A Partida de João

Quando me mudei para cá, eles já moravam aqui.

No poste em frente a varanda, tinham feito sua casinha de barro lá no alto, para poder ter a melhor vista do Bosque.

Eu dava bom dia para eles todos os dias. Era um casalzinho simpático. Estavam sempre atarefados e costumavam cantar alto durante as manhãs de sol.

Fomos criando um vínculo, desses elos estranhos que a gente vai fazendo ao longo da vida com algumas criaturas desse mundo.  

João e Maria pareciam um casal feliz. Dizem que é uma espécie monogâmica e que podem ficar juntos até quase quinze anos de vida. Isso que é um casamento bem-sucedido. Existe uma lenda de que o macho prende a fêmea na casinha se ela faz algo de errado, mas acho muito improvável. Esses julgamentos de certo e errado são demasiadamente humanos para as leis da natureza. Enfim, pesquisei e não tinha nada de concreto sobre isso na internet.

Pois bem.

Hoje de manhã acordei e fui para varanda ver o tempo. Costumo fazer isso quando acordo, para agradecer a benção de mais um dia e ver se está sol, nublado ou chovendo. Cada tipo de tempo requer uma energia da gente. Não dá para ficar triste num dia explosivamente ensolarado. Já um dia chuvoso, há menos exigência de felicidade e expansão. Mas voltando aos passarinhos. Quando olhei para o canto esquerdo da varanda, para dar bom dia aos meus amigos, estranhei ver alguma coisa pendurada na casinha de barro. Olhei de um lado, olhei do outro e pensei:

– Ué, por que o João está pendurado na porta de casa?

Corri para o quarto da Clara, de onde temos uma visão melhor da casinha de barro.

Qual não foi o meu choque quando me deparei com uma das cenas mais tristes que já vi.

João morto, pendurado por uma das asas em uns galhos e umas poeiras, que saiam da porta da casa e Maria ao seu lado, imóvel, cantando.

Não consegui acreditar.

O que será que poderia ter acontecido com aquela pobre criatura durante a madrugada?

Teria ele levado um choque nos fios de alta tensão? Ou um predador o teria atacado no meio da noite? Teria Maria assistido a cena dramática da morte de seu companheiro?

Impossível saber.

A verdade é que uma tristeza sem fim nos invadiu aqui em casa e a sensação é de estarmos de luto.

Estou só aguardando um vento mais forte soltar o corpinho do meu compadre para ir buscá-lo lá embaixo e dar-lhe um enterro digno e poético. O enterro que merecem esses seres mágicos.  

Queria poder dizer a Maria que sinto muito por sua perda, mas ela parece perdida. Vai e volta para porta de casa, olha João ali e sai voando de novo, como quem não sabe o que fazer sem seu companheiro de vida.

Que a vida é efêmera eu já sabia.

Só não sabia que podia amar um bichinho assim como amei esse João de Barro.

Que ele siga em paz pelo Caminho Azul e voe livre pelo céu dos passarinhos.

4 pensou em “A Partida de João

  1. Emocionante, Tica. Sei bem desse afeto descabelado por um parceiro de vida, mesmo que esse parceiro não saiba de nosso afeto… Que ele siga em paz, e ela, que possa passar por este momento e – quem sabe? – encontrar um novo caminho…

  2. Emocionante e lindo como tudo que vc faz! Não precisa nem dizer que chorei imaginando a cena! Bjs!😪❤

  3. ô joão… pra sempre você vai morar nos nossos corações.
    me sinto feliz de ter te acompanhado e te ouvido cantar todos esses anos…

    obrigada mãe, por honrar ele e maria com sua arte.
    te amo.

  4. Os pássaros representam a liberdade a leveza… alegria…
    Para mim na verdade eles são Mensageiros de Deus♡♡
    Alguns Na verdade são nossos anjos da guarda…
    Minha mãe me ensinou a amá-los tanto que quando eu ouço o canto da cambaxirra tenho a nítida impressão que na verdade é minha mãe que me acompanha…
    Tatiana acredito que é a missão do seu João de Barro tenha terminado.
    Mas para mim não acaba aí aconteceram episódios que vão te surpreender.
    Um beijo enorme no seu coração.
    Fica com deus que ele te abençoe♡♡

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