Minhas pequenas estão crescendo e cada dia que passa está ficando mais difícil explicar a vida para elas.
As questões estão se aprofundando. As dúvidas se misturando a medos desconhecidos. E por mais atenta que eu esteja, por mais calor que haja em meu colo, não há nada mais apavorante do que descobrir a efemeridade da nossa existência.
Minha avó paterna partiu há alguns dias. Minha avó materna está morrendo. E o assunto da morte invadiu nossa casa com a força de um furacão. Foi preciso uma rodinha no chão de mãos dadas, um minuto de silêncio e um pequeno altar no centro da nossa mandala de perninhas cruzadas – com flores, incensos e velas – para eu ter coragem de começar a falar sobre o assunto.
A vida é estranha e maravilhosa. Daqui nada levamos a não ser o amor que amamos. As relações que conseguimos construir, o bem que fazemos aos outros. Mas se temos uma missão a cumprir, estaremos vivos até que essa missão se cumpra. A morte é só uma parte dessa jornada que a gente vive. Somos energia como a luz da lâmpada, só que no nosso caso, essa energia ilumina nosso corpo e dá força para gente falar, pensar, comer, viver. Para fazer com que a gente experimente estar aqui nesse planeta – nesse mundo cheio de gente – preparados para fazer um monte de coisas legais. E as coisas não tão legais a gente vai aprender a desviar. Só isso. A vida é uma experiência.
– Mas e quando um bebezinho morre mamãe – diz Catarina, como pode alguém ter uma missão tão pequena?
A vida é estranha e maravilhosa. E cheia de mistérios e perguntas que jamais serão respondidas. O que a gente precisa é ao longo da vida, ir entendendo aquilo que nos ajuda a viver. E ter uma bolsinha mágica cheia de formas para gente conseguir lidar com o mundo. Mamãe por exemplo, não gosta de meditar, rezar e cantar esses mantras engraçados? Essas coisas estão na minha bolsinha. Porque me ajudam a caminhar sem medo. A ter confiança. A entender que mesmo sem explicação, a vida é estranha e maravilhosa.
Minhas filhas estão crescendo. Mudanças estão acontecendo em seus corpinhos e em suas almas. Até o amor começa a surgir de uma forma diferente para elas. Clara me faz perguntas complexas sobre ele. Como explicar que o amor é sublime, mas também pode machucar? Como se prepara alguém para o caminho do amor compartilhado? Não há fórmula segura para a mais sagrada das experiências humanas. Mas isso eu não vou poder explicar para elas. Elas terão que descobrir sozinhas.
Catarina anda muito ansiosa. “Estou confusa, mamãe. Porque quero tanto da vida, quero tantas coisas ao mesmo tempo. Minha cabeça está cheia e eu não consigo relaxar.”
Ah se eu tivesse descoberto as lições de Eckhart Tolle aos seis anos de idade não teria em meu currículo nenhuma crise de ansiedade ou pânico. E mando na lata, amando a ideia de ter pelo menos uma solução para um probleminha seu:
Filha, eu vou te ensinar um segredo que vai te ajudar para o resto da vida. Não existe de verdade nada além do que a gente está vivendo agora, como por exemplo, essa conversa que a gente está tendo. Ou o sorvete que você tomou agora há pouco. O que aconteceu ontem e o que pode acontecer amanhã não importa muito. Só o que existe de verdade verdadeira é esse momento de agora, que a gente vive no presente.
“Por isso que você vive dizendo que o presente é um presente, mãe?”. Isso aí, pequena. Isso aí. A gente acha que é complexo e que eles não vão entender… Mas eles entendem. Entendem tudo. Em profundidade.
Minhas filhas estão crescendo. E os pesadelos estão cada vez mais constantes, assim como as perguntas e as incertezas. Como explicar a estas duas pequenas criaturas que infelizmente não há nada que extinga o nosso imenso vazio existencial? E que esse mistério faz parte do pacote e por isso a vida é estranha e maravilhosa? Elas já sabem que há dentro de cada um de nós um enorme buraco. E que a gente vai passar a vida tentando preenchê-lo de alguma forma. Buscando uma vida legal, amando e respeitando os outros, construindo um mundo que seja de verdade para gente morar. Não há dúvida que existem um milhão de formas de ir preenchendo esse buraco. E é esse o esquema mágico que eu preciso aprender com elas, quer dizer… que eu preciso ensinar para elas.