Desde que eu me entendo por gente, eu pinto o cabelo.
Esse sempre foi um artifício para a fuga da mesmice da vida. Mudar fora para ver se dentro a coisa mudava também. Já tive o cabelo de quase todas as cores, apesar de na minha época não existir esses azuis, verdes e roxos lindos que existem hoje. Mas todo o tipo de extravagância que foi possível eu fiz no meu cabelo. Cortes, cores, reflexos, luzes.
Um dia eu encontrei o vermelho.
E o cabelo vermelho passou a ser a minha identidade. Eu costumava dizer para todo mundo que tinha a alma ruiva e isso era verdade. A ruivice me dava uma impressão de dejavú. Ela me fazia lembrar de vidas passadas. De alguma civilização celta ao qual eu tinha pertencido ou de alguma bruxa que eu tinha sido na época da inquisição.
E assim, foram anos experimentando o melhor tom do vermelho. Usei e abusei da henna numa época mais hippie. Virei especialista na coloração na década de 90. Chorei com tintas saindo de linha. Comemorei encontrar tons que me representassem. Me aborreci com pessoas que me acusavam de querer “colocar fogo nas minhas ideias”. Me alegrei em ser seguida na rua para ser questionada sobre que tom maravilhoso era aquele que eu estava usando. Me preocupei com artigos que falavam do perigo do chumbo na tintura vermelha a longo prazo no organismo. Enfim. Foram anos pintando o cabelo por vaidade, não por necessidade.
De uns anos para cá, começaram a surgir os meus primeiros fios de cabelo branco.
E eu pensava: “Tá vendo! Agora mesmo que eu não posso mais de deixar de pintar o cabelo”, como se aqueles fios brancos pudessem finalmente justificar minha subversão.
Mas esse ano tem acontecido uma coisa estranha. Geralmente pinto o cabelo uma vez por mês ou quando os fios já estão muito aparentes. Nas últimas férias eu não quis pintar o cabelo com a desculpa de precisar descansar os fios. Agora já vai entrar o terceiro mês e eu ainda não tive coragem de pintar. E ontem eu descobri o porquê.
Eu estava na frente do espelho tirando minha sobrancelha. Fiozinho por fiozinho. Ah troço chato que é fazer sobrancelha. Quando de repente percebi que na minha franja estavam se juntando muitos, muitos fios brancos. Levei um susto. Larguei a pinça e abri o cabelo com as mãos para ajudar a entender o caso. Não havia como duvidar: ali jazia o meu primeiro tufo de fios brancos. Uau. Perceber aquilo me inundou de uma emoção profunda. Como se pela primeira vez em muitos anos eu estivesse tendo um encontro verdadeiro comigo mesma. Como se naquele pequeno pedaço de DNA estivesse contido todas as últimas duras e fortes experiências que me fizeram envelhecer. Simplesmente envelhecer.
Eu não entendo porque as pessoas tem tanta dificuldade de envelhecer. Envelhecer é uma coisa tão linda. Tão carregada de poesia. Tão digna. Tão verdadeira. Nunca esqueço uma frase da atriz italiana Anna Magnani que li anos atrás que dizia: “Não retoques minhas rugas, eu suplico, porque precisei de muito tempo para ganhá-las”. E é isso. Olho minhas rugas hoje e acho incrível que minha pele esteja enrugando. Claro que ela está enrugando. Estou com 42 anos! É a mesma coisa que digo quando falam da minha barriguinha sexy. Como não ter nenhuma barriga se aqui fecundei e fiz crescer duas criaturas. Só se eu fosse uma daquelas atrizes globais que tem neném e um mês depois estão com a barriga tanquinho de tanto malhar. Sim, se eu malhasse eu poderia não ter a minha barriguinha sexy. Mas malhação, definitivamente, eu já deixei para a minha próxima encarnação.
Mas voltando aos fios brancos.
Talvez haja uma reclamaçãozinha sobre eles. Assim, uma coisa bem pequena. É essa coisa deles nascerem tonhonhoim. Porque será que os cabelos brancos nascem sempre meio frisados, espetados, esquisitos? Será que é de velhice também? Hummm. Se for isso tudo bem. Eu aceito. Mesmo que eles não cheguem com o vigor e beleza suprema dos cabelos jovens e virgens, eu vou amá-los do jeito que são.
Cabelos me fazem lembrar da Clara. A minha filha que tem os mais lindos cachos do mundo – aqueles que eu rezei muito na barriga para que nascessem exatamente do jeito que são. É ela que me ensina com leveza sobre essa dualidade que tenho vivido sobre minha ruivice e minha adorável velhice que vem chegando. Como? Cantando essa música que está embaixo.
É ou não é para morrer de amor?
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(Esse vídeo é uma animação de Maira Teruko Nisi e a música “Cabelo meu” é cantada por Marina Santana e foi feita especialmente para a campanha da Natura Plant)
Que leveza. Como não gostar? Grande beijo. Lindona.
Adorei, mas com 7.1 continuo pintando.Cada vez faco mais luzes e a minha raiz branquinha pinto todo mes.Nada contra cabelos brancos ou velhice, mas gosto do meu cabelo como ele sempre foi….quem sabe um dia……
Ah amei !! De tintas e cia eu não entendo nada .. Nunca pintei o cabelo , nunquinha… Ah adoro sua ruivice mesmo que bicolor !!
Os meus caem…antes de ficarem brancos…Saudades da franja que tanto tirei dos olhos…que hoje ofuscados pelo reflexo da testa resplandecente…se sentem desabrigados.
Quanta poesia meu querido Rafa… seus olhos desabrigados merecem uma atenção a mais… mas quero te dizer uma coisa muito, muito importante: é dos carecas que elas gostam mais! Beijos meu amigo!
E eu adoro você Rê! Tanta saudade!
Anna, minha querida… sim sim sim! Que a gente possa se amar do jeito que é…ou do jeito que a gente se inventa melhor!
Ei, amiga querida! Confesso a você que me dar conta do envelhecimento não tem sido tão fácil assim!… Hoje, quando olho uma senhorinha sinto o meu futuro e tenho estranhas sensações físicas e emocionais…uma dela é um medo… e não sei bem de quê… por enquanto, procuro não pensar muito nisso!