Fevereiro agora faz um ano que eu ganhei um céu.
Um ano que eu passei a olhar para cima com uma sensação absoluta de propriedade. Difícil de explicar, mas explico.
O céu é um teto planetário misterioso que está lá todos os dias, para todos nós, desde o dia que nascemos até o dia que partimos. E desde pequenininha que eu tenho essa relação com ele de espanto e paixão, porque nunca consegui me acostumar com o deslumbramento das nuvens e das estrelas. Perdi a conta das horas que ganhei na vida deitada na grama olhando para essa coisa azul que ninguém explica.
Mas no ano passado eu tava em busca de uma nova casa que pudesse abrigar as meninas em quartos separados e qual não foi a minha surpresa quando descobri que tinha uma cobertura para alugar no meu condomínio, pelo preço de um apartamento normal, porque o terraço não tinha telhado, nem churrasqueira nem piscina. Só um céu. Mas as pessoas não estavam interessadas nisso.
Pois bem. Aluguei a cobertura e na primeira noite que dormi na casa nova, saí sozinha no terraço e fui invadida por um sentimento avassalador. Era uma noite estrelada, limpa, fresca. Silenciosa. Já era tarde e quase todas as luzes dos prédios vizinhos estavam desligadas. Eu me deitei no chão de braços abertos e bebi daquela imensidão como se estivesse vendo o céu pela primeira vez. Uma epifania pela qual nunca tinha passado. Como alguns poucos momentos que a gente passa e entende uma centelha da existência.
Enfim, me sentindo profundamente abençoada, segui meu ano colecionando céus, tempestades, pores e nasceres de sol, uns mais lindos que outros. Estrelas-cadentes, luas cheias e minguantes, arco-íris, gaivotas, balões, aviões. Meu céu tinha se transformado num divã: o melhor lugar para curar minhas angústias só pela simples contemplação do infinito.
E foi assim, observando essa imensidão, que um dia, eu descobri o menino sem estrelas.
Ele mora numa janela em frente ao meu terraço e quase todas as vezes que eu o busco no olhar, ele está lá, no mesmo lugar, no mesmo quarto, na mesma cadeira, olhando a mesma tela grande que reproduz imagens de um laptop, que reproduz imagens de uma guerra, onde ele está sempre atirando em alguém.
É desesperador. Meu coração tem que se contraído ao observá-lo na mesma proporção que se expande ao olhar para o céu e eu não sei o que fazer com isso. Já tentei várias formas de me desapegar dessa história, mas a cada dia, me sinto mais envolvida na trama de observá-lo, assim como fazia o personagem de James Stewart em “A Janela Indiscreta” de Alfred Hitchcock.
Queria me desapegar do julgamento de vê-lo ali tão preso, mas não consigo. Queria tentar entender o que leva alguém tão jovem a encarcerar-se dessa forma, mas não consigo. Queria ter a coragem de chama-lo para a vida, mesmo sabendo que não tenho direito de achar que o que vive não é vida, mas não consigo.
Os sóis nascem, os dias correm, as luas chegam, as noites caem. E o menino sem estrelas está sempre ali. E não há nada que eu possa fazer por ele. A não ser sonhar com o dia que lhe mostraria o céu e a paleta de cores que pode surgir num entardecer. Ah, seu eu pudesse, mostraria ao menino os vários tipos de vento que o vento sabe ventar. E lhe mostraria a dança das folhas, a forma mágica das nuvens, o anúncio de calor que trazem as cigarras, a liberdade que nos ensinam os passarinhos. Esperaria ao seu lado o anoitecer e lhe ensinaria que a primeira estrela que nasce no céu não é uma estrela e sim um planeta. E que todas as mais lindas constelações tem nomes próprios e que surgiram para ajudar os nossos ancestrais a compreenderem os ciclos da terra e do tempo.
Eu sei que o menino nem imagina que eu existo. Mas se eu tivesse uma chance, uma chance apenas, diria a ele que a vida é um sopro e que o tempo passa depressa e que se ele não se atentar, vai perder a chance de viver, tudo que a vida tinha reservado para lhe dar.
A começar pelo céu.
Maravilhoso!!!!
Amei, Tica. E quanto meninos e meninas sem estrelas proliferam mundo afora e ao podemos fazer nada por eles… apenas rezar, é sonhar que algum dia uma centelha os desperte, ainda a tempo de aproveitar a curta vida…
como sempre, perfeito…
obrigada pelo presente das palavras.
te amo muito.
Lindo demais!!!!!
Adorei!!!!
Tati, amada minha, quantas bênçãos recebo agora com seu retorno às letras, com seu céu escancarado, com tanta vida brilhando na noite escura de todos nós! Que alento! Que alegria!
Hoje temos uma lua escandalosa aí em cima. Que ela abençoe a sua contemplação! E que te faça impregnada de muitos textos mais!
orgulhoooooo
Meu coração expande, mil vezes, ao ler do seu céu! Queria saber mais dos ventos e dos pássaros e dos ritmos da vida! O que fazer desta colaboração latente!? Já pensou em atirar uma pedra na janela dele?! Colocar balões vermelhos com um cartaz dizendo “vem!”
Te amo!
Deslumbrante!!!! Tati, minha linda, que delícia de texto e como nós toca profundamente. Gratidão ❤️😘
O menino sem estrelas talvez já saiba da sua existência. Talvez ele esteja com medo de sair diante das telas que, certamente, ofuscam e impossibitam visões novas.
O menino sem estrelas clama por sua coragem de dali retirá-lo, mesmo que por pequenos instantes.
O menino sem estrelas ainda não sentiu a textura das suas mãos.
O menino sem estrelas quer conhecê-la. Livre-o. Você deverá encontrar o caminho até ele.
Cada vez melhor do pensar para as mãos traduzindo o que vai pela alma.
Eu sou o Oscar Junior do Rio de Janeiro, irmão da sua Amiga Gisele de Miami. Achei tão prufundo quanto o Universo que tentamos descobrir ,seus limites, o que tem nele mas isso é científico, seu olhar já sabe o que tem lá. Parabéns. …
Lindo texto Tathi, parabéns!!!🥰
Minha carioca preferida…. texto maravilhosooooooo….. hahhh.. fiquei aqui pensando que, por vezes, pareço ser este menino….simmm… não tão jovem…. mas fazendo o que ele faz: não olhar estrelas!!! E o mais doido é que a gente nem percebe isso…… Enfim……TE AMOOOO….. SAUDADESSS…..
Que lindo, Tati!
Sei como vc se sente diante da imensidão pontilhada de brilhos noturnos!
Eu , por aqui, não tenho este seu teto assombroso, mas tenho uma varanda debruçada para o Corcovado que se apresenta diferente a cada dia: ora brilhante de chuva, ora róseo no nascer do sol, ora tenebroso, massa escura nas noites sem lua, ora prateado pela lua cheia, ora mergulhado em nuvens cinzentas…me delicio inebriada com tanta beleza!!! Que bom poder olhar em volta!!!
Minha amada, fico daqui a deslumbrar-me, mergulhando neste teu mar de estrelas, neste infinito de afetos, nesse teu olhar atento, e nesse eco fabuloso que tua escrita nos proporciona. Que possamos, todos, meninos e meninas, em todas as idades, contemplar essa existência ancorados
no amor, livres na cadência das estrelas dançantes, riscando os céus e terras por onde deixamos registradas nossas pegadas. Vc habita meu céu, é uma constelação inteirinha brilhando, rs, me iluminando com tua poesia em viver! Aaah minha Tati querida, quando vc escreve, o meu céu sorri.😊🌟