Quase tudo se falou sobre a pandemia no ano passado. Muito foi dito. Pouco foi compreendido. A verdade é que passamos o ano desesperados por respostas.
Os poetas tentaram nos trazer alguma leveza. Os especialistas, alguma explicação e clareza. Os médicos, o cuidado que fosse possível. Os otimistas, a esperança. Os bolsonaristas nos trouxeram sua intolerância. Os egoístas, sua inconsciência. Os espiritualistas, a capacidade do olhar mais ampliado sobre todas as coisas. E os artistas, a dura missão de tentar transmutar a dor do mundo.
As viúvas, filhos e netos, avós, tios e irmãos de quem partiu, não disseram nada. Só choraram por seus mortos, a dor aguda e seca de quem perdeu seus amores com a estranha sensação de terem partido mais cedo do que se esperava.
Para mim, sobre 2020 e a pandemia só ficaram três cicatrizes profundas que eu não consigo parar de sentir: o desejo de agradecer, o novo olhar sobre o presente e a coragem de pensar sobre a morte.
A gratidão é uma prática espiritual muito poderosa. Porque tem a capacidade de virar as coisas do avesso. De encontrar na sombra, uma luz. No vazio, uma imensidão. Agradecer pelo que se tem é uma forma muito bonita de passar pela vida. Reverter o pouco em muito e reconhecer nas pequenas coisas, a grandeza de toda uma existência. Eu já tinha o hábito de agradecer pelas coisas que a vida me deu. Já escrevi várias vezes sobre isso. Mas no fim do ano, quando me vi embaralhada nas reclamações do mundo pelo ano terrível que vivíamos, resolvi fazer uma lista das coisas boas e ruins que tinham me acontecido. E foi uma surpresa. A lista de acontecimentos positivos e superações era infinitamente maior às perdas e danos que a minha alma tinha sofrido. Naquele momento alguma coisa destravou no meu peito e desatei um monte de nós que o ano tinha feito.
Sobre a presença. O aprendizado foi tão fundo que tenho pensado em tatuar a palavra para ver se ela vira parte integrante do meu corpo. Presença. Já tem anos que eu penso sobre isso, mas em 2020 a ideia de me voltar ao presente todos os dias se transformou numa peça-chave para eu não pirar o cabeção. A gente que se projeta nesse futuro hipotético o tempo todo, que tá sempre lá na frente, na ânsia do que virá, sofreu muito ao ver as estatísticas irem matando um a um dos nossos amigos numa doença de filme de ficção científica. Víamos a coisa perplexos, sem nenhuma certeza de como seria se o vírus entrasse dentro de nós. Foi então que eu aprendi a duras penas que o controle é só mais uma ilusão dessas que a gente coleciona. E que exercitar estar presente no presente era a única arma que eu tinha para não enlouquecer de verdade. Foi um exercício. Que continua aqui dentro de mim como um desafio diário. Viver sem controlar o que vai acontecer. Mais nada a fazer a não ser confiar. E seguir. Vivendo um dia de cada vez.
E por fim, a morte.
A morte é um assunto tão delicado, tão difícil de ser abordado, tão nevrálgico, que é até complicado trocar ideia com os outros sobre isso. A não ser os espíritas, que falam de tudo com muita desenvoltura porque sabem exatamente o que vai acontecer quando a gente morrer, mesmo sem terem morrido antes. Eu não tô implicando, gosto de conversar com eles, mas ficando mais velha tenho tido um pouco de dificuldade de conversar com pessoas que tem tantas certezas sobre tudo. A morte é um assunto que congela um pouco a gente. Porque para quem está vivo, pensar nela é colocar um ponto final em alguma coisa que não parece ter chegado ao fim. A não ser em pessoas centenárias. Mas para quem ainda sente que tem tempo e faz planos, pensar na morte é algo petrificante. Inconcebível. Mas a pandemia me fez ficar de frente para essa ideia da morte tantas vezes, que eu acabei passando da fase do pavor para a fase da aceitação. Ao exercer presença, eu já tinha aprendido a abrir mão do controle. E aí foi só juntar uma coisa na outra para sentir um mínimo de libertação. O coronavírus é uma loteria biológica. O que tiver que acontecer vai acontecer. Antes dela, também era assim. Mas a ficha não tinha caído.
Por isso termino meu texto com Belchior que anda na boca do povo, pedindo a ele uma licença poética para reescrever:
Ano passado eu não morri, talvez esse ano eu não morra. Vamos ver. Tô torcendo. Tanto para fazer!
como sempre PERFEITA em suas palavras. obrigada obrigada obrigada
Lindo texto! Realmente, 2020 testou nossa capacidade de estar presente pra tudo de bom e de ruim que ele trouxe.
3screva, Tati! Não pare, querida.
Continue!
Gratidao por esse texto lindo e verdadeiro.
Beijo no seu coração.
Tanto a pensar! Tantas conjecturas! Gratidão, presença e morte são parte de uma única coisa que é inquestionável: a primazia da vida! Tatiana nos lembra que é preciso viver com gratidão, com presença e com a noção da morte. Mas, acima de tudo, que seja uma vida vivida! E que o outro a seu lado é parte do permanecer-se vivo!
Quero estar sempre ao seu lado, minha mãe… te agradeço a vida e a tudo que me ensinou. Te amo tanto!
Celinha, minha amada! Você me inspira muito! Saudade e amor!
Uma reflexão profunda e ao mesmo tempo leve e serena ♡♡♡♡
Então começaremos 2021…. COM MUITA GRATIDÃO ☆☆☆☆☆
E por falar nisso.. GRATIDÃO por compartilhar essa maravilha ♥️
Piero querido… gratidão também por suas fotos que me mostram um mundo tão bonito!
Tati, querida! Que coisa boa ler você de novo! 2021 com sua energia será maravilhoso! Obrigada!