Uma vez a cada quinze dias preciso sair do Condado onde vivo para atravessar a cidade, o mar e outro tanto da cidade vizinha, para chegar à Tijuca, onde fica minha terapia. Confesso que me sinto uma hobbit corajosa quando saio em busca dessa aventura. A Tijuca parece um lugar completamente diferente de onde vivo, moro e trabalho em Pendotiba. Mas a trajetória até lá é que me impressiona, porque de alguma forma me mostra – como um raio X – o tamanho da minha fragilidade urbana.
A cidade grande me espanta. Todas as vezes que salto da barca e dou de cara com a Praça XV, fico chocada. São milhares e milhares de pessoas apressadíssimas, correndo, atrasadas, ocupadas, falando no celular, falando sozinhas. Elas não enxergam as outras pessoas, não parecem estar presentes no momento presente nem tampouco presentes no espaço onde estão. Elas correm aflitas para o futuro próximo de seus empregos, seus escritórios e seus compromissos. Há uma pressa opressora no ar. E o cenário não ajuda em nada. As ruas estão sempre imundas e em obras. Camelôs gritam para vender suas mercadorias. Cachorros latem para conseguir sua comida. Executivos correm atrás do sucesso. Funcionários correm atrás de bater seu ponto. E os mendigos… bem, os mendigos não correm para lugar nenhum. Eles não existem para a essa cidade. Não fazem parte do cartão postal.
Eu olho ao redor e me sinto totalmente fora do contexto. Uma peça com defeito que não se encaixa no quebra-cabeça. Um peixe fora d’água. O Neo de Matrix quando descobre que a Matrix é uma Matrix.
Não sei se sou eu que tenho essa extra sensibilidade irritante ou se é mesmo a rua que tem cheiros demais, buracos demais, barulhos demais. É uma poluição sonora, visual. Um excesso de energias diversas, contraditórias e desequilibradas. São pombos, pedras, placas, avisos luminosos, cartazes, jornaleiros, árvores secas e abandonadas, pessoas nas ruas dormindo abandonadas, bueiros, buracos, cuspes, pingos de ar condicionados, cocô de cachorro, cocô de gente, pichações, lixo… meu Deus… a quantidade de lixo que tem pelas ruas é uma coisa muito surreal. Um caos absoluto. Eu olho para esse mundo e não consigo acreditar que as pessoas não se afetem com tudo isso. Será que elas se acostumaram com a coisa ou nunca chegaram a perceber o cenário de ficção científica que estão inseridas?
São raros os momentos que eu consigo respirar nesse mundo. Raros, mas existem. E quando acontecem, são como tomar um fôlego, depois de muito, muito tempo sem respirar. Uma alegria instantânea. Uma brisa no rosto. Um carinhozinho na alma. Acontecem quando encontro um artista de rua – como aquele moço com vilolino que vi ontem em frente ao Paço Imperial. Gente! Que momento sublime foi aquele. Eu fiquei parada diante dele, derretendo por dentro de emoção. E ele tocou aquela melodia triste e me olhou nos olhos e durante alguns segundos eu não me senti mais sozinha. Foi incrível. Assim como quando dou a sorte de cruzar o olhar com um senhor de terno e gravata, cheiroso e arrumado e ele me cumprimenta com um sorriso e um sonoro “bom dia, senhorita”. Ou quando percebo uma florzinha nascendo solitária no meio da rua, no meio do cimento, no meio do caos cinzento. Esses momentos, são momentos importantíssimos para mim. Porque entendo que de alguma forma, há dentro de todos nós, desertos e oásis. E só depende de nós qual cenário valorizar. Se o cenário da luz ou o cenário da sombra. Só depende de nós.