O frio que me habita

frio

A chegada do frio essa semana me renovou as energias. Ainda estamos no outono, mas sinto que finalmente consigo pensar.

Depois de tantos meses de calor insuportável, do cotidiano esbaforido e melado, das noites mal dormidas na secura do ar condicionado e do superfaturamento da minha conta de luz, o friozinho chegou anunciando tempos de paz e quietude.

Eu não sei direito onde é dentro de mim que a temperatura mexe tanto com o meu humor. Vivemos num país tropical e todo mundo sabe que no Brasil só existem duas estações do ano: o verão e os poucos meses do ano que está um pouco mais fresquinho. Mas essa alegria incontrolável que me causa os 16˚ no termômetro tem uma explicação:

O frio para mim tem um glamour. Uma coisa cinematográfica. Ele veste botas, gorro e cachecol. Talvez seja por todos os filmes europeus que vi ao longo da vida. Talvez seja por essa coisa “Paris” que o frio faz habitar na minha imaginação. Mas sinto que ele nos dá a chance de sairmos de casa um pouco mais elegantes e voltarmos para casa no final do dia ainda razoavelmente inteiros. O frio é perfumado, chique, intelectual.

Claro que o verão tem suas qualidades. É uma estação expansiva, cheia de alegria. O sol brilha, o céu explode o azul, mas tanta energia solar cansa. Dias deslumbrantes de sol exigem da gente uma alegria enorme, e não é todo dia que a gente tá em condições de ser feliz, né?

Mas o inverno é diferente. Ele nos permite uma introspecção quieta. Um respeito maior aos sentimentos. Ele traz um silêncio junto de uma xícara de café fumegante. O frio nos retrai, mas isso não significa uma perda de espaço e sim um reencontro com um lugar interno nosso esquecido durante os meses de calor.

Meu pai costumava contar que os meus ancestrais que chegaram a Joinville no início do século passado sofreram muito com o calor do Brasil. Para quem estava acostumado com o frio da Alemanha, Joinville era uma sauna. Construída sobre um mangue, a cidade das flores no calor não só é muito quente como insuportavelmente úmida. Imagino os meus tataravôs sem conseguir entender aquele suor brotando dos poros e escorrendo por todos os cantinhos do corpo – e a falta da referência histórica de suas roupas pesadas e calefação para viver. Teve gente que morreu de depressão. Barra pesada.

O frio me traz oxigênio. Inspiração para escrever. Uma quietude na alma. Um tempo para ser. Para sentir.

Ele me faz pensar melhor, me dá uma disposição para viver. Ele me traz o vinho tinto, os pratos deliciosos de sopa, o fondue, o chocolate quente. As roupas macias, as luvas e meias coloridas, a lareira. Bem, eu não tenho lareira, mas passo o inverno todo atrás de uma. 

Claro que junto de toda essa coisa glamurosa do frio, vem também a parte sombria da coisa. Na eterna dualidade do meu ser, não poderia deixar de pensar em todos aqueles que não tem nada disso na vida. Nem no mínimo para viver. Não há um dia sequer do meu inverno que eu não pense em quem não tem um lugar para se abrigar, nem um alimento quente para se aquecer. No frio também mora esse aspecto angustiante e dramático como o cenário triste da “Menina dos Fósforos”. Sempre penso nesse história como a história mais triste de todos os tempos.

Vontade imensa de entrar num desses trabalhos voluntários que as pessoas distribuem uma sopa, um casaco, um café com leite. Como são preciosos os seres que disponibilizam seu tempo e energia para fazer bem aos outros. 

Nos ciclos da natureza, o tempo do frio é o tempo de entrar na caverna. Tempo de recolhimento. Para mim é também um tempo de agradecer por todas as bênçãos recebidas. Eu não moro em Paris, mas tenho um teto, alimento e o aconchego de um lar aquecido com muito amor. Sou ou não sou uma pessoa de sorte? 

2 pensou em “O frio que me habita

  1. Meu amor! Me sinto uma ursa! Só que vou saindo da caverna… Sempre achei isso tao maravilhoso. A sabedoria da mae-terra é tao absoluta. Metada da esfera no calor, enquanto a outra metade, no frio… Os ciclos que promovem o equilibrio em tudo o que existe. Dentro e fora. Yin and Yang.

    Só o amor é permanente. Ame-se até o mais fundo de sua alma…

    Eu te amo~

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