Comprei um filtro de barro esses dias.
Depois de passar anos sonhando com essa peça de museu, outro dia achei uma loja no centro de Niterói que tinha um com preço ótimo. Trouxe o bichinho para casa com o amor e o cuidado como quem traz um filho recém-parido da maternidade.
Os primeiros dias foi uma história de amor. A gente não parava de se namorar. Era eu passar pela cozinha que queria fazer um carinho nele.
Passada a primeira semana, comecei a perceber que ele era um pouco lento na filtragem. O vendedor tinha me alertado sobre isso, disse que a vela demorava um pouco para ganhar velocidade.
Esperei mais uma semana.
Duas.
Três.
Com um mês de filtro, a paixão começou a virar irritação. As meninas começaram a reclamar de falta de água, eu perdia a conta de quantas vezes já tinha enchido e esvaziado a botija e no frigir dos ovos, estava comprando mais garrafas d’água na padaria do que pão.
Foi quando me deu o clique.
Eu tinha sentado para tomar um café na mesa da cozinha, de tarde, sozinha. E enquanto esperava o café esfriar na xícara, olhei fixamente para o filtro. Com a mesma raiva embotada de antes. Até que o mundo ao meu redor escureceu. E o filtro, sozinho no meu campo de visão, sussurrou o que eu precisava ouvir. E eu entendi. Entendi tudo.
O filtro não era só um filtro. Era um retrato do tempo. Não como uma ampulheta, mas como um velho ancião, um sábio, que chega à vida da gente para nos ensinar lições profundas sobre a existência.
Eu senti vergonha de mim. Da minha pressa, do meu imediatismo, da minha surdez. Aquele filtro tava tentando, há mais de um mês, me ensinar que por mais que eu tente, por mais que eu corra, por mais que eu queira o tempo não vai ser o tempo que eu quero que ele seja. O tempo é do tempo que as coisas precisam para ser. Para existir.
Como a mãe que espera para ver o filho nascer, o arco-íris que espera a chuva cair, uma planta que espera para florescer, um dia que espera a noite chegar, uma lua que espera para mudar, uma maré que espera para encher, uma vela que espera para queimar, um fruto que espera para amadurecer, uma vida que espera para findar.
A gente não tem mais tempo de esperar. A gente quer a vida depressa, a gente quer a vida pronta. Tem microondas para descongelar o feijão. Tem despertador para acordar da ilusão. Tem Waze para cortar o trânsito, tem Whatsapp para encontrar as pessoas, tem Facebook para validar a vida. A gente tem isso tudo, mas tempo, isso a gente não tem mais.
Depois desse dia, passei a olhar para o filtro com uma enorme gratidão. Porque ele estava ali, na minha cozinha, para me lembrar todos os dias, que eu não preciso correr tanto para viver. E que para ser – ser num sentido mais profundo de existir – eu vou precisar mesmo caminhar no contra fluxo do mundo. Mesmo que isso seja difícil. Mesmo que todo mundo me estranhe.
O que está posto não muda. O que muda é o nosso jeito de caminhar. O nosso poder de escolha. Eu escolho por uma vida menos acelerada e mais cheia de sentido. Eu escolho filtrar e deixar para trás tudo aquilo que me não me alimenta e não me faz bem. Eu escolho desacelerar minha corrente sanguínea, meu batimento cardíaco, para simplesmente voltar a ter algum tempo.
Pensar que no dia que comprei o filtro de barro, estava comprando de volta a minha liberdade.
A vida é maravilhosa.