Recolhida

Adélia Prado tem uma frase que eu amo que diz assim:

“De vez em quando Deus me tira a poesia. Olho pedra, vejo pedra mesmo.”

Isso também acontece comigo e é muito estranho. Como se alma de repente se recolhesse e se negasse ao extraordinário. Tipo: cansei.

É bem assustador ser quem eu sou e não ver graça nas coisinhas miúdas do dia-a-dia. Porque eu não me reconheço. E me aguça ainda mais aquela velha sensação de que não sou daqui.

Dizem que é bom vez em quando recolher-se. Que a gente toma um fôlego desse mundo louco e se limpa um pouco de tanta informação, tanta história,  tanta emoção.

Existir para mim não é fácil. Vejo as pessoas existindo por aí tão facilmente. Tirando a vida de letra. Adoraria ser assim. Mas eu não sou. Para mim viver é uma luta diária. De sumô. Porque eu amo existir mas acho tudo bem esquisito. As pessoas são esquisitas, o que eu sinto é esquisito, o nosso tempo é esquisito.

Talvez o maior problema de me recolher e ficar quietinha seja o fato d’eu parar de escrever quando me recolho. Isso é fatal. Porque as ideias – que estão lá dentro de mim vivas, loucas para serem escritas e elaboradas e sentidas – ficam presas e começam a fermentar.

Daí danou-se. É azia, é enxaqueca, é prisão de ventre. Ficar sem escrever é mofar por dentro.

Mas como escrever quando Deus me tira a poesia? Eu não sei não. Por isso vim aqui hoje. Na força do amor. Para ver se conseguia espremer alguma coisinha.

É inverno, mas eu saí para ver o sol. Agora é pôr as ideias para quarar no varal, bater um papo com o carinha lá de cima e ver o que acontece.

Seja o que a gente quiser.

O que achou?