Ladies and Gentlemen

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Ele estava sozinho numa sala toda branca, gelada e silenciosa. Enorme, imponente, colorido. Ocupava quase toda a parede de um extremo ao outro numa das salas da exposição de Andy Warhol no Centro Cultural Banco do Brasil. Entrei sozinha e fiquei ali, em estado de choque, ao me deparar com a imagem que via. Era um retrato duplicado de duas mulheres, carregado de muita tinta, que delineava formas e texturas e enchia de sombras um simples retrato.

Para falar a verdade, até aquele momento, a exposição não tinha me emocionado muito. Eu conhecia um pouco da história de Warhol e da importância de tudo que ele tinha feito – e pensado – sobre arte no mundo contemporâneo. Gostava da releitura com a imagem da Marilyn Monroe e da reflexão que ele sugeria ao imaginar que até as celebridades, ao serem retratadas de forma mecânica e em série, podiam se transformar em figuras impessoais e vazias. Mas daí a me emocionar com que ele tinha feito eram outros quinhentos.

Eu fui porque precisava ir. Porque não perdia uma única exposição no CCBB. E porque queria entender e ver de perto o que o mundo chamava de “pop art”. Mas na hora que eu entrei naquela sala e deu de cara com aquele quadro, meu coração congelou.

A tela eram dois retratos idênticos, um acima do outro, numa mesma tela gigantesca. Duas mulheres, duas faces de mulheres, uma mais à frente e a outra recuada para trás, como se abraçasse a primeira pelas costas. Bom, para falar a verdade as duas eram meio andrógenas, mas eu as vi como mulheres. Estavam sérias.  E o que diferenciava os retratos eram as cores que predominavam em cada imagem: laranja, rosa e azul na de cima. Verde, roxo e um outro tom de laranja, na de baixo. Pois bem. Tudo teria sido igual se a mulher que estava mais à frente no retrato não tivesse uma estarrecedora semelhança comigo.

Fui olhar o nome do quadro: chamava-se Ladies and Gentlemen e tinha sido pintado no ano de 1975. Rapidamente fiz as contas de quantos anos eu teria na época. Em seguida me senti ridícula por ter feito isso. Voltei a olhar a imagem. Eu olhava para ela e ela olhava para mim e eu comecei a sentir um desconforto esquisitíssimo. A boca pequena, o lábio fino, o nariz, o formato do rosto, o olhar sério, o cabelo, o jeito. Eu sabia que era uma loucura pensar isso, mas eu pensei. E num fração de segundos eu imaginei que aquela mulher talvez pudesse ser eu. Numa outra vida, numa outra época, numa outra geração, num outro nome, numa outra dimensão.

Na mesma hora me lembrei de um dos meus filmes favoritos do Krzysztof Kieslowski: A Dupla Vida de Veronique. Numa das cenas do filme, o personagem de Irene Jacob se vê de longe numa praça. Ela está dentro do ônibus e por um instante a “outra ela” a vê também dentro do ônibus e elas se reconhecem. Essa foi uma das cenas mais emocionantes que eu já vi no cinema e agora eu estava ali, com a mesma impressão e pavor por estar me reconhecendo num quadro de Andy Warhol.

Ah, esse dia foi muito surreal. Eu demorei horas para conseguir sair daquela sala. Fui à livraria, comprei o catálogo da exposição e fiquei sentada o resto da tarde naquela escada que tem no vão central do CCBB com o livro no colo e um café na mão, com o olhar perdido e uma sensação esquizofrênica de ter perdido algum capitulo da minha vida.

Eu sabia que nada nem ninguém poderia me explicar aquela sensação de dejavú que eu estava sentindo. Mas vamos combinar que não é todo dia que uma coisa dessas acontece na vida de uma pessoa. Qualquer um teria ficado esquisito. E como eu definitivamente não me sinto qualquer um, até hoje essa história me arrepia os cabelinhos.

De tempos em tempos eu tiro esse livro da estante e abro na página 91 e fico olhando para essa Tatiana. E penso que não seria tão mal assim um dia encontrar comigo mesma, quem sabe, tomando um café nas escadarias do CCBB. Nas minhas viagens quânticas, seria mais uma chance de reinventar minha existência.

Quem sabe.

7 pensou em “Ladies and Gentlemen

  1. Dani querido! Bem-vindo meu amigo! Ao site e ao meu maravilhoso e estranho mundo! Beijos

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