Minha bipolaridade materna ainda vai me enlouquecer.
Não sei quantas mães passam por isso. Não sei dentro de quantas casas isso acontece. Mas a verdade é que tem dias que eu preciso sair correndo e ir dar um grito bem histérico na varanda. Mesmo que seja um grito histérico mudo, para não assustar as meninas nem os vizinhos. Uma das minhas tentativas desesperadas de equilíbrio psicológico.
Gente, criança é uma dádiva. Em todas as fases. Em todos os sentidos. Conceber, parir, alimentar. Depois ver crescer, se desenvolver, desabrochar. Esses anjos caídos do céu têm o cheiro mais inebriante que eu já senti. Eles têm pele de nuvem. São espontâneos, adoráveis, amorosos. E conseguem conter dentro daquele corpinho minúsculo, o melhor e mais genuíno da nossa espécie. Mas às vezes – muitas vezes – também são as criaturinhas mais insuportáveis do mundo.
Deixa eu explicar.
Quem me conhece sabe que eu sou, desde que as gurias nasceram, um coração partido em dois batendo fora do corpo. Foi depois que Clarabela e Catalinda chegaram, que minha vida passou a ter sentido. Não que antes a vida não fosse maravilhosa. Ela era. Mas sentido, não tinha não. Minhas meninas me trouxeram em suas asas uma certeza etérea de pertencimento ao mundo. Uma resposta concreta às perguntas mais existenciais que eu já tinha feito às estrelas. Um entendimento absoluto da minha capacidade de amar e me doar em forma de leite, afeto e compreensão.
Mas quando os nenéns deixam de ser nenéns e se tornam essas coisinhas que andam e gesticulam e falam e se acham gentinha, trazem com elas acoplado às bochechas, um teste diário de paciência, resistência e benevolência. E é aí que a gente entra em contato com um adormecido monstro do Lago Ness dentro de nós. Porque essas nossas criancinhas provocam na gente os mais contraditórios sentimentos. Dizem as más línguas psicanalíticas, que quem sofre o rompante dessa raiva colossal, nem sempre é a Tatiana adulta e consciente e sim, uma criança interna minha que de alguma forma foi ferida e reage lá de dentro com um sentimento quase sempre… infantil. Hã… é, pode ser. Mas independente de quem ou o quê acorda o meu monstro no fundo do lago, a questão é que me assusta muito a percepção dessa bipolaridade que meu coração é capaz de chegar.
A oscilação entre amor e ódio ocorre entre segundos. Dou o grito. Ela não obedece. Mas é quarta vez que eu estou pedindo para você entrar no banho! Ai ela dá um sorriso. Eu me desmancho. Finalmente entra no chuveiro. Outra mau criação. Agora o drama é para passar o xampu. E eu penso comigo: meu deus, eu tô tão cansada… Ela retruca: mas mamãe, eu tenho dileito de fazer tudo sozinha! Aí eu acho lindo. E me encho de orgulho por esse desejo dela de emancipação. O trocinho só três anos! O tempo passa. Vamos sair do banho, meu anjo? Agora a manha é para sair do banho. Mas você chorou tanto para entrar, não dá para variar um pouco o repertório e não chorar para sair? Não. Não dá. Ela tá cansada – eu penso. Paciência, mamãe, paciência… Dou-lhe uma, dou-lhe duas… Catarina! Ela cruza os braços e me dá as costas. Para não enforcar o pescocinho, vou até a cozinha tomar um chá mate. Respiro fundo. Volto e digo alto e em bom tom: Vamos sair A-GO-RA. Ela diz que não. Então eu desligo o chuveiro e uso minha força para colocá-la para fora. Firme, a coloco em pé em cima do tapetinho do banheiro. Ela recolhe as pernas. Senhor, alguém me ajuda! É quando finalmente eu dou o grito que balança a casa. Ela se assusta. Coloca os pés no chão devagarinho. E das duas bilhas castanhas saltam duas gotas de lágrimas sentidas e transparentes. Aquele choro sofrido. Mudo. Decepcionado. Meu coração se contrai e eu penso: como posso ser tão megera?
Alou? Alguém pode me internar?
Nessas horas eu não penso em mais nada. Claro, porque depois do choro ela diz sempre: mamãe, será que você pode me dar um abracinho agora? Mas depois… depois que eu me acalmo e volto a ter algum discernimento, entendo que não vai dar nunca para compreender o que é um coração bipolar.
Vocês acham que a coisa pára por aí? Não… a coisa não termina nesse happy end lindo. Minha noite ainda me reserva todo um processo de vestir pijamas, pentear cabeleiras e escovar dentes. É. Escovar dentes. Praticamente um pesadelo para mim. Por quê? Porque Catarina é o tipo de criança que tranca a escova na boca enquanto estou escovando os dentes dela. Uma delícia de criança. E quando eu acho que tudo acabou, que o quarto está escuro e elas estão em silêncio, minha grandona pula da cama e grita desesperada: Mas mamãe… e o nosso Toddy? Você esqueceu o nosso Toddy!
A verdade é que desde que eu fiquei sozinha a coisa toda piorou muito. Essa aventura de ter filhos pequenos é para quem sempre desejou ter uma vida selvagem. Mas eu nunca desejei ter uma vida selvagem sozinha. Porque por mais presentes que sejam os ex-maridos, é no cotidiano que a gente sofre essa solidão cansada e se descabela quando desconfia, que esse modo de vida, nunca mais vai mudar.
Eu sei que vai. Um dia esse tempo vai passar e eu vou olhar as fotos delas com uma saudade dilacerante de quando elas eram pequenininhas. É injusta essa parte da evolução da espécie. Porque eles crescem e viram nossos amigos. Companheiros de caminhada, espectadores da nossa história. É maravilhoso. Mas ainda assim é duro saber que de alguma forma, aquelas crianças bagunceiras e melequentas, a gente não vai poder segurar no colo nunca mais.
Hummm. Pensando bem… ainda bem.