ler!

  2. Que honra poder ter sido o veículo da sua chegada na Terra! Te amo filha! Obrigada pela parceria de vida!

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