Carta ao Dinheiro

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Eu queria muito entender por que tem certos assuntos que são tão difíceis de serem compreendidos. Eu sei, por exemplo, que cada um de nós está num estágio na escala de evolução espiritual e que isso certamente nos dá mais ou menos condição de compreender qualquer coisa. Sei também que para compreender determinados assuntos, precisamos levar em consideração não só as ações que cometemos nessa vida como também as ações que cometemos em outras vidas e isso é um pouco de sacanagem, já que definitivamente não temos como mensurar as coisas que fizemos lá para trás. Mas enfim, na totalidade do que é possível nesse momento da minha caminhada, me debruço com um pouco mais de coragem para escrever sobre dinheiro para ver se alguma forma eu desfaço esse nó de marinheiro que é esse assunto dentro de mim.

Tenho 42 anos e dentro dos parâmetros de uma sociedade capitalista, acho que não posso ser considerada uma pessoa bem-sucedida financeiramente. Sou atriz por formação, professora por vocação e nunca, nunca chego ao fim do mês com todas as contas pagas. Tenho um monte de dívidas, o nome mais sujo que pau de galinheiro, nenhuma poupança, nenhuma herança em vista e nenhuma perspectiva de mudança morando num país onde a crise financeira é absurda. Mas de todas essas afirmações talvez a mais grave e complexa seja a que vou dizer agora: tudo que se refere a dinheiro para mim tem uma névoa sombria e esquisita que não me faz conseguir ter clareza sobre o real valor que ele possui.

Vivo numa gangorra de sentimentos antagônicos em relação ao dinheiro. E por mais que trabalhe muito isso na terapia, não há São Francisco de Assis que me faça compreender o que há por baixo de tanta dificuldade em lidar com algo. No quebra-cabeça da vida, vejo todas as peças que se referem a ele espalhadas e nunca consigo encaixá-las, porque no fundo, no mais profundo da minha alma, não consigo encontrar muito sentido no desequilíbrio que ele causa no mundo.

Voltando no tempo, cresci numa atmosfera lúdica maravilhosa. Não fui uma criança rica, mas tive tudo do bom e do melhor. Morei em casas confortáveis e felizes, estudei em boas escolas e só não ganhava presente no Dia das Crianças porque meus pais não concordavam com o golpe comercial da coisa. Aos sete anos, meus pais faliram. Falir significa não ter mais como cumprir com as obrigações financeiras. Eles se separaram e eu fui morar com minha mãe e minha irmã num apartamentinho pequenininho que era da minha avó, no Jardim Botânico. Sinceramente, nada cruel. Saí de uma mega escola alternativa em Santa Tereza para estudar numa escola pública lá perto de casa. Foram os melhores anos escolares da minha vida. Me lembro como se fosse hoje a angústia que me causava estudar no CEAT e não suportar a arrogância das minhas amigas ricas. Todas elas já tinham ido à Disney milhões de vezes, tinham motorista e moravam em mansões. E me humilhavam por minha mísera e pobre coleção de papéis de carta. Quando cheguei ao Camilo Castelo Branco, a tal escola pública, eu era a menina rica que tinha uma linda coleção de papéis de carta. Nunca vou esquecer a sensação de sentido que tive no dia que decidi dividir minha coleção com as minhas novas amigas. Foi um dos momentos mais incríveis que já vivi. O brilho nos olhos de cada uma, a gratidão pelo meu gesto. Foi assim que comecei a minha formação interna de valor.

Morei com a minha mãe até os 28 anos. Até então nunca tinha me preocupado em pagar nenhuma conta. Ela fazia das tripas coração para sustentar o meu sonho de ser atriz. Investia em mim como quem investe no próprio sonho. E eu, trabalhava muito, mas amava tanto o que fazia que não me importava saber o quanto eu ia ganhar em cada trabalho. Essa era a minha última preocupação. Geralmente eu ganhava uma merreca por peça. Só conseguia pagar minhas passagens de ônibus e tomar um suquinho na esquina. Mas eu estava tão feliz que me conformava com a dura realidade de uma jovem atriz brasileira. Minha única opção mais concreta de receber um bom salário era me render a trabalhar na Rede Globo de Televisão e essa era a última coisa que eu queria fazer.

Os anos foram passando. Um belo dia resolvi casar com um belo rapaz que era o meu vizinho. Marcelo era trabalhador e tinha uma carreira promissora dentro da área que trabalhava. Tinha uma facilidade incrível de fazer dinheiro e era muito competente. Casei e três meses depois engravidei. Larguei o teatro e passei a me dedicar inteiramente à maternidade. No fundo, tinha pulado dos braços de sustentação da minha mãe para os braços de sustentação do marido. E assim, seguia alheia à compreensão e ao contato real com o mundo do dinheiro.

Meu casamento durou sete anos, depois de cinco de namoro. Em 2009, com exatamente 36 anos, pela primeira vez na vida, me vi precisando enfrentar o mundo real das contas e a necessidade de trabalhar para me sustentar. Foi um desastre. Passei anos me descabelando. Porque apesar de ter uma pensão generosa do meu ex-marido, eu não sabia lidar com o dinheiro.

E até não sei direito. Hoje tenho minha planilha de gastos no computador, uma pasta toda organizada com as contas da casa, faço mil cambalhotas para puxar daqui, puxar de lá. Mas nem com todas as acrobacias, não consigo me livrar das dívidas. Deve ser porque ainda estou engatinhando no meu aprendizado de vida real. Não sei. Alguns me acusam de ser perdulária. Olha que palavra horrível que é essa. No início eu me ofendia muito. E por isso fui estudar a fundo o significado do palavrão. Ser perdulária significa ser esbanjadora. Gastadora. Mas também significa ter desapego ao dinheiro. Ser pródiga. E ser pródiga possui um outro belo e muito precioso significado para mim: ser aquele que distribui algo com generosidade e liberdade. Uau.

Por isso é o que eu digo: as coisas precisam ser contextualizadas para serem compreendidas. Depois de toda essa história aí, até dá para entender porque eu ainda não sou uma pessoa de pleno sucesso financeiro. A terapia me trouxe a consciência do fato. Tá. Mas e aí?

E aí que Deus é testemunha que eu tenho tentado transformar essa relação. Já fiz curso de prosperidade, ho’oponopono pedindo perdão pelas falhas passadas com o mau uso do dinheiro, reprogramação neurolinguística, mas sinceramente que nada parece adiantar muito. E o pior: todos, absolutamente todos os mapas astrais que já fiz na minha vida, dizem que eu tenho uma conjuntura mágica para fazer dinheiro através das minhas mãos. Como assim? Então tá faltando alguma peça nesse quebra-cabeça.

A grande verdade é que esse conceito de prosperidade e abundância é muito relativo. Porque no fundo no fundo eu me sinto uma pessoa muito privilegiada. Imagina: eu tenho uma saúde abundante, duas filhas perfeitas e também 100% saudáveis. Uma família que me apoia incondicionalmente, um emprego divertido e que me dá liberdade de sonhar. Moro num apartamento pequeno, mas delicioso num condomínio aconchegante num dos bairros mais verdes de Niterói. Trabalho a cinco minutos da minha casa. Tenho um carro vermelho, dois gatos de revista, uma mente criativa e já viajei cinco vezes para o exterior sem nunca ter planejado nenhuma dessas viagens. Será que isso não é ser próspera?

Sei lá. Gosto muito daquela frase do Bukowski que diz: “quanto menos preciso melhor me sinto.” Eu queria ter um espírito 100% franciscano e não precisar mesmo de nada para viver nem ser feliz. Mas essa coisa de ser taurina é que me lascou a vida. A pessoa não tem um centavo na conta, mas ama tomar um bom vinho com gorgonzola, adora almoçar fora no domingo, ama ver peças de teatro, frequentar cinemas, livrarias, papelarias, museus, comprar umas batas indianas, uns perfumes exóticos, cremes da Victoria’s Secret. Gosta mais do que tudo de conhecer lugares novos e por isso sonha com um cartão de crédito sem limites para um dia colocar uma mochila nas costas e ir conhecer o mundo antes de voltar para as estrelas. Taí. Eu queria ter dinheiro só para realizar esse sonho. Conhecer o mundo. Se eu conseguir isso um dia, essa minha encarnação terá sido perfeita.

Posso escrever muitas e muitas páginas sobre esse assunto que a coisa parece que não se esgota. E o pior: aquela peça chave que faltava para entender o que está faltando na minha vida para que o dinheiro entre de forma abundante, eu ainda não descobri qual é. Vou seguir caminhando. Talvez não seja nessa vida que eu vá entender o dinheiro. Talvez não seja nessa vida que eu vá andar de balão na Capadócia. Tudo bem. Numa outra encarnação eu chego lá.

7 pensou em “Carta ao Dinheiro

  1. Muito bom! Tudo está em que acreditamos. O pior é que de acreditamos que o mapa adtral, o tarologo, o terapeuta, estão certos, com certeza estarão. Talvez essa seja a pedra no caminho. Bjs no coração

  2. tô nessa vibe de fazer as pazes com o dinheiro, e ser feliz para sempre com ele! rs… vou até fazer uma constelação familiar focada nisso. Se quiser te passo a indicação… rs
    bjs

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