“Se você quer pegar um peixinho,
pode ficar em águas rasas.
Mas se quer um peixe grande,
terá que pescar em águas profundas”
David Lynch
E aí, eu resolvi escrever um livro.
Porque não dava mais para ficar calada, não dava mais para ficar parada.
Não dava mais para sentir e não registrar. Mas também não dava para registrar só as coisas que eu sentia na superfície. Era preciso ir mais fundo, era preciso ter coragem, era preciso tomar uma decisão.
Foi preciso dar um salto na escuridão.
E foi assim que a ideia do livro nasceu. Do desespero. Do choro vazio das coisas que se perdem sem sentido. Da falta absoluta de outra escolha que não fosse escrever. A ideia do livro nasceu da aflição da existência. Essas coisas que vem de um lugar muito estranho nos artistas. Das vísceras. De um profundo tão difícil de explicar quanto a própria existência.
E o salto na escuridão aconteceu. Não como quem se mata. Mas como quem renasce.
E desde então, escrevo sem parar. Há meses me sinto voando. Tentando não reler nada, não criticar nada. Tentando segurar a língua ferina do ego que pode silenciosamente me plantar a dúvida. Às vezes choro enquanto escrevo. Às vezes rio. Às vezes sinto uma clareza absoluta. Muitas vezes me perco. Mas lembro de Clarice quando ela diz: “perder-se também é caminho”.
Escrevo à mão. Jamais no computador.
E por vezes, me vejo como uma médium espírita incorporada, psicografando algo do além. Porque escrevo depressa, com os olhos semicerrados. Uma mão na caneta e outra segurando a cabeça, que pesa com tantas ideias e sentimentos. Numa urgência estranha, dessas que faz a gente achar que não tem mais tempo, porque talvez vá partir. Não para a morte. Mas para o parto. De algo que precisa desesperadamente nascer.
Esses últimos meses tem sido maravilhosos e sofridos. Na mesma proporção. Porque o meu escrever é simples, mas a tradução não é. Ela requer entrega. Verdade. Coragem. Ela requer uma escuta muito, muito apurada de um mundo invisível. O mundo paralelo das memórias. Tenho visitado lembranças de tempos remotos. Coisas da infância, da juventude, da luz e da sombra que já habitei. Da alegria e da dor. Do fácil e do terrivelmente difícil de ser visto. Mas é isso. Não consigo fazer diferente. Minha escrita é o que é e isso está posto.
Talvez eu nunca tenha me sentido tão feliz. E tão confusa. E eufórica. Mas eu agradeço.
Estou livre.
Sou um pássaro voando alto no céu de muitas nuvens. Me sinto o próprio vento, ventando ventanias. A chuva que chove abundante para encharcar a terra de tudo aquilo que ela precisa.
Estou livre. Porque pela primeira vez escrevo livremente.
Não sei se chegarei a algum lugar. Não sei se esse livro poderá ser compreendido. Não sei nem se algum dia conseguirei organizar tantos manuscritos. Não posso pensar nisso agora.
Se eu rezo para que esse livro termine?
Sim.
Eu rezo para que esse livro termine. Assim como rezo para ver minhas filhas crescidas e criadas para que possam voar sem mim. Assim como rezo para envelhecer lúcida, para que possa contar aos meus netos tudo que vivi. Rezo por saúde e a mínima compreensão do mundo antes de partir.
É.
Eu resolvi escrever um livro.
E isso está mudando tudo, dentro e fora de mim.
Que assim seja. E assim é.
Que lindo Tati…👏👏👏👏😘
<3
eu te amo incondicionalmente. conte com o meu colo para te acolher nos momentos difíceis e nos incríveis. você é o ser humano mais lindo que existe. beijos, sua filha mais velha <3
Huuum… cheirinho de livro no ar… Maravilhosidades da Tati! Amada,mergulhando profundo juntinho!