Eu sempre fui uma pessoa esquisita. Fora dos padrões, fora do lugar. E sempre tive uma sensação muito profunda de inadequação no mundo.
Mas talvez uma das coisas que mais me faça sentir uma marciana nessa vida seja essa minha estranha consciência da morte.
Não tem nada a ver com morbidez. Ou qualquer outra esquizofrenia nefasta. É apenas uma estranha e absoluta certeza da minha finitude.
Não me lembro direito quando foi que essa sensação me arrebatou pela primeira vez. Eu estava fazendo uma coisa qualquer, num lugar qualquer. E de repente, não mais que de repente, eu me descolei da cena e percebi que tudo aquilo, um dia, chegaria ao fim.
Me senti esvaziada. Olhei ao redor. Olhei pro céu. Respirei fundo. Como era possível um dia deixar de existir? Como era possível um dia ter que deixar isso tudo para trás?
Talvez esse tenha sido um dos momentos mais estranhos e solitários que eu já vivi. E mais significativos também. Como se o meu fim, muito antes de acontecer, me pudesse ter sido soprado no rosto e isso não tivesse vindo como maldição, mas como profunda benção divina. Claro que na hora foi meio assustador. Uma conscientização tão aguda assim da nossa não eternidade não é um troço fácil de viver. Foi quase como um tapa na cara. Um choque de realidade. Ou da não realidade. Sei lá.
Sei que isso voltou a acontecer muitas vezes. Mas depois, com o tempo, eu fui me acostumando àquela coisa que vinha de vez em quando. E quando a coisa vinha, eu acolhia como quem acolhe um filhotinho de qualquer espécie, com muito cuidado, amor e respeito.
Foi então que eu fui estudar espiritismo. Depois comecei a meditar. Comprei o “Livro Tibetano do Viver e do Morrer” (mas nunca li). Depois entrei na terapia. Descobri o xamanismo. Com o tempo, todo o processo foi perdendo peso e ganhando a leveza que precisava ganhar. E no final consegui transmutar a tal sensação de mau agouro numa profunda e abençoada consciência de estar viva.
Não é para todo mundo que eu posso contar essa história. As pessoas tem muita dificuldade de falar sobre a morte. Só o assunto provoca arrepios. E quando eu digo que quero ser cremada? As pessoas me olham com um olho arregalado, me achando uma criatura de outro mundo. “Como é que você pode pensar numa coisa dessas?” Ué gente. Eu acho bonito o ritual de jogar as cinzas de quem morreu num lugar bonito. Nunca vou esquecer o momento que joguei as cinzas da minha avó no Jardim Botânico. Foi uma das coisas mais bonitas que já vivi. Ela amava aquele lugar e pôde voltar para lá de alguma forma. Isso não é bonito? Inteiro? Verdadeiro? Por que a morte tem que ser um assunto tabu sempre? Por que a gente não pode nem falar sobre isso? Será que as pessoas não entendem que a gente está aqui só de passagem? Que somos seres espirituais, passando por uma experiência terrena? Será que as pessoas evitam o assunto porque não falando dele, ele passa a não existir?
Ah sei lá. Esses assuntos que a gente não pode nem tocar me fazem pensar sempre que são os que mais a gente precisava falar.
Talvez o único apertinho no coração que permaneça desse processo é quando a coisa vem e eu estou ao lado das meninas. Aí o meu coração contrai. Deve ser por esse amor desesperado que eu sinto por elas. Ou por essa coisa de ser mãe e achar que os filhos sempre precisarão da gente. Eu não tenho medo de morrer. Talvez tenha medo de sofrer para morrer. Mas da morte, não tenho medo nenhum. Muito pelo contrário. Imagino que voltar para as estrelas será um grande alívio no final das contas. Claro que viver é uma benção. Mas para mim não é fácil viver. Nunca foi. Nem mesmo quando eu era uma menina-fada e achava que a vida era um sonho.
Mas quando olho nos olhos dessas filhas que me escolheram para vir para cá, fica difícil de me imaginar fora daqui. Difícil me imaginar separada de corpo delas. Porque a separação só vai ser de corpo né. De energia – espiritualmente – eu nunca vou me separar delas. Um amor como o nosso, nem a morte pode romper.
Sim. Um dia eu vou morrer. E se Deus quiser, vou virar pó de estrela. Rezo muito para que quando eu já esteja nesse estado cintilante, Deus também possa me soprar no rosto, um estranho instante de consciência, só que ao invés da morte, seja da vida. E que esse sopro, me traga o hálito da Clara e da Catarina. Só para me dizer, que no final das contas, não importa em que dimensão a gente está. O que importa é o que a gente é. E acredita, esteja vivo ou não.
Adoro texto que ter que refletir e pensar seja uma costante descoberta do que se passa no nosso interior e querida também quero ser cremada ..
Linda. Lindo. Essa afinidade e sincronismo ainda me surpreende…. <3 Love Ti. 😉
Bela reflexão! E o que é a vida senão o outro estado do Ser?
Você sabe, também quero virar pó pra poder voltar pra raiz de uma árvore, pra terra, pra água, pro fogo, pro ar.
Espero que você e Mano possam fazer isso por mim.
E por falar em bela reflexão, acho que vai gostar de ler http://www.dulcemagalhaes.com.br/revezamento-da-vida/
Ela fala a sua língua.
Também queria que soubesse que esse sentimento que tem pelas suas Clara e Catarina é idêntico ao meu por você e Mano… Sentimento que é pura vida manifesta!
Marcinha querida, que bom te ler aqui… somos almas-irmãs, lembra? Saudade minha amiga…
Minha Tia amada! Que maravilha te ler aqui… tomara que a gente se encontre nas estrelas também. Te amo tanto!
Minha mãe querida… se hoje acredito ser uma boa mãe, tenha certeza – absoluta – porque fui criada e amada por ti. Você sempre foi e sempre será a melhor mãe desse universo. Gratidão por tudo!