De todas as graças que sou abençoada nessa minha vida, uma das mais sutis e maravilhosas é ter a oportunidade de ver minhas filhas acordando todos os dias.
Minhas manhãs são simples e rotineiras. Abro os olhos e a primeira coisa que penso é na sensação estranha de me sentir viva mais um dia. Silenciosamente agradeço por isso e saio espreguiçando meu corpo como se precisasse desesperadamente dizer para ele que o tempo do quentinho da cama acabou. Me levanto, caminho lentamente para o banheiro, faço xixi, escovo os dentes. Depois sigo para cozinha para tomar meu religioso copinho d´água para ver se consigo me acordar por dentro.
Há qualquer coisa de divino no tempo da manhã. Uma luz diferente no horizonte, um frescor de orvalho deixado pela noite, um tom celestial no canto dos passarinhos. Não sei bem o que é. Mas acordar de manhã é como renascer sem ter morrido. Como voltar de uma jornada profunda sem ter partido. É como despertar de sonhos vividos e ter a certeza de que não estávamos lá, mesmo tendo certeza de que estávamos.
Enfim. Ainda na cozinha busco os ingredientes para fazer a poção mágica que desperta minhas bonecas há mais de dez anos: o nutritivo e achocolatado Toddy de todas as manhãs. Preparo a bebida, encho os copinhos do leite morno e doce que elas tanto amam e sigo ansiosa para o quarto delas.
Abro a porta. O quarto está quieto. Geralmente Clara está coberta até a ponta do nariz com o edredom. Catarina está virada do outro lado da cama, toda torta e descoberta. Olho para o rosto delas e percebo a profundidade do sono em que estão. Há um ronquinho no ar. O som de uma respiração que vem lá de dentro do corpinho de cada uma. Por onde andarão suas alminhas? Com o que será que estão sonhando? Me ajoelho perto das duas e começo o processo do despertar cheirando o cangote de cada uma. Cheirinho de Deus! Tem a mistura do cheiro do xampu, com o perfume do amaciante que está na fronha e o cheirinho da pele delas que mais me parece com um doce de confeitaria.
Da cafungada no cangote, passo para o beijinho de leite – beijo inventado por elas – que é um beijo miudinho e sem som, quase imperceptível a olho humano. Esse beijo dou em todas as partes do corpo que estiverem descobertas… rosto, braços, pernas. Mas quando passo a beijar por cima do pijama, o beijo já pode estalar. Aliás, deve. Quanto mais alto, mais chances tenho de fazê-las despertar. É com os beijos estalados que as coisinhas começam a chegar.
O primeiro indício da chegada é o desejo de espreguiçar. Nesse momento me afasto para assistir a melhor parte do show, quando elas deixam de ser meninas e passam a ser uns filhotinhos, uns bichinhos desses que a gente morre de amor no zoológico quando começam a se espreguiçar. Elas fazem caretas. Soltam gritinhos. Grunhidos. Uma coisa muito deliciosa. Vontade que dá é de sair mordendo.
Os “bons-dias” geralmente saem da boca antes mesmo dos olhos se abrirem. Cada uma traz seu amor e sua doçura na forma com que me reconhecem. “Bom dia, Mamisquilis” diz Clara. “Bom dia, Lindoca” diz Catarina.
Emocionada, corro para abraçá-las como se não as visse há muito, muito tempo e rapidamente me transformo no que elas mais gostam: um enorme puf-mamãe. Elas sobem e pulam em cima de mim. E nos embolamos como se fossemos um corpo só. Como são lindos os olhinhos inchados e remelentos, como são cheirosas as boquinhas com bafo de tigre, como são perfeitos os cabelos enormes e descabelados, como são quentinhos os abraços com braços tão fortes.
Se eu pudesse resumir as partes boas que vivo no cotidiano da minha vida, estas manhãs certamente estariam na lista das mais queridas. É uma benção imaginar que num mesmo dia posso renascer e ver renascer aquilo de mais preciso que coloquei no mundo. Que maravilhoso dia para se ter alegria!
Maravilhoso! Eu tenho esse privilégio de acordá-las quando estão aqui aqui comigo! É bem assim mesmo!!! Amo demais essas meninas!