Seres marginais

pombos2

Ele vinha solitário caminhando pela estação das barcas. Não parecia alegre nem triste. Nem disposto nem cansado. Vinha. E ninguém percebia sua presença. Estava ali, pelo simples acaso de existir, marchando em direção a lugar algum, provavelmente em busca da única coisa que lhe apaziguaria a alma: um restinho de comida qualquer.

Não sei por que as pessoas têm tanta dificuldade de conviver com seres marginais. Não os marginais fora-da-lei, mas aqueles que estão à margem da sociedade. São sempre escorraçados. Mal tratados. Desrespeitados. E o pior é que no fundo, só desejam o ser e o estar invisíveis para justamente não incomodar ninguém. Coitados. Sempre incomodam.

Bom, mas nesse dia, a minha alma justiceira se inflamou na estação das barcas justamente por causa de um ser marginal. No caso, um pombo cinza desses que todo mundo não quer nem passar perto. O pobre estava quieto, lanchando seu biscoitinho num canto, quando veio um sujeito do nada e lhe deu um chute, sem dó nem piedade. Quando vi a atrocidade, saltei para cima do cara como quem parte em defesa de um filhote. Com o coração aos pulos, perguntei aos gritos pro malvado: “Vem cá, o senhor tá maluco? Enlouqueceu?” Ele tava com cara de quem tinha bebido. Com os olhos vermelhos, meio esbugalhados. Esquisito que só. Demorou um tempão para entender minha pergunta.

Mas eu não me intimidei. Fiquei ali parada em frente ao homem, corajosa e feroz, esperando qualquer resposta que fosse para o crime. Me sentindo o Robin Hood das aves. A Evita Perón dos despenados. Mas é claro que o cretino não conseguiu me responder nada. Ficou me olhando com cara de basbacão depois saiu resmungando uns palavrões até desaparecer na multidão.

Procurei meu amigo para ver se precisava de socorro, mas o infeliz já tinha partido. Eles podem ser pacíficos, mas não são bobos. Sinceramente, o que é que leva uma pessoa a dar um toco num pombo? Provavelmente a mesma coisa que leva uma pessoa a colocar fogo num mendigo. Taí. Coitados dos pombos. São a classe-mendigo das aves. Tudo bem, eu sei que eles transmitem doenças e isso já está arqui-comprovado. Mas por isso a gente extermina a espécie feito barata? Trata os pequenos como a verdadeira escória avícola?  E não é justamente o pombo o símbolo da paz?

Será que as pessoas sabem que os pombos tem uma perspectiva de vida na cidade de cinco anos e no meio da natureza de quinze? Será mesmo que elas acham que eles gostam de viver aqui e serem enxotados o tempo todo? Caramba. Aposto que ninguém sabe que os pombos são umas das únicas espécies de aves que formam um par a vida toda. E que quando vieram para o Brasil – eles são de origem europeia, imagine – foram trazidos nos navios portugueses para serem servidos de alimento para a tripulação.

É minha gente, antes de ser considerado uma praga urbana, neguinho comia pombo ensopadinho, igual galinha. Acho-te uma graça.

 

 

O que achou?