Quando ele chegou nas nossas vidas, era só um bola de pelo dourada. Um protótipo perfeito da perfeição canina.
Ele chegou e deixou a gente naquele estado letárgico que nos deixam qualquer filhote, de qualquer espécie de animal. Quando ficamos por horas observando as cambalhotas, os puns e os latidinhos, querendo desmaiar de amor com tudo que fazem. Filhote é um artifício que a natureza inventou para preservação da espécie. Só pode ser. Como eles são insuportavelmente lindos, a gente faz qualquer coisa por eles.
Foi nessa armadilha que a gente caiu, quando Clara encontrou o Chico nos jardins da UFF, sozinho, perdido e tristinho. Ela me ligou de vídeo e claro, eu disse sim.
Desses momentos cruciais da vida, que um “sim” ou um “não” podem transformar toda uma existência.
Então.
Foi nesse sim, assim, que Chico chegou ao nosso apartamento em São Francisco em novembro de 2022. Enrolado num paninho sujo, com os olhinhos cheios de remela, precisando desesperadamente de um lar.
Eu já tinha tido três experiências com cachorros. A primeira foi com a Tatá. Uma vira-latinha da minha infância que por muito tempo foi chamado de Totó até que um dia percebemos que o que ele tinha entre as pernas não era um pinto, e sim uma perereca.
As outras duas experiências foram traumáticas, porque quisemos ter os cachorros e depois não demos conta de cuidá-los. O primeiro foi o Toddy, um boxer branco gigante que não conseguimos criar e foi doado para uma pessoa que morava num sítio. Certamente foi feliz. E o outro foi o Woody, um schnauzer com cara de lorde inglês que chegou no mesmo ano que a Clara começou a engatinhar. Não foi possível na época, coordenar minha loucura com limpeza junto de um cachorro que fazia xixi e coco por todos os cantinhos do apartamento. Mas tudo bem. Eu já me perdoei por isso.
Mas Chico tinha chegado para ficar.
Fizemos todos uma promessa de que ele ficaria conosco até velhinho. Que superaríamos todas as diversidades para ficar com ele. E no início tudo foi lindo. Claro que ele comeu umas meias, quebrou coisas importantes, mastigou outras tantas que eu amava. Mas ele era filhote e tudo valia a pena por aqueles olhinhos pidões.
Mas Chico foi crescendo, crescendo. E crescendo. E de repente eu me dei conta que aquela fofurinha tinha virado um Gigante Cão Caramelo. A primeira vez que ele tomou uma vacina, o rapaz falou:
– Esse daí tem cruza de Fila.
– Como é que é, meu senhor?
– É! Vira-lata mas tem Fila-Brasileiro no sangue.
Eu voltei para casa e fui pesquisar na internet. Cara de um, focinho do outro. De repente minha vida tinha virado um filme. Eu tinha um desses Caramelos que viraliza no Instagram, meio Scooby Doo, meio Marley. Que legal.
A verdade é que Chico veio para nos ensinar sobre muitas coisas. Paciência. Desapego. Resiliência. Mas, sobretudo, sobre o amor. Cachorros são os maiores professores de amor que existem na natureza. São seres de luz. Talvez até tenham vindo de outras galáxias nos primórdios da humanidade, como sugerem os antigos astronautas.
Porque ele me enlouquece, mas fala com os olhos. É um pentelho, mas me lambe de beijos. Não pára de pedir comida, mas eu também não. Late muito alto, mas entende tudo que a gente fala. De vez em quando faz mal criação. Mas vira a cabecinha de lado quando não entende. Pula na gente, arranha a gente, morde a gente. Mas nos defende de todo e qualquer perigo na rua. E é absolutamente feliz com a ração mediana que damos para ele, com o ossinho que a gente traz de vez em quando e com o potinho de sorvete dele que está sempre cheio de água fresquinha. Fora isso, sai para passear três vezes por dia.
Outro dia perguntei à veterinária dele, Julia Brasileiro, que é amiga de infância da Clara
(que aliás é uma indicação que quero deixar aqui registrada com estrelinhas piscando: obrigada Julia, pelo carinho e competência que cuida do nosso Chicote!)
…se mesmo morando num espaço tão pequeno, ele podia ser feliz. Ela respondeu sorrindo:
– Tia Tati, se o Chico estiver com vocês, ele vai estar feliz. Onde quer que seja.
Eu sei que precisamos contratar um adestrador. Sei que ele não pode ficar tomando calmante para sempre, sei que precisa de um quintal. Mas sei, sobretudo, que estamos fazendo o nosso melhor por ele. Então, que Chico siga conosco, nos bons e maus momentos. Porque ele é um cão, mas a vida é como ela é.
Queria terminar minha crônica de hoje prestando minha profunda solidariedade ao João Fantazzini, tutor do Joca, que ainda está de luto pela perda irreparável que viveu. Minha solidariedade à Roseana Murray, que mesmo tendo sido atacada violentamente por aqueles cachorros da sua vizinhança, iluminou a todos com sua sabedoria de vida e poesia. E por fim, queria prestar minha solidariedade às alminhas daqueles mesmos cachorros que atacaram a poetisa.
Eles com certeza não foram criados com amor, nem com afeto e nem com cuidado nenhum. Que criatura viva que não teve amor, não pode tornar-se um perigo para sociedade?
Qualquer uma.