Clara e as cores

cores

Tudo começou quando dia desses eu entrei numa livraria.

Não posso ver uma livraria que uma força estranha me puxa para dentro. É sempre assim. E quando o lugar tem uma seção de papelaria então, é fatal. Não sei o que me atrai mais: se são os livros ou os papéis, as canetas ou os afins. Fui entrando sem pensar quando de repente vejo uma prateleira de produtos da Faber Castel. Ah… aquilo parecia um retorno ao jardim de infância. Tinha de tudo. Tintas, lápis de cor, giz de cera, massinha de modelar, hidrocores. Que delícia! Que vontade de sair por aí colorindo o mundo.

Foi quando de repente eu dei de cara com os potinhos de anilina. Vermelho, azul, amarelo, verde. Na mesma hora me deu a idéia de fazer um banho com espuma colorida para Clara. Imaginei a pequena mergulhada num arco-íris e não resisti. Passei a mão numa cesta e sai escolhendo a dedo cada cor para pintar a cena.

Chegando em casa, anunciei a aventura com pompa e circunstância. Nem bem deixei as bolsas, percebi Clara ao meu lado, já pelada, prontíssima para entrar no chuveiro. Que ótima estratégia – pensei – preciso de mais idéias como essa para o esquema do banho. Mas na verdade, acho que nem eu nem ela podíamos imaginar o que nos aguardava.

Catei todos os baldes e bacias que vi pela casa e entramos no box. Liguei a água, coloquei um pouco de xampu em cada um dos potes e deixei o jato bater na água com força para fazer a espuma. Aos poucos, fui abrindo os potinhos de anilina e derramando um bocadinho em cada um dos montinhos de nuvem branca. Mas a mágica foi acontecendo através dela, que tinha nas mãos como uma bruxa, uma enorme colher de pau para mexer e remexer em seu caldeirão mágico de poções extraordinárias. Conforme a alquimia das cores foi tomando forma, ela foi sendo tomada por uma emoção indescritível. Era lindo de ver. Ela dava gritinhos a cada cor que se revelava. Pulava. Gritava de novo. Olhava para mim estupefata. Estava em estado de graça. Não acreditava no que via. Nem eu.

Saí do chuveiro desesperada atrás da máquina fotográfica. Como é que eu não fui pensar nisso antes? Não podia perder aquela cena… aquela menina-fada de varinha de condão nas mãos, ao lado de mil potes coloridos!

Aos poucos, Clara largou a colher e começou a pintar os azulejos com as mãos. Os cabelos. A pele. E foi ficando multicolorida. Aquela cena transbordava poesia. Como podem as cores ter esse efeito tão mágico?

Aguardando à hora do final apocalíptico, finalmente derrubamos juntas todos os baldes coloridos. Com a predominância do azul, sem querer, acabamos transformando o box num imenso e agitado oceano. Cheio de ondas, marolas e espuma. Bom, isso foi o que eu vi. Para ela, que estava literalmente mergulhada na água azul, o lugar era outro.

Ela gritava sem parar, como se tivesse descoberto o sentido de tudo: “Mamãe, mamãe, eu tô nadando no céu! Eu tô nadando no céu!” Aquele box nunca mais foi o mesmo. Para nós duas.

O que achou?