Imagética

Viviane Mosé costuma dizer que “quem escreve escava o que o silêncio palavra”. Eu acho que eu escrevo para escavar o que a “imagem” palavra.

Isso desde pequenininha.

Me lembro na infância de ser surpreendida por alguma imagem e precisar ir buscar um lápis desesperada para não perder aquilo que tinha me tomado por completo. Nem que fosse o encontro com um bicho-pau. Eu precisava registrar. E tinha que ser por escrito.

Essa mania de querer traduzir o mundo.

Mas com o tempo fui crescendo e descobrindo que o meu negócio era porque meu cérebro não só absorvia o que via como produzia algum desdobramento do que eu tava vendo.

Explico.

Se eu visse um bicho-pau… Aquele bicho na mesma hora tinha criado vida e tinha ganhado um nome. E na minha cabeça já tinha virado um personagem cheio de questões existenciais porque tinha me contado que não queria ser um bicho-pau, mas sim um maestro de música clássica. E a história seguia.

Outro exemplo que é minha cara. To parada no ponto do ônibus. Olho pro céu azul. Imagino que aquele céu é azul há mais de cem mil anos. Pronto. Quando baixo a cabeça, já estava no planeta Terra na época dos dinossauros, tentando imaginar onde é no planeta que estaria localizado aquele ponto de ônibus.

Olha. Parece legal mas é bem enlouquecedor as vezes. Porque a mente não para de criar. E produzir imagens. Fui buscar no dicionário o que significa ser imagético e é isso mesmo: aquele que revela imaginação. No meu caso: excesso de imaginação.

Deve ser por isso que acabei me apaixonando pelas metáforas. Deve ser o desdobramento do desdobramento.

Mas claro que como tudo, essa coisa de ser imagética também tem seu lado sombra.

Muitas vezes, sem querer, produzo cenas sombrias na minha mente em menos de dois segundos. Como acidentes por exemplo. Minha mente é especialista em produzir acidentes de carro. Durante um tempo da minha vida tive medo de ser premonição. Mas não era. Graças a Deus. Ou eu morri assim em outra vida ou eu sou muito doida mesmo.

Mas enfim.

Tudo também pode ter sido pela educação cinematográfica que eu tive. Já contei para vocês que não tinha nem 10 anos minha mãe me levou para ver KOYAANISQATSI – um documentário do Coppola sem atores, nem diálogo nenhum, só com uma trilha sonora inacreditável, mostrando o ser humano, o planeta e essa convivência desequilibrada que a gente sempre teve.

Imagina gente! 10 anos!

Bem que eu tentei fazer faculdade de cinema, mas como quase tudo que fiz na vida, não terminei. Comecei mas não terminei. Minha biografia tem muitos casos como esse. Um milhão de planos e projetos não finalizados. Acho que só terminei as minhas filhas porque a Mãe Natureza ajudou. Presas nove meses na minha barriga, não tinha como não concluir o projeto. Mas enfim. Me acolho com todas as minhas estranhezas.

Mas que essa de entender hoje que escrevo para escavar o que a imagem quer palavrar… essa foi demais. Valeu a segunda-feira.

2 pensou em “Imagética

  1. Ah, Tica, quantas vezes entrei na Rua São Clemente, vindo da praia, em Botafogo, e, olhando para o penhasco nu à frente, me perguntei “será que os índios em 1500, quando estavam neste exato lugar, tiveram esta mesma sensação de deslumbramento com a pujança da Natureza? Imagine Botafogo sem prédios, sem ruas, só…índios?

  2. Amei esse verbo “palavrar”! Viviane Mosé sempre me presenteia com seu palavrório poético e você, Tati Tati! sempre fazendo das palavras um oceano! E como é bom mergulhar nele!

    KOYAANISQATSI? É assim mesmo que se escreve é? Ô palavra dificil!
    Ah! eu me lembro desse filme! Vi primeiro e quis levar você e sua irmã pra ver. Acho que é um filme que deveria ser matéria obrigatória no primeiro grau que é pra acordar os olhos e o coração pra esse deslumbramento de planeta! São as imagens que nem precisam ser “palavradas” mas que, quando o poeta (você) traduz pra gente ganha ainda mais significado e profundidade! Que bom lembrar dele. Será que eu acho na internet?

O que achou?