Um dia fui numa mãe de santo que me disse assim:
“Fia, suncê tem que escrever com humor.”
Torci o nariz. Humor? Mas essa preta velha incorporada nessa moça bonita acha o quê hein? Que é todo dia que a gente tá para alegria? Só consigo escrever com humor ou quando eu tô muito inspirada ou quando meu estado de espírito acabou de chegar de férias do Caribe. Não é todo dia que a gente tá solar e vê o mundo colorido. Caramba tem dias que saio da cama com uma lente cinza chumbo nos olhos que não há Cristo que me tire aquele ânimo gris da alma. Melancolia pura.
Parecendo ler meus pensamentos, a preta puxou um tanto do cachimbo, soltou aquela fumaça cheirosa em cima de mim e falou:
“Num é esse humor que ocê tá pensando. Tô falano daquele humor, aqueles líquido que a gente tem no corpo e governa o coração. É com eles que suncê tem que escrevê.”
Hã?
Demorei um tempão para processar aquela informação. Só quando cheguei em casa e fui procurar no dicionário a palavra humor, é que vi numa tacada só, todas as fichas da minha vida, caindo em cima de mim, como naquelas máquinas de cassino, quando te premiam 1000 mil dólares em moedas de um.
Humor são todos os líquidos secretados pelo corpo e que determinam sua condição física, mental e emocional. Genial! Devia ter enchido aquela preta velha de beijo. Como é que eu não tinha entendido isso antes? Usar o humor como guia para o que escrevo, é nunca mais desperdiçar uma alegria ou tristeza sequer. É não me envergonhar da raiva, é grifar o amor, é permitir o negrito de tudo que vejo com as minhas lentes cinza chumbo. É entender que meu barco pode confiar na bússola que pulsa no meu sangue, porque é justamente lá nas minhas veias, que está o melhor e mais confiável oceano para navegar.
Descobri com meu compadre Houaiss, que existem os humores oficiais: o sangue – aquele que faz a gente ferver de raiva ou de paixão, a fleuma que é causadora da apatia, a atrabílis ou bile negra que é responsável pelo último grau da raiva… a cólera, e a bile amarela, aquela que faz a gente ficar com o pior e mais nefasto mau humor!
Mas com a licença poética que me concedeu minha preta velha, depois daquele dia, comecei a pensar em todos os nossos líquidos – mesmo os que não estão catalogados no Houaiss – como outra forma sublime de entender a magnificência da natureza ao criar, por exemplo, a lágrima.
Pode existir coisa mais poética do que uma lágrima? Aquele líquido límpido e salgado que verte de dentro da gente por dor ou emoção exagerada? Viviane Mosé já dizia que: um olhar de lágrimas cristalizadas é como um vidro de carro batido.
Suor acho meio nojento. Também é salgado e geralmente tem companhia de odores fortes de origens quase sempre duvidosas. A não ser o suor que vem do amor. Esse suor é santo. Dois corpos encharcados de suor podem ser considerados sagrados. Talvez porque se misturem aos líquidos do sexo: os fluidos vaginais e o sêmen. Nesses humores estão contidos todos os segredos da humanidade. Nossa origem, nossa semente, nossa evolução. Isso sem mencionar a saliva, o único humor que tem o poder de consagrar no beijo, a história de um grande amor.
Entender os humores do meu corpo me faz entender muito mais coisas do mundo. E principalmente desse pequeno planeta que habitamos. Se os humores da Terra forem como os humores humanos, dá para entender perfeitamente porque o planeta hoje chora mais… do que jamais choveu. Não dá?
Que a liquidez da compreensão possa a partir de hoje, expandir minha consciência. É por isso que vivo, é por isso que escrevo, é por isso que vim.