Vivemos tempos sombrios.
Olho para a cronologia da existência da humanidade e vejo que em todos os tempos, o homem sempre viveu profundos desafios. Desde a sua experiência como homem das cavernas na Idade Antiga, depois como guerreiro sanguinolento na época das Cruzadas na Idade Média, em seguida como desbravador do mundo nos grandes descobrimentos marítimos da Idade Moderna, chegamos ao que o homem se transformou hoje, na Idade Contemporânea. Um homem perdido dele mesmo.
Vivemos tempos sombrios de guerras veladas e movimentos de destruição em massa. Mas talvez o pior dos nossos tempos seja essa desconexão que o homem vive consigo mesmo. Com aquilo que é mais profundo e sagrado: o seu ser interior.
Essa semana, essa comoção que aconteceu com todo mundo pelo fato do whatsapp ter ficado algumas horas fora do ar me fez pensar no quão adoecidos estamos.
Desde a semana passada eu já tinha ficado sem celular. Essas modernidades são ótimas até a hora que ela pifa. O meu deu problema no touch. Para quem não sabe o “touchscreen” é uma tela sensível ao toque que representa o display eletrônico visual do celular e que é responsável por todos os movimentos e ações da gente dentro do aparelho.
Ficar sem celular esses dias me fez viver um curioso e patético processo de abstinência. Nas primeiras horas eu tive a impressão de cair num vazio silencioso esquisitíssimo. Um oco existencial. De hora em hora eu me lembrava que faltava alguma coisa. Eu sabia que estava sem celular, mas a impressão que eu tinha é que me faltava alguma coisa mais séria. No dia seguinte, eu comecei a sentir sintomas mais profundos da abstinência. Uma ansiedade enorme de pensar que as pessoas podiam estar tentando falar comigo e eu não tinha como responder. Ansiedade de querer falar com as pessoas e não poder. Ansiedade em pensar que as pessoas podiam estar precisando de algo com urgência. Ansiedade de me sentir excluída do mundo. Olha que louco isso. Aí me dei conta que os assuntos mais urgentes, eu podia tentar resolver pelo telefone fixo das pessoas. Mas cara. É surreal. Ninguém mais usa telefone fixo.
Então, os dias começaram a passar. Tive dificuldade de achar um técnico para consertar o aparelho. E a coisa foi se distanciando. Se dissipando. Comecei a esquecer da coisa. E aquela preocupação urgente e desesperada pelo conserto foi dando lugar a um sentimento inédito de liberdade que eu há muito, muito tempo não sentia.
Uau.
Quando a coisa do whatsapp explodiu, eu já estava descolada do sistema e com isso pude observar a coisa de um outro lugar. De uma outra perspectiva. E foi surpreendente. A indignação, a revolta, o desespero das pessoas. Gente, o que é isso? As memes eram engraçadas, mas de alguma forma, retratavam uma verdade assustadora: o nosso grau de dependência da coisa.
Olha, eu gosto de tecnologia. Me divirto com o Facebook, me distraio com o Instagram e agradeço muitíssimo por poder falar sem nenhum custo com as amigas queridas que moram fora do Brasil, mas essa coisa do whatsapp tomou uma proporção muito esquisita. Fora que eu achei muito misterioso isso do aplicativo de ter sido bloqueado para investigação de uma ação criminal. Me pareceu coisa de filme. Sei lá.
O meu celular ainda não voltou do conserto. Mas alguma coisa aconteceu comigo nessa semana sem ele. E agora, eu queria muito entender o que foi. Porque na raiz dessa compreensão mora a chave que eu quero virar para o ano que vem. Em 2016 eu preciso rever meu tempo, as minhas prioridades. Descobrir o que me nutre e o que me suga energia. Entendo que estamos a um passo de um futuro robótico, mas ainda sim somos seres em evolução com potenciais incríveis em nossas mentes e almas. Ainda não somos máquinas e ainda não estamos ligados na tomada. Somos seres sensíveis a um mundo tomado por estímulos cada vez mais sintéticos. Se ainda pudermos sentir o mundo com os nossos sentidos reais, talvez possamos evoluir nossa espécie. Só o que precisamos é estar “ligados” ao nosso centro, ao nosso interior e à nossa sabedoria instintiva mais profunda: aquilo que somos em essência.
Que possamos usufruir da tecnologia, mas sem nos tornarmos reféns dela. Em tempos sombrios, precisamos estar juntos, conscientes, iluminando passo a passo o nosso caminho. Não com as lanternas dos nossos celulares, mas com a luz divina e preciosa que emana da nossa mais profunda consciência.