Desde que o mundo é mundo, a vida dos seres humanos é um verdadeiro enigma. Estamos vivos e conscientes num planeta complexo, por um período quase sempre indeterminado, fazendo não se sabe o que direito, sobrevivendo aos dias e às noites aos trancos e barrancos há milênios e o pior, sem nunca ter recebido nenhuma explicação para isso. Ou a nossa existência é uma grande piada cósmica ou alguém, em algum lugar, tem planos muito objetivos para nós.
Adoro uma frase de Benjamin Franklin que diz assim: “Achar que o mundo não tem um criador é o mesmo que afirmar que um dicionário é o resultado de uma explosão numa tipografia.”
Meu pai é ateu. Tenho pena dele. Deve ser insuportável estar nesse mundo achando que tudo não passa de uma loteria biológica. Ele não confessa, mas eu sei que sofre. Que lá, bem no fundo da alma, vive um conflito profundo por não fazer idéia do que está fazendo aqui. Eu não suportaria viver num mundo sem Deus. Sem a crença de que algo maior existe, algo que está além da nossa limitada compreensão. Uma força incomensurável e bacana que orquestra o milagre da vida com alguma intenção.
É claro que como ser humano eu tinha um bocado de perguntas para fazer ao Criador. Tem um milhão de coisinhas mal explicadas né nessa nossa história. Mas fazer o que se Ele não tem tempo para responder. O Cara é super ocupado. Quem sabe depois – depois que a gente for embora – tudo seja esclarecido. Esse deve ser um dos melhores momentos da nossa vida: quando tudo que a gente nunca entendeu seja minuciosamente explicado, tim-tim por tim-tim, e nada do que tinha sentido passa a ter em questão de segundos. Nossa, um conforto imaginar isso. Vou morrer com essa esperança em mim.
A questão é: o que fazer aqui enquanto estamos vivos?
Vejam bem: se temos saúde e alguma condição, todos os dias estamos vivos e inseridos no mundo. Não tem como fugir. Quer dizer, até tem. Tem gente que enlouquece, tem gente que acaba com a brincadeira encerrando a própria vida antes da hora. Tem gente que dá um jeito de fugir adquirindo uma doença bem grave. Física ou emocional. Mas se você não fizer nada disso e não tiver sido contemplado com um karma desgraçado que dificulte tudo – tipo vir ao mundo cego, surdo e mudo – você está vivo e com a necessidade diária de sobreviver. Como todo mundo. Não tem jeito.
(vou abrir um parêntese para um desabafo: acho esse tal de karma uma sacanagem do Criador. Poxa, que troço injusto pagar por uma coisa que meu espírito fez em outra vida! Falta de controle absurdo esse o nosso. Porque hoje, inserida na minha cultura e na condição que me foi “dada” eu to aqui fazendo um esforço enorme para viver da forma mais dármica possível. Faço tudo como manda o figurino. Mas se em outra vida eu fui uma esculhambação de pessoa, o certo deveria pagar lá, naquela própria vida, tudo de errado que eu fiz. Mas infelizmente, parece que não é assim que a coisa funciona. A que se faz, a que se paga. Em várias prestações, durante muitas vidas. Sacanagem!)
Mas… de novo pergunto: o que fazer aqui enquanto estamos vivos?
O homem teve que ceder à sua própria demanda existencial. Criou um mundo dentro desse mundo onde foi locado, fez um monte de coisa errada e agora vive administrando, na maior parte do tempo, tudo aquilo que criou e não deu certo. Claro que ele evolui, se desenvolve, mas também paga por sua essência gananciosa desde que dominou o fogo. Coitado. Graças a Deus (olha Ele aí de novo) também foi criada uma fina camada de gente que está desesperadamente tentando transmutar todos esses nossos erros e transformar o nosso lixo em luxo.
Essa gente aí é a minha tribo. E descobrir isso me deu uma enorme alegria. Só Deus sabe a chatice da ladainha que repeti anos a fio: “oh Deus, o que estou fazendo aqui? Por que vim, ao que vim, quem sou eu, porque sou assim?”. Fazer luxo de lixo é coisa de artista. E fazer arte é um privilégio para poucos. Uma libertação. Mas eu precisei amadurecer para entender o sentido dessa liberdade. Porque liberdade não é fazer o que se quer. Liberdade é fazer o que deve ser feito. Li uma vez que o “homem não vale pelo que tem nem pelo que é. O homem vale para o que serve.” Uau. Esse conceito pode dar uma nova e revolucionária perspectiva ao meu plano de vida de qualquer pessoa. E isso não tem preço. Porque na jornada de todos os dias, ou você tem um propósito bem amarradinho ou a coisa fica toda tão solta que você pode facilmente se perder pelo caminho. E acabar transformando sua vida num cotidiano massacrante de uma existência inoperante.
Muitas vezes eu tenho vontade de sacudir o meu pai. Violentamente. Olhar bem fundo naqueles olhos verdes dele e dizer, quase gritando: Acorda pai! Presta atenção ao seu redor. Olha para o mundo. Olha para tua história. Tudo que você viveu, construiu, desenvolveu… você acha mesmo que tava sozinho nessa? Pai, meu Pai. A vida não é uma piada cósmica. A vida é um enigma. Um joguinho complicado que a gente joga a vida inteira e nunca vai sair vencedor. Sabe por quê? Porque a gente ganha o jogo quando nasce, pai. Essa é grande sacada. Entendeu?