Milho verde

milho

O paladar é o sentido mais apreciado pelo meu coração, porque ele é de todos o mais generoso dos sentidos. Ao unir suas forças ao olfato, por exemplo, que desperta o aroma mágico dos alimentos, ele se potencializa ao seu grau máximo de prazer. Assim como também através da visão, suas características mais secretas podem se revelar pela simples aparência do objeto desejado. Mas não é só por isso que ele é genial. Mas por ser a porta de entrada para um mundo fascinante de sabores. Ele é o início de incríveis jornadas, um presente dos Deuses ao homem, um tesouro que nunca deixa de ser redescoberto a cada alimento experimentado.

Quando pequena pensei em seguir a carreira de nutricionista. Adorava pensar na intimidade que podia ter com a comida ao conhecê-la tão profundamente. Depois, os anos passaram e o teatro foi mais forte como vocação. Mas hoje penso que se, naquela época, já existisse a profissão de Chef Gourmet tão divulgada como é hoje, talvez ela tivesse superado minha paixão pelos palcos da vida. E eu seria uma feliz e contente doutora em gastronomia.

“Não há amor mais sincero do que o amor à comida” já dizia Bernard Shaw. Concordo profundamente com ele. Quem ama comer tem na personalidade uma característica passional com os alimentos. Eu sou assim. Ouso dizer que amo comer tanto que amo viver e isso se deve ao meu generoso e querido paladar.

Minha avó há alguns anos atrás perdeu o olfato e o paladar e só conseguia distinguir o salgado do doce. Sentia uma enorme compaixão por ela. Como, meu Deus, viver sem o universo de sabores que nos é oferecido de bandeja? Menus simples ou especiais, receitas afrodisíacas, pratos internacionais. Frutas, molhos, especiarias. Vinhos, pães, queijos! Doces, bolos, rocamboles. Dizem que os amantes do boa comida sentem mais intensamente os sabores que os outros mortais e que tem maior concentração de papilas gustativas na língua. Eu devo ser assim, porque não é possível tanto gemido a cada garfada.

Minha relação com o paladar é quase sexual. Digo isso porque sei o que sinto quando me deparo com uma barraquinha de milho verde no meio da rua. Quando percebo no ar o aroma de milho cozido, uma força cósmica me atrai ao carrinho prateado. Um arrepio me sobe o corpo e eu sou levada diretamente ao panelão de água fumegante. Em transe, escolho a espiga mais suculenta. Observo atentamente o vendedor envolvê-la carinhosamente na água salgada e a agarro com toda a força quando ela finalmente me chega às mãos. Minutos inesgotáveis espero até que ela esfrie para dar a primeira mordida. E num ritual quase vampiresco, cravo os dentes nos inocentes grãos macios e chupo o caldinho salgado até encher a boca. Mordo e chupo. Mordo e chupo. E assim fico, numa seqüência infinita de suspiros e gemidos até acabar com o último grão amarelo. Nossa. É quase um orgasmo. Ou, como explica com sabedoria meu companheiro Houaiss, uma excitação incontrolável do espírito!

Simplesmente divino!

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