É o capô do meu carro que tem me devolvido a esperança na raça humana.
Há uns meses atrás, num trânsito tartaruga na Lagoa, bati a 20 por hora no carro de um velhinho. Fiquei para morrer. Foi um baita susto para mim, imagine para ele. Desci correndo para me desculpar. Sou daquelas que assume a culpa imediatamente mesmo se não tenho culpa de nada. Nesse caso tinha. Bati porque Catarina tinha dado um grito, eu tinha levado um susto e intuitivamente, tinha olhado para trás. Em um segundo, o carro da frente freou e o meu entrou na traseira dele. É mais ou menos assim que as coisas acontecem.
Graças a Deus no carro do velhinho não tinha acontecido nada. Só a esposa dele que tinha ficado meio pálida com o tranco. Pedi mil desculpas. Expliquei da Catarina. Perguntei se estava bem. Ela acabou sendo gentil com a minha gentileza de ir até lá pedir perdão. Fez um pequeno sermão de como, em hipótese alguma, devemos olhar para trás enquanto as crianças falam, gritam ou brigam. Tudo deve ser feito pelo espelho retrovisor. Me perguntei se ela teria filhos. Provavelmente não. Mas ouvi resignada. Era o mínimo que podia fazer.
A princípio meu carro parecia ter saído intacto da colisão. Também tinha ficado trêmula, mas pensar nessa despesa, me fazia tiritar. Foi quando ouvi a primeira buzinada frenética do carro ao lado dentro do Túnel Rebouças. Era um homem gritando que o capô estava aberto. Assim que vi um posto, parei. O frentista abriu, analisou e deu o diagnóstico. Tá fechando senhora, mas o capô empenou. Que saco.
Na semana seguinte levei ao mecânico. O orçamento parecia piada. Mil pilas só para desamassar. Tadinho do Billy – esse é o nome do nosso Uno, Billy Ray – talvez numa outra vida eu fosse consertá-lo. O que eu não previa era que o não-conserto do capô fosse me comover tanto.
Passou a ser uma rotina nas nossas vidas. Já temos um discurso pronto. Em média, mais ou menos umas cinco pessoas por dia, nos avisam aflitivamente da abertura do capô. Se por acaso eu vou mais longe, essa estatística dobra.
A solidariedade das pessoas é uma coisa extraordinária. Elas não deixam passar. Tem gente que buzina, grita, acena com os braços, reduz a marcha, abaixo o vidro do carro correndo, faz de tudo por uma comunicação imediata. A abertura de um capô de carro em movimento pode se transformar num acidente fatal. E é isso que deixa todo mundo de cabelo em pé.
Clara e eu colecionamos sorrisos para essa gente bacana. Sou eu que costumo falar, mas às vezes ela se antecipa. Coloca a cabecinha para fora, espera o recado e com o sorriso mais lindo do mundo, tranqüiliza a pessoa. Se preocupa não, moço. Tá empenado. A gente espera o alívio do vizinho e agradece o aviso. Até Catarina já decorou o discurso.
Eu não consertei o Billy por fala de dinheiro. Agora é a gente que não quer mais consertar. É um presente assistir de perto, todos os dias, a sorte batendo no nosso capô.