Tempos Sombrios

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Vivemos tempos sombrios.

Olho para a cronologia da existência da humanidade e vejo que em todos os tempos, o homem sempre viveu profundos desafios. Desde a sua experiência como homem das cavernas na Idade Antiga, depois como guerreiro sanguinolento na época das Cruzadas na Idade Média, em seguida como desbravador do mundo nos grandes descobrimentos marítimos da Idade Moderna, chegamos ao que o homem se transformou hoje, na Idade Contemporânea. Um homem perdido dele mesmo.

Vivemos tempos sombrios de guerras veladas e movimentos de destruição em massa. Mas talvez o pior dos nossos tempos seja essa desconexão que o homem vive consigo mesmo. Com aquilo que é mais profundo e sagrado: o seu ser interior.

Essa semana, essa comoção que aconteceu com todo mundo pelo fato do whatsapp ter ficado algumas horas fora do ar me fez pensar no quão adoecidos estamos.

Desde a semana passada eu já tinha ficado sem celular. Essas modernidades são ótimas até a hora que ela pifa. O meu deu problema no touch. Para quem não sabe o “touchscreen” é uma tela sensível ao toque que representa o display eletrônico visual do celular e que é responsável por todos os movimentos e ações da gente dentro do aparelho.

Ficar sem celular esses dias me fez viver um curioso e patético processo de abstinência. Nas primeiras horas eu tive a impressão de cair num vazio silencioso esquisitíssimo. Um oco existencial. De hora em hora eu me lembrava que faltava alguma coisa. Eu sabia que estava sem celular, mas a impressão que eu tinha é que me faltava alguma coisa mais séria. No dia seguinte, eu comecei a sentir sintomas mais profundos da abstinência. Uma ansiedade enorme de pensar que as pessoas podiam estar tentando falar comigo e eu não tinha como responder. Ansiedade de querer falar com as pessoas e não poder. Ansiedade em pensar que as pessoas podiam estar precisando de algo com urgência. Ansiedade de me sentir excluída do mundo. Olha que louco isso. Aí me dei conta que os assuntos mais urgentes, eu podia tentar resolver pelo telefone fixo das pessoas. Mas cara. É surreal. Ninguém mais usa telefone fixo.

Então, os dias começaram a passar. Tive dificuldade de achar um técnico para consertar o aparelho. E a coisa foi se distanciando. Se dissipando. Comecei a esquecer da coisa. E aquela preocupação urgente e desesperada pelo conserto foi dando lugar a um sentimento inédito de liberdade que eu há muito, muito tempo não sentia.

Uau.

Quando a coisa do whatsapp explodiu, eu já estava descolada do sistema e com isso pude observar a coisa de um outro lugar. De uma outra perspectiva. E foi surpreendente. A indignação, a revolta, o desespero das pessoas. Gente, o que é isso? As memes eram engraçadas, mas de alguma forma, retratavam uma verdade assustadora: o nosso grau de dependência da coisa.

Olha, eu gosto de tecnologia. Me divirto com o Facebook, me distraio com o Instagram e agradeço muitíssimo por poder falar sem nenhum custo com as amigas queridas que moram fora do Brasil, mas essa coisa do whatsapp tomou uma proporção muito esquisita. Fora que eu achei muito misterioso isso do aplicativo de ter sido bloqueado para investigação de uma ação criminal. Me pareceu coisa de filme. Sei lá.

O meu celular ainda não voltou do conserto. Mas alguma coisa aconteceu comigo nessa semana sem ele. E agora, eu queria muito entender o que foi. Porque na raiz dessa compreensão mora a chave que eu quero virar para o ano que vem. Em 2016 eu preciso rever meu tempo, as minhas prioridades. Descobrir o que me nutre e o que me suga energia. Entendo que estamos a um passo de um futuro robótico, mas ainda sim somos seres em evolução com potenciais incríveis em nossas mentes e almas. Ainda não somos máquinas e ainda não estamos ligados na tomada. Somos seres sensíveis a um mundo tomado por estímulos cada vez mais sintéticos. Se ainda pudermos sentir o mundo com os nossos sentidos reais, talvez possamos evoluir nossa espécie. Só o que precisamos é estar “ligados” ao nosso centro, ao nosso interior e à nossa sabedoria instintiva mais profunda: aquilo que somos em essência.

Que possamos usufruir da tecnologia, mas sem nos tornarmos reféns dela. Em tempos sombrios, precisamos estar juntos, conscientes, iluminando passo a passo o nosso caminho. Não com as lanternas dos nossos celulares, mas com a luz divina e preciosa que emana da nossa mais profunda consciência.

Os ossos literais do ofício

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Para Mickaela Lindermann

Passamos por muitos enfrentamentos na vida. Mas talvez um dos piores seja ir ao dentista.

Eu não sei direito o que é. Em que lugar de mim esse medo se transformou em bicho cabeludo, mas sei que não estou sozinha nessa estatística. Praticamente todas as pessoas que eu conheço morrem de medo daquela cadeirinha nefasta.

Ontem, depois de desmarcar cinco vezes, resolvi voltar ao meu dentista para reavaliar um canal que não pára de doer. Que parto! Parto para dormir na noite anterior, parto para enfrentar os pensamentos sombrios no café da manhã, parto para conseguir chegar até lá.

Eu já tinha passado pelo processo de autoencorajamento para fazer o canal, desde que descobri que a minha simples cárie tinha se transformado num monstro do Lago Ness. O primeiro canal a gente nunca esquece. Emagreci alguns kilos até o dia da coisa, mas acabei saindo de lá feliz. Com metade do rosto paralisado, mas feliz. A anestesia específica para tratamento de canal é uma porrada. A agulha da injeção tem o comprimento de um lápis, vai até as suas entranhas, mas em compensação paralisa seu maxilar. Eu gosto. Dói para caramba, mas antes essa dor do que aquela dor que você não sabe nunca quando vai doer. Dizem que é esse mesmo o fantasma do dentista. O medo que a gente sente não é o medo da dor em si, mas o medo de uma dor que de fato ainda nem doeu.  Enfim, eu fiz o canal, voltei para casa em estado de alívio letárgico pela coisa enfrentada e dias depois a porcaria do dente voltou a doer. Pronto. A emenda tinha saído pior que o soneto.

Todas as vezes que um sentimento me toma por inteiro – como esse de passar semanas amedrontada por ter que voltar ao dentista e enfrentar o fantasma de um canal que supostamente deveria estar morto – eu tenho o instinto de mergulhar no tal do sentimento para ver se descubro a origem de tanta mobilização emocional. É uma espécie de pesquisa auto biológica. Um dos jeitos que eu encontrei para me aguentar.

Pois bem. Fiz a pesquisa e descobri um bocado de coisas interessantes.

Os dentes são a parte mais dura do nosso corpo. Eles simbolizam em nós tudo que é imutável, rígido e inflexível. Quando alguém morre e todas as características desse ser se perdem por algum acidente, ainda é possível reconhecer a pessoa através de sua arcada dentária.  A dentição fala profundamente de cada um de nós. Sonhar com dentes tem um enorme peso emocional. Significa que a pessoa está passando por um profundo processo de transformação. Os dentes simbolizam a energia instintiva e, ao mesmo tempo o aprisionamento das palavras liberadas pela inconsciente. Eles são a grade da boca, os protetores da língua e os juízes de praticamente todos os nossos pensamentos. Caramba!

Se os dentes tem essa simbologia tão profunda, imagina o que significa mexer nos carinhas. Mexer nos nossos dentes é remexer naquilo que somos em essência. Revolver coisas que estão lá nas entranhas. E isso camaradas, às vezes pode ser muito doloroso. Como é o próprio tratamento de um canal.

Se eu pudesse escolher, todas as vezes que tivesse um problema dentário, pegaria um avião e iria a Joinville tratar dos meus dentes com a Dra. Mickaela Lindermann. A Micka é uma amiga querida, que mora em Santa Catarina e é um anjo em forma de dentista. Ela não se encaixa nas características dos dentistas porque tem uma mão de nuvem, uma voz suave encantada que hipnotiza a gente durante a consulta e para completar tem os olhos azuis mais azuis que eu já vi na vida. Ela obtura as minhas cáries e eu fico com a impressão de que to olhando para o céu! Assim não vale!

Mas o fato é que a Micka não está aqui. E querendo ou não, eu vou precisar enfrentar o bicho cabeludo que está sentado no meu dente. Ontem o dentista mexeu nele até a raiz. Sem anestesia. E não consegue descobrir a origem da minha dor. Próximo passo: uma tomografia computadorizada da face. Fala sério! Acho que vou é ligar para minha terapeuta e tentar descobrir que joça é essa que o meu dente tá querendo me dizer. Se o corpo fala, imagina o que tenta dizer um dente com uma dor fantasma? Acho que essa, nem Freud explica.

Processo Funil

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Arte de Francina LaXisca

É batata! Basta entrar dezembro no calendário que a minha alma começa a querer viver o mesmo ritual de sempre: o processo funil.

Tem coisas que são da gente e por mais que a gente tente, não consegue mudar. Eu sou assim com os rituais. Não consigo sentar para escrever sem acender uma vela, um incenso e pedir à benção do Grande Espírito. Não consigo mais dormir sem agradecer todas as coisas divinas que tenho. Não consigo mais tomar banho sem mentalizar que aquela água me limpa por fora e por dentro. Os rituais nos ajudam a viver. Nos ajudam a integrar sensações, resolver sentimentos. A encarar melhor a insanidade maravilhosa que é viver.

O processo funil também é um ritual. Acho que um jeito maroto que a minha alma encontrou para não se perder. E começa no início do mês para dar tempo de fazer a limpa em todos os setores do organismo e da alma. Tipo um Clean Master da pessoa. Ele vai escaneando todos os meus arquivos internos e vendo o que precisa ser jogado fora. É muito bom. Como se fosse uma retrospectiva da sua vida, só que meio resumido, feito um filme. Parece incrível, mas olhar a vida sob uma perspectiva distanciada nos dá uma noção subjetiva bem interessante das coisas.

Eu gosto muito quando o processo funil começa. Assim como eu adoro começar uma faxina. Sabe aquela energia de arregaçar as mangas para o trabalho? É isso que eu sinto. Claro que cada um vai encontrar o seu próprio mecanismo. Eu por exemplo adoro fazer listas porque elas tem o poder mágico de sintetizar as minhas bagunças internas. Então eu sento e começo a listar tudo que me vem à cabeça. As melhores lembranças do ano, as piores. O que eu quero mudar no ano que vem. O que eu quero fazer nas férias. O que vou mudar na casa. O que de jeito nenhum quero viver mais. Os lugares que quero visitar. Os livros que quero ler.

É preciso olhar e celebrar o que deu certo. Jogar fora o que não deu. Cuidar com afeto aquilo que não foi bem compreendido. Digerir o que ficou entalado. Deixar ir aquilo que não serviu. Ritos de passagem requerem coragem. Não é um processinho fácil não. Às vezes pode ser doloroso e esquisito. Mas muitas vezes pode ser divertido também. O ideal é que a gente se divirta com o processo e encare os fatos com leveza.

No meu pente fino desse ano eu já descobri algumas coisas. Mas a que mais tá me incomodando foi ter descoberto que a grande promessa que eu fiz a mim mesma no ano novo, eu não cumpri. No réveillon de 2014 eu prometi que em 2015 eu faria dança de salão. Eu tenho loucura para voltar a fazer dança de salão. Tá, mas então o que é que aconteceu? Por que eu não consegui? Foi por falta de tempo? Por falta de lugar? Dinheiro? Preguiça? Aiiii. No processo funil nada passa batido.

Eu também não meditei tanto quanto gostaria, não cuidei da minha saúde como deveria. Li bem menos livros do que prometi, fiz bem menos exercício do que precisava. Mas em compensação realizei meu sonho de abrir um site e escrever um texto por semana, trabalhei arduamente pela Escola que amo, cuidei com bravura das minhas filhotas, passei quase cinco meses sem comer açúcar. Dá para lamentar e celebrar com cada coisa vivida.

Mas ainda estamos no dia 06 de dezembro. E eu espero que o processo funil possa me ajudar a afinar tudo que precisa ser transformado para o ano que vem. Todos os campos, todas as camadas, todos os poros do meu ser serão revistos. Porque desejo profundamente acertar mais no próximo ano. Estar mais leve no próximo ano. Estar ainda mais inteira no próximo ano.

Somos seres em construção. Em evolução. Que todos os processos de cada um de nós possa nos levar a apuração do melhor que podemos ser em cada área de nossas vidas. Viver é um grande desafio. Mas viver com consciência pode fazer uma profunda e significativa diferença na nossa existência. A gente só precisa acreditar. E ter coragem para mudar.

Fios brancos na ruivice

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Desde que eu me entendo por gente, eu pinto o cabelo.

Esse sempre foi um artifício para a fuga da mesmice da vida. Mudar fora para ver se dentro a coisa mudava também. Já tive o cabelo de quase todas as cores, apesar de na minha época não existir esses azuis, verdes e roxos lindos que existem hoje. Mas todo o tipo de extravagância que foi possível eu fiz no meu cabelo. Cortes, cores, reflexos, luzes.

Um dia eu encontrei o vermelho.

E o cabelo vermelho passou a ser a minha identidade. Eu costumava dizer para todo mundo que tinha a alma ruiva e isso era verdade. A ruivice me dava uma impressão de dejavú. Ela me fazia lembrar de vidas passadas. De alguma civilização celta ao qual eu tinha pertencido ou de alguma bruxa que eu tinha sido na época da inquisição.

E assim, foram anos experimentando o melhor tom do vermelho. Usei e abusei da henna numa época mais hippie. Virei especialista na coloração na década de 90. Chorei com tintas saindo de linha. Comemorei encontrar tons que me representassem. Me aborreci com pessoas que me acusavam de querer “colocar fogo nas minhas ideias”. Me alegrei em ser seguida na rua para ser questionada sobre que tom maravilhoso era aquele que eu estava usando. Me preocupei com artigos que falavam do perigo do chumbo na tintura vermelha a longo prazo no organismo. Enfim. Foram anos pintando o cabelo por vaidade, não por necessidade.

De uns anos para cá, começaram a surgir os meus primeiros fios de cabelo branco.

E eu pensava: “Tá vendo! Agora mesmo que eu não posso mais de deixar de pintar o cabelo”, como se aqueles fios brancos pudessem finalmente justificar minha subversão.

Mas esse ano tem acontecido uma coisa estranha. Geralmente pinto o cabelo uma vez por mês ou quando os fios já estão muito aparentes. Nas últimas férias eu não quis pintar o cabelo com a desculpa de precisar descansar os fios. Agora já vai entrar o terceiro mês e eu ainda não tive coragem de pintar. E ontem eu descobri o porquê.

Eu estava na frente do espelho tirando minha sobrancelha. Fiozinho por fiozinho. Ah troço chato que é fazer sobrancelha. Quando de repente percebi que na minha franja estavam se juntando muitos, muitos fios brancos. Levei um susto. Larguei a pinça e abri o cabelo com as mãos para ajudar a entender o caso. Não havia como duvidar: ali jazia o meu primeiro tufo de fios brancos. Uau. Perceber aquilo me inundou de uma emoção profunda. Como se pela primeira vez em muitos anos eu estivesse tendo um encontro verdadeiro comigo mesma. Como se naquele pequeno pedaço de DNA estivesse contido todas as últimas duras e fortes experiências que me fizeram envelhecer. Simplesmente envelhecer.

Eu não entendo porque as pessoas tem tanta dificuldade de envelhecer. Envelhecer é uma coisa tão linda. Tão carregada de poesia. Tão digna. Tão verdadeira. Nunca esqueço uma frase da atriz italiana Anna Magnani que li anos atrás que dizia: “Não retoques minhas rugas, eu suplico, porque precisei de muito tempo para ganhá-las”. E é isso. Olho minhas rugas hoje e acho incrível que minha pele esteja enrugando. Claro que ela está enrugando. Estou com 42 anos! É a mesma coisa que digo quando falam da minha barriguinha sexy. Como não ter nenhuma barriga se aqui fecundei e fiz crescer duas criaturas. Só se eu fosse uma daquelas atrizes globais que tem neném e um mês depois estão com a barriga tanquinho de tanto malhar. Sim, se eu malhasse eu poderia não ter a minha barriguinha sexy. Mas malhação, definitivamente, eu já deixei para a minha próxima encarnação.

Mas voltando aos fios brancos.

Talvez haja uma reclamaçãozinha sobre eles. Assim, uma coisa bem pequena. É essa coisa deles nascerem tonhonhoim. Porque será que os cabelos brancos nascem sempre meio frisados, espetados, esquisitos? Será que é de velhice também? Hummm. Se for isso tudo bem. Eu aceito. Mesmo que eles não cheguem com o vigor e beleza suprema dos cabelos jovens e virgens, eu vou amá-los do jeito que são.

Cabelos me fazem lembrar da Clara. A minha filha que tem os mais lindos cachos do mundo – aqueles que eu rezei muito na barriga para que nascessem exatamente do jeito que são. É ela que me ensina com leveza sobre essa dualidade que tenho vivido sobre minha ruivice e minha adorável velhice que vem chegando. Como? Cantando essa música que está embaixo.

É ou não é para morrer de amor?

***

(Esse vídeo é uma animação de Maira Teruko Nisi e a música “Cabelo meu” é cantada por Marina Santana e foi feita especialmente para a campanha da Natura Plant)

Os vizinhos do bloco 13

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Eu tenho um olfato de vampira.

Sou assim desde pequena. Sinto o cheiro da chuva muito antes da chuva chover. Reconheço perfumes de amores antigos em pessoas desconhecidas nas ruas. Percebo de muito longe quando alguma coisa está queimando, ou quando tem algum legume na geladeira querendo estragar. Se tivesse desenvolvido esse dom, poderia ter me tornado uma perfumista ou uma sommelier. Não teria sido nada mal. Dizem que é um dos trabalhos mais bem pagos do mundo: “ser um nariz apurado”. Claro que esse dom tem os dois lados da moeda. A parte boa é ser feliz por reconhecer de longe um bolo assando num fim da tarde, e a parte terrível é sentar ao lado de alguém no metrô e perceber que, mesmo de boca fechada, a pessoa tem um bafo de bode.

Mas enfim.

A questão é que desde que me mudei para o bloco 13 do meu condomínio, tenho sofrido muito ao entrar e sair do prédio. Todos os dias vivo um martírio sem fim. Porque eu não sei o que acontece, mas me parece que nesse bloco estão reunidos todos os Chefs Gourmets do Bosque de Pendotiba. É sério. Eles são os reis da culinária afetiva. Não há uma só vez que eu entre no bloco e não precise parar, antes de pegar o elevador, para tentar identificar a maravilha que está sendo preparada numa daquelas cozinhas. O cheiro é tão bom, tão bom, que me dá vontade de chorar. Ou bater na casa de um dos vizinhos e dizer que esse tipo de coisa deveria ser proibida no estatuto do condomínio.

A impressão que me dá é que lá dentro estão sendo preparados verdadeiros banquetes. Que numa das cozinhas deve ter uma Babette preparando uma festa para seus convidados. São sopas apetitosas. Assados, bolos, pudins. Molhos fumegantes. Odores encharcados de temperos, ervas, azeites. Comidas feitas com amor, daquelas que só são feitas em casas felizes. Um cheiro pode falar muito sobre uma casa. Ele pode ser a condensação de um pequeno universo. O resumo de um lar. A essência de uma família. Casas cheirosas são o retrato da harmonia. Do feng shui que deu certo.

Meus vizinhos do bloco 13 devem ser pessoas incríveis. Só podem ser. Acho que qualquer dia vou tomar coragem e me convidar para jantar. Tentar trocar um prato de comida por uma poesia. Será que alguém aceita?

Ahhh. Tomara meu Deus. Tomara.

 

Para quem não viu esse filme, dica imperdível:
A FESTA DE BABETTE

Carta ao Dinheiro

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Eu queria muito entender por que tem certos assuntos que são tão difíceis de serem compreendidos. Eu sei, por exemplo, que cada um de nós está num estágio na escala de evolução espiritual e que isso certamente nos dá mais ou menos condição de compreender qualquer coisa. Sei também que para compreender determinados assuntos, precisamos levar em consideração não só as ações que cometemos nessa vida como também as ações que cometemos em outras vidas e isso é um pouco de sacanagem, já que definitivamente não temos como mensurar as coisas que fizemos lá para trás. Mas enfim, na totalidade do que é possível nesse momento da minha caminhada, me debruço com um pouco mais de coragem para escrever sobre dinheiro para ver se alguma forma eu desfaço esse nó de marinheiro que é esse assunto dentro de mim.

Tenho 42 anos e dentro dos parâmetros de uma sociedade capitalista, acho que não posso ser considerada uma pessoa bem-sucedida financeiramente. Sou atriz por formação, professora por vocação e nunca, nunca chego ao fim do mês com todas as contas pagas. Tenho um monte de dívidas, o nome mais sujo que pau de galinheiro, nenhuma poupança, nenhuma herança em vista e nenhuma perspectiva de mudança morando num país onde a crise financeira é absurda. Mas de todas essas afirmações talvez a mais grave e complexa seja a que vou dizer agora: tudo que se refere a dinheiro para mim tem uma névoa sombria e esquisita que não me faz conseguir ter clareza sobre o real valor que ele possui.

Vivo numa gangorra de sentimentos antagônicos em relação ao dinheiro. E por mais que trabalhe muito isso na terapia, não há São Francisco de Assis que me faça compreender o que há por baixo de tanta dificuldade em lidar com algo. No quebra-cabeça da vida, vejo todas as peças que se referem a ele espalhadas e nunca consigo encaixá-las, porque no fundo, no mais profundo da minha alma, não consigo encontrar muito sentido no desequilíbrio que ele causa no mundo.

Voltando no tempo, cresci numa atmosfera lúdica maravilhosa. Não fui uma criança rica, mas tive tudo do bom e do melhor. Morei em casas confortáveis e felizes, estudei em boas escolas e só não ganhava presente no Dia das Crianças porque meus pais não concordavam com o golpe comercial da coisa. Aos sete anos, meus pais faliram. Falir significa não ter mais como cumprir com as obrigações financeiras. Eles se separaram e eu fui morar com minha mãe e minha irmã num apartamentinho pequenininho que era da minha avó, no Jardim Botânico. Sinceramente, nada cruel. Saí de uma mega escola alternativa em Santa Tereza para estudar numa escola pública lá perto de casa. Foram os melhores anos escolares da minha vida. Me lembro como se fosse hoje a angústia que me causava estudar no CEAT e não suportar a arrogância das minhas amigas ricas. Todas elas já tinham ido à Disney milhões de vezes, tinham motorista e moravam em mansões. E me humilhavam por minha mísera e pobre coleção de papéis de carta. Quando cheguei ao Camilo Castelo Branco, a tal escola pública, eu era a menina rica que tinha uma linda coleção de papéis de carta. Nunca vou esquecer a sensação de sentido que tive no dia que decidi dividir minha coleção com as minhas novas amigas. Foi um dos momentos mais incríveis que já vivi. O brilho nos olhos de cada uma, a gratidão pelo meu gesto. Foi assim que comecei a minha formação interna de valor.

Morei com a minha mãe até os 28 anos. Até então nunca tinha me preocupado em pagar nenhuma conta. Ela fazia das tripas coração para sustentar o meu sonho de ser atriz. Investia em mim como quem investe no próprio sonho. E eu, trabalhava muito, mas amava tanto o que fazia que não me importava saber o quanto eu ia ganhar em cada trabalho. Essa era a minha última preocupação. Geralmente eu ganhava uma merreca por peça. Só conseguia pagar minhas passagens de ônibus e tomar um suquinho na esquina. Mas eu estava tão feliz que me conformava com a dura realidade de uma jovem atriz brasileira. Minha única opção mais concreta de receber um bom salário era me render a trabalhar na Rede Globo de Televisão e essa era a última coisa que eu queria fazer.

Os anos foram passando. Um belo dia resolvi casar com um belo rapaz que era o meu vizinho. Marcelo era trabalhador e tinha uma carreira promissora dentro da área que trabalhava. Tinha uma facilidade incrível de fazer dinheiro e era muito competente. Casei e três meses depois engravidei. Larguei o teatro e passei a me dedicar inteiramente à maternidade. No fundo, tinha pulado dos braços de sustentação da minha mãe para os braços de sustentação do marido. E assim, seguia alheia à compreensão e ao contato real com o mundo do dinheiro.

Meu casamento durou sete anos, depois de cinco de namoro. Em 2009, com exatamente 36 anos, pela primeira vez na vida, me vi precisando enfrentar o mundo real das contas e a necessidade de trabalhar para me sustentar. Foi um desastre. Passei anos me descabelando. Porque apesar de ter uma pensão generosa do meu ex-marido, eu não sabia lidar com o dinheiro.

E até não sei direito. Hoje tenho minha planilha de gastos no computador, uma pasta toda organizada com as contas da casa, faço mil cambalhotas para puxar daqui, puxar de lá. Mas nem com todas as acrobacias, não consigo me livrar das dívidas. Deve ser porque ainda estou engatinhando no meu aprendizado de vida real. Não sei. Alguns me acusam de ser perdulária. Olha que palavra horrível que é essa. No início eu me ofendia muito. E por isso fui estudar a fundo o significado do palavrão. Ser perdulária significa ser esbanjadora. Gastadora. Mas também significa ter desapego ao dinheiro. Ser pródiga. E ser pródiga possui um outro belo e muito precioso significado para mim: ser aquele que distribui algo com generosidade e liberdade. Uau.

Por isso é o que eu digo: as coisas precisam ser contextualizadas para serem compreendidas. Depois de toda essa história aí, até dá para entender porque eu ainda não sou uma pessoa de pleno sucesso financeiro. A terapia me trouxe a consciência do fato. Tá. Mas e aí?

E aí que Deus é testemunha que eu tenho tentado transformar essa relação. Já fiz curso de prosperidade, ho’oponopono pedindo perdão pelas falhas passadas com o mau uso do dinheiro, reprogramação neurolinguística, mas sinceramente que nada parece adiantar muito. E o pior: todos, absolutamente todos os mapas astrais que já fiz na minha vida, dizem que eu tenho uma conjuntura mágica para fazer dinheiro através das minhas mãos. Como assim? Então tá faltando alguma peça nesse quebra-cabeça.

A grande verdade é que esse conceito de prosperidade e abundância é muito relativo. Porque no fundo no fundo eu me sinto uma pessoa muito privilegiada. Imagina: eu tenho uma saúde abundante, duas filhas perfeitas e também 100% saudáveis. Uma família que me apoia incondicionalmente, um emprego divertido e que me dá liberdade de sonhar. Moro num apartamento pequeno, mas delicioso num condomínio aconchegante num dos bairros mais verdes de Niterói. Trabalho a cinco minutos da minha casa. Tenho um carro vermelho, dois gatos de revista, uma mente criativa e já viajei cinco vezes para o exterior sem nunca ter planejado nenhuma dessas viagens. Será que isso não é ser próspera?

Sei lá. Gosto muito daquela frase do Bukowski que diz: “quanto menos preciso melhor me sinto.” Eu queria ter um espírito 100% franciscano e não precisar mesmo de nada para viver nem ser feliz. Mas essa coisa de ser taurina é que me lascou a vida. A pessoa não tem um centavo na conta, mas ama tomar um bom vinho com gorgonzola, adora almoçar fora no domingo, ama ver peças de teatro, frequentar cinemas, livrarias, papelarias, museus, comprar umas batas indianas, uns perfumes exóticos, cremes da Victoria’s Secret. Gosta mais do que tudo de conhecer lugares novos e por isso sonha com um cartão de crédito sem limites para um dia colocar uma mochila nas costas e ir conhecer o mundo antes de voltar para as estrelas. Taí. Eu queria ter dinheiro só para realizar esse sonho. Conhecer o mundo. Se eu conseguir isso um dia, essa minha encarnação terá sido perfeita.

Posso escrever muitas e muitas páginas sobre esse assunto que a coisa parece que não se esgota. E o pior: aquela peça chave que faltava para entender o que está faltando na minha vida para que o dinheiro entre de forma abundante, eu ainda não descobri qual é. Vou seguir caminhando. Talvez não seja nessa vida que eu vá entender o dinheiro. Talvez não seja nessa vida que eu vá andar de balão na Capadócia. Tudo bem. Numa outra encarnação eu chego lá.

Uma Carta de Amor

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Para Jonatan Agra 

Meu amado e admirável amigo,

Foi numa curva da vida que eu te conheci.
Num tropeço do destino, numa dessas armadilhas que reconfiguram a nossa estrada.
Não demorei muito para perceber o encanto.
A vida tem dessas coisas.
Ela é uma sucessão ininterrupta de surpresas lindas e aterrorizantes.
Te conheci para te reconhecer.
Mas esses últimos meses ao teu lado tem sido tão sublimes,
que ficou insuportável não escrever.

Vivemos os dias na eterna lembrança do que fomos.
E você diz finalmente ter lembrado de onde nos conhecemos.
“Da fogueira, minha querida. Nos conhecemos de outras vidas”
Acredito. Mas vou além.
Nos conhecemos de um lugar também muito profundo em nós.
Um lugar que habita a minha e a sua alma.
Um observatório que temos no centro do peito.
De onde contemplamos a vida e o lado de dentro de todas as coisas.
Tu e eu temos a mesma lente.
A mesma janela. O mesmo filtro.

E assim, nesse espelhamento deslumbrado, seguimos vivendo nossos dias.
O dia-a-dia contigo é um eterno achado de tesouros no fundo do mar.
Não há segundo desperdiçado.
Não há gesto esvaziado.
Não há suspiro que não seja justificado.
Você transpira emoção, razão e poesia.
Amor, arte e verdade.
Te assisto como quem assiste um milagre.
Um artista nas vísceras, uma criatura excêntrica, um ancião no tempo acelerado do mundo.
Há uma pureza em ti que me emociona.
Há uma crença no mundo em ti que me emociona.
Há uma esperança em ti que me emociona.

Meus olhos andaram fechados de cansaço.
O mundo me assusta.
Os seres humanos me assustam.
Mas algo muito puro emerge de teu coração, querido amigo, e esse algo tem me trazido de volta o frescor de um tempo perdido.
E eu me reconheço nesse frescor.
Sim, eu estou lá. Eu estou aqui.
Eu sou isso que você transpira.
Eu sou esse deslumbre.
Esse entusiasmo. Essa paixão.
Eu estou viva de novo e por tua causa.

Te agradeço amigo querido.
Todo o suporte diário.
Todos os abraços reequilibrantes.
Todas as coincidências.
Todos os olhares cúmplices.
Todos os insights, todas as gargalhadas que temos dado nas delícias e dores dessa rotina que você não permite que nos massacre.
Te agradeço os ensinamentos implícitos.
Os olhares que me compreendem mudos.
As palavras de amor e a troca de todos os instantes vividos.

Não levarei do mundo nada que não seja o amor que vivi com as pessoas que pude amar.
Te levo e te levarei comigo, num agradecimento interno e profundo.
Obrigada por extrair sempre o que há de melhor em mim.
Reencontrar uma alma-irmã é uma dádiva para poucos.
Devemos merecer isso minha Bruxa.
Devemos merecer.

Que o nosso amor seja eterno, até a próxima vida.
Que eu possa ter a sorte de te reencontrar sempre.
E que para sempre também possamos somar esse extraordinário e ordinário que há em nós.
Que possamos nos dividir e nos multiplicar.
E, sobretudo, que possamos sempre nos compreender.

Eu te amo, Jo.

Da sua sempre,
Tatiana

P.S. Obrigada por ter me apresentado Ludovico Einaudi. Sem dúvida, é a música da nossa alma.

O Poder Avassalador de um Abracinho

Abraço mágico de Gisele Magalhães - minha irmã.

Abraço mágico de Gisele Magalhães – minha irmã.

Minhas filhas são criaturas estranhas. De vez em quando, elas parecem seres de outro mundo. Claro que elas são muito chatinhas também. Todos nós somos. Mas tenho assistido atitudes nelas surpreendentes nesses últimos anos. Esse tal desse amor incondicional que a gente ama os nossos filhos deve fazer alguma mágica. Pelo menos nas minhas, está fazendo.

Outro dia Clara me abraçou depois de um berro que eu dei com a Catarina. Foi uma das coisas mais bonitas que eu já vivi com ela. Eu gritei, ela veio na minha direção, olhou fundo nos meus olhos e me abraçou. E no abraço, ela ficou respirando fundo, como se quisesse que eu a acompanhasse na respiração. Foi inacreditável. Minha impaciência foi se dissipando, a raiva foi indo embora. Quando me dei conta, estava imersa num manto de amor que ela me cobriu.

Na mesma hora me lembrei do vídeo sobre o abraço que já tinha mostrado para elas no Youtube.

Puxa vida. Quanta coisa a gente aprende e esquece que aprendeu.

Mas essa coisa do abraço tem um poder muito esquisito mesmo. Depois daquele dia com a Clara resolvi experimentar a vivência com os meus alunos. E foi incrível também. Quando eles estão nervosos, ou impacientes, ou desestruturados com alguma coisa que tenha acontecido, eu pergunto com todo o carinho: “você quer um abracinho?”. A resposta é sempre a mesma: sim. E ali, naquele encontro de peitos, chacras e corações, as energias entram numa mesma vibração e tudo o que estava caótico, entra em harmonia. Eles se acalmam e voltam para um centro de alegria lindo de ver. É impressionante.

Bom, se o abraço não fosse mesmo uma forma mágica de tocar as pessoas, a Amma não teria tantos discípulos como tem hoje. Para quem não conhece, Amma é uma guru indiana que transforma multidões apenas com o poder de seu abraço. Minha mãe recebeu um abraço dela quando ela veio ao Brasil e disse que ele tem uma potência astronômica e que não dá para explicar o que é.

Minha mãe me ensinou a abraçar desde muito pequenininha. Ela dizia que duas coisas demonstravam muito sobre o caráter de uma pessoa: o aperto de mão e o abraço. O aperto de mão precisa ser firme. A firmeza nesse ato vai falar da sua firmeza na vida. Não tem nada que me dê mais nervoso do que apertar a mão de alguém e esse encaixe ser molinho porque a mão do outro já veio molenga para sua. Ai! Caramba. É horrível. A mesma coisa é o abraço. Tem muita gente que tem medo de abraçar. Medo de encostar o corpo. Medo de encostar os sexos eu acho. Mas quando a gente encontra uma pessoa que sabe abraçar, nossa. É um oásis. Um Sol na Terra.

Tem uns abraços que recarregam a nossa bateria em segundos. Como o abraço das minhas pequenas. Já ensinei para elas o lance do aperto de mão. E do abraço. Ainda bem. O que seria de mim se não tivesse as duas para me lembrar das coisas que insisto em esquecer?

 

Mecanismo de Salvação

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Na caminhada da vida, de vez em quando a gente precisa inventar uns mecanismos de salvação.

Uns botes que te salvem de redemoinhos, umas âncoras que te impeçam de sair voando pela atmosfera, umas máscaras de oxigênio que caiam automaticamente do nosso pai Céu.

Eu tenho algumas cartas na manga, mas atualmente a que mais tem surtido efeito nos meus dias de surto, é a meditação.

No inicio da jornada eu sofria muito só de ouvir a palavra “meditação”. Porque eu queria muito meditar, porque eu entendia perfeitamente o quanto aquilo podia ser maravilhoso para mim, mas era só eu me sentar para meditar que a ansiedade vinha a galope. Eu ficava numa luta incessante com os pensamentos. Suava frio. Respirava. Espantava o pensamento. Recomeçava. Respirava fundo. Respirava de novo. Ficava tonta de tanto respirar. Voltava a tentar. Depois de dez minutos eu desistia exausta e frustrada da minha categórica incompetência oriental de esvaziar a mente.

Mas os anos foram passando. E eu fui entendendo, com calma e um pouco mais de serenidade, que meditar está muito mais na intenção do ato que o ato em si. E que a grande sacada é o seu movimento interno de querer se aquietar. Pronto. Isso já é meditação.

O mundo por aí anda de arrepiar. Essa semana eu vivi um das semanas mais cansativas no trabalho de todos os tempos. As meninas andam agitadas, eu ando agitada, a vizinhança anda agitada. A rua anda frenética, as pessoas andam histéricas e a impressão que me dá é que a qualquer momento, algum de nós vai ter um colapso.

Eu desejei meditar todos os dias.

Desejei o estado da coisa. Desejei o ritual que antecede a minha meditação. Aquela coisa deliciosa de acender a vela, o incenso na vela, a minha alma na vela. Mas o ritmo era tão sobrenatural, que antes mesmo de querer qualquer harmonização com o meu ser interior, eu desmaiava na cama, exausta de ser.

Hoje, pela primeira vez sozinha e em silêncio depois de muitos dias em desequilíbrio, aquietei minha mente e meu coração ouvindo um mantra e a impressão que me deu, é que eu redescobri um lugar em mim onde é só quietude. Equilíbrio. Esperança. Um lugar onde as coisas estão onde deveriam estar. Onde o mundo não é uma guerra, mas um paraíso. Onde a vida corre como um rio sereno, aceitando as pedrinhas que estão no caminho – porque assim é a vida, uma sucessão de pedrinhas no caminho – aprendendo simplesmente a desviar delas com sabedoria.

O desafio é conseguir trazer isso para o nosso dia-a-dia. E vivenciar esse lugar de plenitude pelo menos uma vez a cada 24 horas. Porque a gente precisa desse esvaziamento. A gente precisa esvaziar para encher de novo. Precisa digerir para conseguir se alimentar de novo.

Minha vida tem sido um safári. Termino meus dias não com a impressão de ter matado um leão, mas uma manada deles e isso é irracional. Desumano. Enlouquecedor. Mas como não posso – nesse momento – mudar a configuração de fora, então preciso mudar a de dentro. Porque não quero entrar em colapso. E para isso, não posso levar para a cama todos os conflitos, discussões, problemas e vivências que passei ao longo do dia. Não posso.

Eu entendi que meditar é um mecanismo de salvação. Agora o desafio é inventar um mecanismo para conseguir acessar esse mecanismo todos os dias. Alguém aí tem alguma ideia?

Esse magnífico vídeo tem imagens da Terra hipnotizantes.

https://www.youtube.com/watch?v=19nm5_nAwQg

Olhar essas imagens e ouvir essa música com total entrega é uma espécie de meditação.

Alguém aceita vir comigo?

O Jequitibá e o tempo

Foto de Irene Monteiro

Foto de Irene Monteiro

Outro dia vivi uma experiência extraordinária.

Eu tinha viajado com a minha família para o Sítio São José, em Cachoeira de Macacu e minha mãe cismou que eu precisava conhecer uma árvore.

Minha mãe é esse tipo de pessoa que quando cisma com alguma coisa, essa coisa vai precisar da nossa atenção porque algo inesperado pode acontecer.

Pois bem. Lá fomos nós: minha mãe, John, as pequenas e eu para o Parque Estadual dos Três Bicos, onde morava a tal da árvore.

Caminhamos uns dez minutos num trilha deliciosa, das minhas preferidas: bem úmida, fechada, com milhões de texturas e cores de folhas, um cheiro de terra inebriante. Passamos por cavernas de pedras, raízes esculturais, várias espécies de borboletas. De repente, numa clareira, eu vi a árvore.

Levei um susto.

Fiquei olhando para ela em choque como se tivesse visto um fantasma.

A árvore era nada mais nada menos que um Jequitibá-rosa de 40 metros de altura e um tronco com um diâmetro de mais ou menos sete metros. Um gigante em meio àquela floresta.

Mas de todas as coisas que aquela árvore me despertou naquele dia, talvez a mais arrepiante de todas tenha sido pensar que ela está ali há mais de mil anos.

Gente. Mil anos.

Pensem comigo. Quando Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil, essa árvore já estava ali há 500 anos. Eu não sei para vocês, mas para mim é uma piração imaginar uma coisa dessas.

Bom, naquele dia, quando eu consegui chegar pertinho do tronco, a primeira coisa que me veio ao coração foi a necessidade profunda de me deitar aos pés daquela divindade e reverenciar sua ancestralidade e sabedoria. Depois me levantei e abri os braços para abraça-la quando percebi que Clara e Catarina já estavam abraçadas a ela de olhos fechados há um tempão. Minhas filhas-fadas. Que orgulho meu Deus.

Passamos ali um tempo mágico. Ninguém queria ir embora. Ninguém conseguia acreditar no que via. A presença do Jequitibá era tão forte que a impressão que me dava é que a gente podia senti-lo respirando.

Parece que no Parque Estadual do Vassununga, em Santa Rita do Passa Quatro em São Paulo, tem o maior e mais antigo Jequitibá-rosa vivo no Brasil. Ele tem 3.032 anos de idade. Será que isso é possível?

Mas desde o dia que eu estive na presença do Jequitibá, não consigo parar de pensar nele. Fecho os olhos, coloco na palma das mãos o pedaço de tronco que encontrei dele no chão (esse da foto) e me conecto a alma daquele ser de uma forma estranha e mágica.

Desde pequena sou uma viajante do tempo. Perdi a conta da quantidade de vezes que fui ao Centro do Rio e fechei os olhos, sentada num banco de praça e me imaginei voltando no tempo. Eu abria os olhos e via os bondes, as pessoas elegantes vestidas passeando com seus chapéus, via Machado de Assis escrevendo no Café da esquina. Quantas vezes me vi na praia imaginando o tempo em que essa terra era somente habitada por índios!

Eu acho que não sou do meu tempo. Sempre tive uma sensação física de estar fora dele. O dia que Woody Allen fez “Meia Noite em Paris” enlouqueci. Aquele filme me representa! Mesmo a moça que morava no tempo antigo que ele visita, sonhava em viajar no tempo ainda mais antigo do que o dela, achando que somente aquele tempo deveria ser legal. Minha cara.

Para o futuro nunca me projetei. Até porque a minha cultura cinematográfica me impede de desejar o futuro. Quem viu “Blade Runner” sabe do que eu estou falando.

Mas a verdade é que eu estou sempre pensando no tempo. E aquele Jequitibá me atiçou isso de novo.

Pensando no tempo. E nas dobras do tempo. E nas possíveis dimensões que o tempo nos traz.  Quem me dera ter capacidade mental de estudar a fundo a física quântica. Isso sim deve fazer uma pessoa pirar o cabeção. Na física quântica a realidade é comprovadamente relativa. E o tempo não existe como o compreendemos.

Quem sabe essa paixão toda por essa árvore não se justifique porque eu fui uma indiazinha que presenciou o início do crescimento desse Jequitibá há mil anos atrás? Hein? Quem sabe?

Ah Tatiana, isso aí, só o Grande Espírito sabe. Mais ninguém.