Nos últimos anos eu tenho sofrido de um mal terrível.
Uma ânsia desesperada pela natureza. É um sentimento tão forte que chega a me dar uma dor no peito. Mas eu sei que essa sofreguidão pelo verde vem de lá dos recôncavos da minha infância.
Durante os meus primeiros anos de vida morei numa casa em Teresópolis cercada de mato por todos os lados. O Solar do Aveiro ficava bem no meio de um vale e parecia um pouco com o Condado dos Hobbits de Senhor dos Anéis. Aquele lugar perfeito onde a vida parecia ter sido feita só para as partes felizes de um filme bom.
Minha relação com a natureza era visceral. Eu e ela éramos um só organismo. Andava pelos morros e riachos como se tivesse nascido daquela própria terra. Não tinha medo dos bichos, vivia entre vagalumes e borboletas e sapos como se eles fossem meus melhores amigos. Colecionava flores, frutinhas e folhas como se elas fossem um tesouro perdido. Sempre fui louca pela infinidade de verdes e texturas que as folhas escondem. Até hoje isso me emociona. Adorava fazer arte com elas! Era minha brincadeira preferida. No final, jogava tudo nas panelinhas e fazia uma sopa nutritiva e colorida para as bonecas. Tive uma infância mágica. Nada do que possa ter acontecido de ruim naqueles anos, pode apagar as lembranças do que fui naqueles tempos. Minha potência estava toda ali. Misturada a uma poesia que eu nem sabia que existia, mas já fazia parte do mais profundo do meu ser.
Se eu pudesse resumir minha existência num único instante, voltaria à varanda da minha casa no Vale São Fernando, nos finais de tarde que caiam as tempestades mais lindas de verão. E eu ficava por horas a fio, ouvindo minha avó Luzia tocar piano, enquanto via a chuva e os trovões caírem nas colinas do Vale. Se minha vida tivesse terminado ali, eu teria sido imensamente feliz.
Mas a verdade é que eu cresci e precisei me mudar para a cidade grande. Dessas coisas que acontecem nas nossas histórias e a gente não tem como escapar. Meu destino me levou para a cidade do Rio de Janeiro, depois me trouxe para Niterói e é aqui que tenho vivido desde então. Nesse centro urbano esquisitíssimo que abriga ruas, calçadas, bueiros, prédios, postes, fios, lixo. Pessoas andando de um lado para o outro, morrendo de pressa e angústia por não poder mais existir com nenhuma calma. Morando em seus apartamentos apertadíssimos sem nenhuma árvore ou a lembrança de qualquer coisa boa que um dia foi chamado de natureza. Nossa. Eu nunca me acostumei com a cidade. Não vejo nenhum sentido nos grandes centros urbanos. O gás carbônico, os ônibus, os carros, as buzinas, o trânsito, a poluição visual, a sujeira, a pressa mal educada das pessoas e seus compromissos importantíssimos que as tornam meio cegas, meio robôs. Alguém me diz se é possível encontrar equilíbrio num lugar que foi totalmente atropelado pelo cinza e pela urgência cosmopolita de existir?
É, eu preciso encontrar um jeito de voltar pro mato. Preciso parar de chorar quando ouço os passarinhos no Youtube. Ou quando passo por uma floricultura. Ou quando chove. Ou quando depois da chuva, um arco-íris aparece no céu. Isso não tem mais sentido nenhum. Assim como virar essa velhinha rabugenta que só reclama das coisas. Isso também não tá nada bom.
Outro dia fui ver o mar. Taí uma coisa que tem sido bem terapêutica para mim. Passar um tempo conversando com a minha Avó Oceano tem me feito muito bem. Ela tem aconselhado a buscar de volta um lugar no mato para morar. Uma casinha de madeira onde eu possa escrever e existir sem pressa. Um lugar que eu possa plantar umas coisas para comer, ouvir os grilos a noite, um galo cantar no nascer do dia. Um lugar onde eu possa voltar a conversar com sapos e vagalumes. Onde o ar seja fresco e as coisas do mundo não me maltratem tanto mais. Um lugar onde o tempo volte a correr no tempo que as coisas têm. Eu preciso fazer isso por mim e por essa lembrança doce do que já fui um dia. A “Tatianinha” que mora em mim vai adorar. É dentro dela que eu quero envelhecer. Dentro dela, integrada à natureza, como um musguinho verde que cresceu num tronco de árvore e vai permanecer ali até o fim dos tempos. Que o Grande Espírito me permita partir assim…
A Tatianinha vai servir uma xícara de café pra Biazinha e juntas na varanda elas vão parar pra ver o tempo dos passarinhos indo dormir por entre os galhos, das folhas que dançam com o vento enquanto caem, dos aromas das flores que esperam o último feixe de luz pra inebriar aquelas que sentam e apreciam a mudança de luz e perfume da natureza. Mais que memória afetiva, querida, é memória de nossa conexão com tudo mais que é vivo, que nos nutre. Ainda bem que não esquecemos! <3
Íntegro… trazendo a tona um desejo visceral de um tempo que não passou…a busca aponta que o que procura repousa bem aí….dentro…num jardim secreto!
Vc é uma de minhas escritoras preferidas!
Amo ler vc!
Catita, minha amiga tão querida… que possamos nos encontrar sempre nesses jardins secretos que habitam nossas almas! Amo ter vc!
Biazinha… como é bom ler você também amiga querida… seguimos juntas até ficarmos bem velhinhas… te amo!
Tão agudo, mas tão agudo, que nem sei fazer comentários aqui, agora! Deixo só o registro de que esta ânsia, que a mim também arrebata, me leva a um lugar em mim onde ansiar já não cabe e onde só o caminhar na parte mais arborizada do meu ser ainda pode viver o sonho.
Tati, tô chorando uma cachoeira aqui. Que lindeza de texto! Você me traduziu tão perfeitamente neste momento… e mais… eu passei o final da infância e inicio da adolescência em Teresópolis também, e o seu texto me jogou direto pra esse lugar e pra essa época da minha vida. Mexeu com tudo aqui dentro. No momento que eu estou vivendo, veio como um presente pro meu coração cheinho dessa ânsia por natureza. bjs